SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Pesquisadores da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), UFPB (Universidade Federal da Paraíba) e Instituto Peixes da caatinga, dentre outros, descobriram uma nova espécie de peixe da Caatinga no município de Lagoa Salgada (a cerca de 70 km de Natal).
O nome da espécie nova, Hypsolebias lulai, homenageia o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Conhecida popularmente como peixe-nuvem (cloud fishes, em inglês), o gênero Hypsolebias possui 34 espécies (35 com a nova descoberta), pertencentes à família Rivulidade, ordem Cyprinodontiformes, com distribuição neotropical (nas Américas). O grupo representa os peixes mais ameaçados de extinção no Brasil, devido ao seu caráter endêmico (restrito a um único ambiente) de lagoas temporárias na caatinga.
Como mostrou uma pesquisa divulgada pela Folha de S.Paulo nesta semana, a caatinga é o bioma mais ameaçado brasileiro e pode ter até 90% da sua diversidade ameaçada até 2060.
Por essa razão, os cientistas responsáveis pelo estudo decidiram homenagear Lula para conscientizar sobre a importância de preservação de H. lulai e das outras espécies encontradas no país. Além disso, queriam chamar atenção para a prometida retomada do investimento em ciência no terceiro mandato de Lula, após um período de cortes na gestão Bolsonaro.
O artigo descrevendo o achado foi publicado nesta sexta-feira (20) na revista Neotropical Ichthyology. Participam do estudo Telton Ramos e Fábio Origuela, do Instituto Peixes da Caatinga, Yuri Abrantes, da UFRN, Dalton Nielsen, do Laboratório de Zoologia da Universidade de Taubaté, e Silvia Lustosa-Costa, do Laboratório de Ecologia Aquática da UFPB.
O H. lulai possui uma coloração bem característica: o macho possui listras e uma faixa azulada na parte dorsal, enquanto as fêmeas são menores e possuem uma coloração amarronzada. O tamanho total do animal é de 5 cm, com alguns indivíduos chegando a 6 cm de comprimento.
Os peixes do gênero Hypsolebias se alimentam de pequenos invertebrados, como larvas de insetos e outros artrópodes, e ocasionalmente pequenos vertebrados, como girinos. Vivem nas lagoas temporárias que surgem em meio ao sertão da caatinga, principalmente nos estados da Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Tocantins e Piauí. Já eram conhecidas para as bacias do rio São Francisco e do Tocantins-Araguaia, mas é a primeira vez que foi encontrada na bacia do rio Trairi.
Uma outra espécie, Hypsolebias longignatus, que ocorre na bacia do rio Pacoti, no Ceará, é considerada a mais próxima de H. lulai.
Segundo Telton Ramos, que é também pós-doutorando no programa de ciências biológicas da UFPB e primeiro autor do estudo, foi surpreendente descobrir o novo peixe na região, já que sua espécie-irmã ocorre a mais de 500 quilômetros dali.
"Nosso objetivo era realmente chamar atenção devido ao caráter único da descoberta e da possibilidade do peixe já estar ameaçado de extinção", explica Ramos.
Participação da sociedade na descoberta
De acordo com ele, devido às fortes chuvas que ocorreram no ano de 2022 no estado do Rio Grande do Norte, as poças transbordaram e, por isso, os peixes foram levados até açudes próximos. Foi em um desses açudes que seu Alberto, o pescador responsável pelo achado, descobriu a nova espécie. O achado, assim, é um dos tantos que só são possíveis graças à chamada "ciência cidadã".
"A região onde foi encontrado o peixe está dentro de um assentamento [de trabalhadores rurais] no município de Lagoa Salgada. Ele viu que era um peixe desconhecido, tirou uma foto e aí enviou para um professor da UFRN, que nos encaminhou. Na hora, vimos se tratar de uma espécie nova", lembra o pesquisador.
Além da coloração, o H. lulai possui um número de raios das nadadeiras dorsais (basicamente, como são chamadas as "linhas" que formam a nadadeira) do que as outras espécies do gênero, além de uma quantidade de listras no corpo também elevada.
"Este grupo é um dos mais ameaçados, por causa do ciclo reprodutivo: os peixes se acasalam, as fêmeas colocam os ovos nas lagoas temporárias e aí essas lagoas secam, e os filhotes vão nascer quando encherem de novo. Mas nesse tempo podem ser construídas ali ruas, estradas, casas, que vão acabar afetando o ciclo dos animais. Por isso, quando viu o peixe, ele percebeu que era algo diferente", explica Ramos.
Porém, não foi fácil chegar até o local para coletar os indivíduos. Sem recursos para pesquisa, Ramos e colegas fizeram uma campanha para arrecadar dinheiro para a expedição científica. Conseguiram por meio da página do Instituto Peixes da Caatinga no Instagram (@peixesdacaatinga).
Apesar de ter conseguido fazer a visita ao local, Ramos espera agora conseguir um financiamento de um projeto de pesquisa para dar continuidade aos estudos. Isso vai ajudar ainda, por exemplo, a fazer uma análise mais detalhada da distribuição geográfica da nova espécie -se ela está presente em outras lagoas temporárias na região- e das relações filogenéticas dela com as demais espécies do gênero.
"Ainda temos muito o que estudar, sobre ecologia, como aquele grupo chegou ali, como ele se separou da outra espécie [H. longignatus] e há quanto tempo. Quero conseguir fazer isso porque estudo há anos esses peixes, que são muito importantes", finaliza.
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