SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O calor extremo que atingiu a cidade de São Paulo e que deve voltar em dezembro é mais intenso nas zonas norte e leste e no entorno do centro expandido, enquanto a temperatura é relativamente mais baixa em áreas a sudoeste do centro, que concentram alguns dos distritos mais ricos da capital paulista.
As regiões de maior renda conseguem conter as chamadas ilhas de calor urbanas, locais sem área verde em que o asfalto e as estruturas de concreto absorvem a energia do sol e elevam a temperatura geral do ar, mantendo-a alta até a noite.
A temperatura medida na superfície na capital pode variar quase 4ºC entre a Vila Medeiros, bairro de renda inferior na zona norte, e a Vila Andrade, distrito de renda mais alta da zona sul. No primeiro ponto, o calor do solo costuma ser 3,3ºC mais quente do que a média da superfície da cidade.
Alguns bairros mais pobres, como Marsillac, no extremo sul de São Paulo, são privilegiados pela geografia e têm uma temperatura mais baixa, mas são exceções. Na maioria dos casos, a renda é um fator determinante na escala de calor.
Análise de dados da Folha mostra que os bairros 10% mais ricos da cidade conseguem bloquear as ilhas de calor. Esses distritos possuem temperatura média de superfície 0,7ºC mais fria do que a da cidade, enquanto o restante vive com o solo 2ºC mais quente.
Na faixa de distritos mais quentes, com temperaturas de solo de 2ºC a 3ºC acima da média de São Paulo, estão os bairros com renda média de R$ 1 mil a R$ 2 mil.
A conclusão surge a partir de cálculos feitos sobre mapas de temperatura de superfície captados pelos satélites Landsat 8 e Landsat 9 da Nasa. A reportagem selecionou imagens de satélite com menos de 10% de cobertura de nuvens sobre São Paulo, o que resultou em 32 conjuntos de dados de diferentes datas. Depois de calcular as temperaturas médias dos distritos, cruzou com a renda de cada localidade.
A espécie de círculo de fogo do mapa submete moradores de distritos como Vila Prudente (zona leste) e Ipiranga (zona sul) a uma temperatura geral mais alta do que a registrada nos Jardins ou no Alto de Pinheiros.
Além da ampla cobertura vegetal nas áreas mais frescas, as regiões mais ricas são menos adensadas de construções, enquanto as mais pobres têm muitas casas e prédios próximos uns dos outros, impedindo uma ventilação adequada, segundo Alejandra Devecchi, gerente de planejamento urbano da consultoria Ramboll no Brasil.
"A concentração de calor está diretamente associada à ausência de vegetação urbana", diz Devecchi. "A melhor ferramenta de amenização do calor é a arborização."
No mapa de temperatura da capital paulista, cujo calor é representado pela intensidade dos tons avermelhados -quanto mais vermelho, mais quente-, é possível identificar que os eixos noroeste, nordeste e sudeste são os mais prejudicados pelo mudança no clima.
A urbanização informal com grande densidade construtiva cria as ilhas de concentração de calor, sem áreas permeáveis e arborização, pontua a especialista.
É uma combinação de proximidade de concreto, ausência de quintais e calçadas estreitas para o plantio de árvores, além de ruas apertadas com um tráfego de veículos crescente, que reverbera o calor nessas áreas, afirma Miguel Buzzar, professor do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP.
Grandes construções de alvenaria, independentemente do adensamento populacional, também têm enorme capacidade de absorver e concentrar calor, segundo Buzzar. Ele fala especialmente sobre a mancha quente nos distritos a sudeste do centro, como Ipiranga, Mooca e Vila Prudente.
"Pegando esse eixo sudeste e a área fronteiriça com outros municípios [como Santo André e São Caetano], nós temos as antigas regiões fabris que ainda possuem grandes galpões e pouquíssima cobertura vegetal", explica.
Avançar na implantação de parques públicos é uma das principais estratégias para levar conforto térmico em meio ao aquecimento global, segundo os especialistas. Afirmação que pode ser evidenciada no mapa de calor.
A temperatura é mais baixa no entorno de grandes porções vegetais, como o parque do Carmo, em Itaquera, e nas porções mais ao norte dos bairros Cangaíba e Ermelino Matarazzo, onde fica parte do parque ecológico do Tietê, na zona leste.
São Paulo tem cerca de 110 parques. O PDE (Plano Diretor Estratégico) de 2014, a lei que dá a direção sobre como a cidade deverá crescer, previa a entrega de mais 167, mas apenas 11 tinham sido inaugurados até junho, quando a norma foi revisada.
A revisão do PDE realizada pela Câmara e pela gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) aumentou para 186 as áreas disponíveis para a criação de parques, alguns em áreas sobre as quais havia grande interesse imobiliário, como uma área contígua ao Parque Burle Marx e o Jockey Club, ambos na zona oeste.
"Devemos continuar investindo em praças e parques como política de Estado", afirma Devecchi, referindo-se ao banco de terras para a implantação de áreas verdes da cidade.
Ela também cita, como evidência do impacto das áreas verdes no clima, a ausência de manchas quentes nos maciços de vegetação na Cantareira, ao norte, e nas unidades de conservação na porção no extremo sul do município.
"A presença da água no ambiente urbano, na forma de rios, córregos, lagos e fontes é outro elemento da equação para enfrentar o calor", diz a especialista da Ramboll. "Devemos evitar canalizações e retificações dos corpos d'água."
Ilhas de calor no oásis paulistano
Bairros como Jardins América, Europa, Paulista e Paulistano têm sua arborização protegida por lei.
A vegetação faz parte do tombamento da paisagem pelos órgãos de patrimônio municipal e estadual.
Essa regra, somada ao zoneamento exclusivamente residencial garantido pela legislação urbanística municipal, também impede a construção de arranha-céus na região.
Há outros exemplos de bairros ajardinados protegidos por lei pela cidade, como o Pacaembu e o Alto de Pinheiros.
Até mesmo esses oásis urbanos, porém, têm seus microclimas afetados pelo adensamento construtivo nas suas bordas, segundo Buzzar.
O professor de urbanismo da USP aponta para as pequenas manchas alaranjadas no mapa onde ficam esses bairros para provar o que diz.
"São Paulo é um arquipélago de ilhas de calor onde estão esses grandes edifícios, que foram liberados em maior proporção na revisão do Plano Diretor", afirma.
METODOLOGIA
A Folha de S.Paulo coletou dados dos satélites Landsat 8 e Landsat 9 da Nasa. Selecionou imagens com menos de 10% de cobertura de nuvens sobre São Paulo, resultando em 32 mapas. As imagens foram capturadas de 26 de abril a 25 de junho (embora o período anteceda a onda de calor, evidencia padrões que extrapolam esse evento).
A radiação detectada pela banda 10 dos satélites foi convertida para a escala de temperatura Kelvin, conforme as diretrizes da USGS (sigla para Serviço Geológico dos Estados Unidos), e depois para graus Celsius.
A reportagem removeu parte das imagens que representavam água ou nuvens, focando só nas superfícies terrestres. Depois, padronizou a resolução e o alinhamento das imagens para possibilitar comparações exatas entre as mesmas regiões em diferentes datas.
Para cada data, a Folha de S.Paulo calculou a mediana da temperatura desses pontos, criando uma temperatura de referência para cada dia. Para cada ponto e em cada data, determinou o desvio da temperatura em relação à temperatura de referência do dia, e então calculou a mediana desses desvios para obter um valor representativo por ponto.
A renda dos distritos foi obtida pelo Censo de 2010, pois as informações de rendimento da população pelo Censo de 2022 ainda não estão disponíveis.
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