SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Após um hiato de seis anos, o Ministério da Saúde atualizou o PCDT (Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas) para adultos vivendo com HIV/Aids). O lançamento ocorreu no 23º Congresso Brasileiro de Infectologia, realizado em Salvador, mas a portaria foi publicada nesta sexta (20), pela Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde.

Uma das novidades da nova versão envolve os antirretrovirais -a incorporação ao SUS (Sistema Único de Saúde) de um esquema simplificado em comprimido único diário com lamivudina e dolutegravir.

A combinação deverá estar disponível no início de 2024. Até lá, permanece o tratamento antirretroviral inicial preferencial utilizado desde 2018, que consiste em dois comprimidos diários: um com fumarato de tenofovir coformulado com lamivudina e outro de dolutegravir.

A junção da lamivudina e dolutegravir já estava aprovada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) desde 2021, mas a incorporação ao SUS ocorreu somente neste ano. Os estudos clínicos mostraram eficácia para o controle do HIV, inclusive com menos efeitos colaterais.

A nova formulação é uma estratégia emergente que ajudará no tratamento de quem sofre com os efeitos do uso prolongado do tratamento, como quem envelhece e os portadores de problemas renais e ósseos.

"As pessoas estão envelhecendo com HIV. São mais de 250 mil pessoas em tratamento com mais de 50 anos. Boa parte tem pressão alta, diabetes, doenças renais. Nesse sentido, é uma estratégia voltada para essa população específica, dentro da realidade brasileira", explica o infectologista Ronaldo Hallal, assessor técnico da Coordenação-Geral de Vigilância do HIV/Aids e das Hepatites Virais do Ministério da Saúde e coordenador da atualização do documento.

O comprimido único é uma entre as diversas estratégias oferecidas. Segundo Hallal, o tenofovir continuará no protocolo, assim como outros medicamentos que poderão ser utilizados a depender do paciente e da situação clínica.

"Foram publicadas recomendações que permitem individualizar o início do tratamento, o manejo da resistência do HIV, para pessoas que desenvolvem tuberculose, para pessoas que estão envelhecendo e para aqueles que desenvolvem efeitos adversos do tratamento", ressaltou.

Para o infectologista Rico Vasconcelos, pesquisador da Faculdade de Medicina da USP, a simplificação do esquema antirretroviral é um dos pontos positivos do novo protocolo.

"Deixar apenas dois antirretrovirais e tirar o que tem o maior potencial de toxicidade por causa do seu uso a longo prazo, que é o tenofovir, é uma coisa que o mundo inteiro está fazendo. Com a lamivudina e dolutegravir, vamos conseguir fazer o tratamento inteiro com um comprimido uma vez ao dia, com enorme potencial de manutenção de controle do vírus e menor toxicidade", comenta.

Outro ganho no protocolo, segundo Vasconcelos, é a incorporação, de forma oficializada, de testes de diagnósticos modernos de doenças oportunistas, como tuberculose, criptococose e histoplasmose.

O novo protocolo ganha três eixos. Segundo Hallal, o primeiro passa pela abordagem e o acolhimento do paciente, além de um olhar social.

"O primeiro módulo traz os aspectos centrais do tratamento antirretroviral, o manejo do profissional de saúde ao abordar a pessoa que vive com HIV e Aids; a abordagem à sexualidade, ao planejamento de reprodução; a importância do acolhimento e do vínculo; as recomendações para início imediato do tratamento e os esquemas de tratamento e os exames laboratoriais", afirmou.

Um capítulo específico aborda orientações para situações de interrupção do tratamento, estabelecendo os esquemas para reinício.

O segundo eixo fala dos tratamentos mais seguros e eficazes para as coinfecções e infecções oportunistas como tuberculose, hepatites virais, sífilis, HTLV (vírus linfotrópico de células T humanas), doença de Chagas, meningite, entre outros agravos que afetam as pessoas vivendo com HIV/Aids.

"Hoje nós ainda temos a Aids como problema de saúde pública e uma mortalidade por Aids que não reduziu nos últimos anos. O protocolo dá recomendações de como utilizar novos testes, por exemplo, para rastreamento e diagnóstico de tuberculose e noções mais claras de início rápido, preferencialmente até sete dias, do tratamento do HIV aliado a diretrizes internacionais, como da Organização Mundial de Saúde", diz o infectologista Hallal.

O terceiro eixo, que trata da abordagem às comorbidades não transmissíveis -como diabetes e hipertensão, por exemplo- e do manejo dos efeitos adversos do tratamento na pessoa que vive com HIV, ficará para 2024.

O preconceito ainda é apontado como uma barreira, principalmente para as populações mais vulneráveis do Brasil.

"Nós vivemos quatro anos em que o preconceito, a homofobia, a transfobia e o racismo foram colocados na cena pelos governantes e formadores de opinião. A Organização das Nações Unidas recomenda que uma das metas para eliminar o HIV deve ser discriminação zero -preconceito, discriminação, baixa renda, pobreza, falta de acesso, tudo isso significa barreira para que a pessoa busque a testagem, porque ela sofre uma segunda discriminação, que é ter HIV e Aids", disse o infectologista.

A repórter viajou a convite da Sociedade Brasileira de infectologia.


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