SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A região da Santa Ifigênia, no centro de São Paulo, conhecida como um reduto de eletrônicos tem registrado uma sequência de protestos com a formação de cordões humanos contra a migração ou permanência da cracolândia em vias do bairro.
As manifestações são coordenadas por moradores e comerciantes que se dizem insatisfeitos com as ações das gestões do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e do prefeito Ricardo Nunes (MDB) para resolução do problema.
Ao menos uma das manifestações, na rua Mauá, ainda segue ativa. A mobilização teve início na tarde de quinta (9), quando os moradores de uma ocupação impediram o retorno de dependentes químicos que haviam passado a noite anterior no trecho da rua entre o viaduto General Couto de Magalhães e a rua Cásper Líbero.
Naquele momento, os usuários de drogas estavam na rua dos Protestantes, onde permanecem atualmente. Os dois pontos ficam uma distância de cerca de 500 metros
Moradora há 18 anos em um imóvel ocupado na rua Mauá, a coordenadora do Movimento de Moradia e Luta por Justiça, Ivaneti Araújo, 50, é uma das organizadoras dos atos.
"A maior preocupação é [o poder público] esquecer os moradores em situação de rua e de drogadição aqui na porta. De enfraquecer a nossa luta. De tirar o direito de nosso povo de ir e vir, das nossas crianças. De não levar em consideração toda nossa história. É um pouco de cada. Por outro lado, de o governo achar que o problema está solucionado", disse Araújo.
Segundo ela, aos finais de semana, a via, que fica ao lado da estação da Luz, é tomada de crianças que pedalam bicicletas e andam de patins, patinetes e jogam bola no local.
Além dos moradores da Mauá, vizinhos do fluxo, como é chamada a aglomeração de usuários drogas no centro de São Paulo, também resolveram se juntar e lutar contra a cracolândia.
Na noite de sexta, paralelo ao ato na Mauá, outras 15 pessoas, moradores da rua dos Protestantes tentavam chamar a atenção para a permanência dos usuários no local. Elas se aproveitaram da remoção momentânea dos dependentes químicos por uma quadra para limpeza via e formaram um pequeno cordão humano.
Os moradores chegaram a buscar ajuda dos vizinhos da ocupação para engrossar o quórum, mas tiveram pouca adesão.
Após cerca de 30 minutos de ato, que contou com conversas com GCMs, o grupo não aguentou a presença de cerca de 600 usuários a 10 metros de distância e resolveu liberar o acesso para que eles retornassem para o trecho da Protestantes entre as ruas dos Gusmões e Vitória.
Uma moradora, que pediu para não ser identificada por questões de segurança, chorou ao contar sua rotina. Ela disse que sua maior tristeza é não poder receber a visita das netas, que deixaram de ir até sua casa depois da chegada do fluxo há cerca de três meses. Também não prepara mais o almoço para os filhos aos domingos.
Ela, que mora há 17 anos no local, afirmou não aguentar mais a presença da cracolândia ali. Segundo ela, a situação chegou a seu pior momento, já que os usuários têm permanecido dia e noite no ponto.
Segundo a moradora, ninguém da prefeitura os procurou desde a chegada do fluxo.
Entre sábado (11) e domingo (12) um outro grupo de vizinhos da cracolândia trancou o trecho da Protestantes entre a rua dos Gusmões e a rua Mauá como forma de impedir o trânsito de usuários de drogas.
Eles realizaram uma espécie de vigília, com cadeiras colocadas na rua. O grupo se desfez na madrugada de segunda-feira (13), quando parte das pessoas precisou descansar para ir ao trabalho.
Segundo um morador que participou do protesto, a situação dos dependentes químicos não pode ficar represada onde eles moram. Para ele, é necessário que o município e o estado tentem encontrar um lugar adequado para os usuários.
Novos atos estão programados no decorrer da semana entre as ruas dos Protestantes e Mauá.
As ações ocorrem em um momento de crescimento na aglomeração de dependentes químicos na rua dos Protestantes. Segundo dados da gestão Nunes, drones da prefeitura registraram 672 pessoas em média na tarde do dia 10, ante 498 no mesmo período do dia anterior.
Usuários que vivem na cracolândia e conversaram com a reportagem confirmam que a concentração tem aumentado.
Segundo eles, a cracolândia passou a receber nos últimos meses pessoas vindas de cidades do interior e de outros estados, que são desconhecidos dos próprios usuários. Durante o protesto da última quinta, um homem abordou a reportagem e perguntou onde estavam os hotéis em que poderia usar drogas no centro e onde estava o fluxo. Ele disse que tinha saído de Curitiba (PR) para o centro de São Paulo.
Antes dos atos vistos neste mês, moradores de um condomínio trancaram em agosto a alameda Dino Bueno e avenida Duque de Caxias na tentativa de impedir a possível migração de usuários para o local. A manifestação durou cerca de duas horas.
Segundo os moradores, eles viram pela televisão notícias de que o endereço seria o novo ponto da concentração de dependentes, o que gerou a mobilização.
Procurada, a gestão Nunes afirmou o chamado fluxo é dinâmico e se move por conta própria. Segundo a prefeitura, não há nenhuma recomendação de quais ruas os usuários devem ficar. Ainda de acordo com a nota, são feitas orientações sobre a não permanência em lugares que possam gerar transtornos aos moradores e comerciantes.
Já a gestão Tarcísio disse implantar desde o início do ano políticas públicas para a assistência e o tratamento dos dependentes químicos que frequentam o centro. Conforme a nota do governo, por meio do Hub de Cuidados em Crack e Outras Drogas ocorreram mais de 10 mil atendimentos, com abordagens qualificadas e tratamento individualizado.
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