SÃO PAULO, SP (FOLHAPESS) - Uma disputa pelo comando do SindMotoristas (sindicato dos motoristas e cobradores de ônibus) está por trás da paralisação de 368 linhas que afetou 530 mil usuários do transporte coletivo da cidade de São Paulo nesta terça-feira (21).
Quatro chapas disputam a eleição para a presidência do sindicato, iniciada nesta terça e que tem previsão de conclusão nesta quarta-feira (22).
Três chapas envolvidas no pleito pedem o adiamento da votação por três meses. Seus representantes querem a substituição das cédulas de papel por urnas eletrônicas.
Duas dessas chapas ouvidas pela reportagem disseram que o voto eletrônico é uma forma de estimular os cerca de 45 mil motoristas e cobradores a acreditarem no processo e a comparecerem à urnas, pois eliminaria a chance de fraude.
O adiamento chegou a ser aprovado em reunião da categoria na véspera do protesto, mas uma decisão da Justiça do Trabalho anulou a assembleia e manteve a eleição.
A decisão atente aos interesses da única chapa contrária ao adiamento, que é a de número 4 - Resgate Raiz.
Encabeçada por Edivaldo Santiago da Silva, a Chapa 4 tem como um dos seus principais articuladores Cristiano de Almeida Porangaba, mais conhecido como Crizinho.
Ele era oficialmente presidente do sindicato até o último dia 10 de novembro, mas perdeu a função com a recondução ao cargo de José Valdevan de Jesus Santos, o Noventa -que é candidato à reeleição como cabeça da Chapa 2 - Resistência e Ação.
Eleito pela primeira vez em 2013 e posteriormente reeleito para um segundo mandato de cinco anos, Noventa havia sido afastado da função devido ao desdobramento de uma investigação policial que apurava possível infiltração da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) no sindicato.
A defesa de Noventa afirma, porém, que o inquérito não avançou durante os mais de quatro anos em que permaneceu instaurado.
Em 2018, Noventa foi eleito deputado federal por Sergipe pelo PSC (hoje ele é filiado ao PL). Em março de 2022, foi cassado por suspeita de abuso de poder econômico durante a campanha eleitoral.
Noventa conseguiu transferir a ação que o afastou do sindicato da Justiça de São Paulo para a de Sergipe, que derrubou a liminar paulistana e permitiu que ele reassumisse o cargo no SindMotoristas.
Apesar da decisão judicial reconduzir Noventa à presidência, a defesa dele alega que é o grupo ligado a Crizinho que continua a comandar o sindicato.
A reclamação é reforçada por Antonio Agripino da Silva, o Preguinho, que é o líder de outro grupo que também está na disputa pelo comando do sindicado, a Chapa 1 - Oposição e Luta. O cabeça desta chapa é outra pessoa, Manoel Matheus Portela.
Preguinho assumiu a liderança pelos protestos desta terça-feira. Ele disse à Folha de S.Paulo que o grupo liderado por Crizinho organizou a eleição sem permitir que integrantes das outras chapas integrassem os grupos de mesários.
O opositor ainda afirma que a chapa de Crizinho também conseguiu distribuir nas garagens urnas que não são legítimas, já que as 120 unidades oficiais ficaram trancadas na sede do sindicato.
Em nota publicada no site do sindicato, no qual Crizinho ainda aparece como presidente, os manifestantes são chamados de "agitadores". O texto afirma que o "movimento fracassou", uma vez que a eleição para a renovação da diretoria "segue normalmente, sem intercorrências nos locais de votação".
O sindicato diz ainda que "lamenta e repudia os incidentes de hoje no sistema" e "defende de forma categórica que a disputa aconteça democraticamente por meio do voto".
A Folha de S.Paulo tentou falar com Crizinho na noite desta terça, mas ele não havia retornado até a publicação deste texto.
O prefeito Ricardo Nunes (MDB) disse que os articuladores da paralisação agem como uma organização criminosa. "O transporte coletivo é um serviço essencial, mas fizeram este ato por causa de disputa de chapas. Essas pessoas agem como organização criminosa e somos vítimas desta turma", afirmou.
Preguinho disse Nunes comete um erro ao rotular manifestantes como criminosos. "Esse movimento é dos trabalhadores que querem transparência na eleição", diz. "É preciso parar de chamar trabalhadores de bandidos e entender o que está acontecendo de verdade."
Histórico de paralisação e acusações
A disputa pelo SindMotoristas tem histórico de protestos que afetam o cotidiano da capital paulista.
Em 2013, 16 terminais na cidade foram fechados por membros da oposição do sindicato dos motoristas e cobradores de São Paulo. Os bloqueios duraram cerca de quatro horas e afetaram ao menos 400 das 1.320 linhas que a cidade tinha na época.
O grupo de manifestantes era ligado a Noventa, o cabeça da atual Chapa 2, e também a Edivaldo Santiago, da atual Chapa 4. Embora estejam em lados opostos agora, eles eram aliados na ocasião.
Santiago liderou uma das maiores greves de ônibus da história de São Paulo. Ele era presidente do sindicato em 1992, quando os veículos ainda eram da CMTC (empresa municipal) e ficaram nove dias parados.
Ele e outros 18 integrantes da diretoria foram presos em 2003 sob a acusação de crimes como enriquecimento ilícito e formação de quadrilha. Entre os presos também estava Noventa. As acusações foram negadas por eles.
Segundo investigações do Ministério Público, a disputa pelo poder no sindicato causou a morte de ao menos 16 pessoas em 20 anos.
Dos 19 denunciados pelo Ministério Público Federal em 2003, dois morreram antes de o caso ser julgado.
A sentença desse caso saiu em 2012, mas os réus tiveram a punibilidade extinta porque a maioria dos supostos crimes já havia prescrito.
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