BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O governo Lula (PT) editou uma MP (medida provisória) que cria um fundo privado de financiamento de bolsas para incentivar estudantes pobres a permanecerem no ensino médio.

O fundo receberá até R$ 20 bilhões da União, em recursos do Orçamento ou ações de empresas estatais. No futuro, os leilões do pré-sal também poderão exigir das empresas aportes adicionais no fundo como contrapartida social.

A MP foi publicada nesta terça-feira (28) em edição extra do Diário Oficial da União.

O plano do governo é, a partir do próximo ano, pagar uma bolsa para que jovens pobres não abandonem a escola. Os alunos poderão receber uma quantia a cada mês e ainda retirar uma parcela, que ficará em uma poupança, ao fim do ano letivo.

O programa será voltado a jovens de famílias inscritas no Cadastro Único, porta de entrada para programas sociais, e dará prioridade a famílias com renda per capita de até R$ 218,00.

Por ser um fundo ser privado, a utilização dos recursos ficaria fora das regras fiscais após os aportes da União. Mas restam dúvidas sobre como os repasses serão classificados dentro das normas do novo arcabouço fiscal.

A injeção de recursos por meio de ações de empresas estatais, por exemplo, ficaria fora do limite de gastos e também da contabilidade do resultado primário, uma vez que se trata de despesa financeira.

O expediente já foi usado no fim do segundo mandato de Lula e durante o governo Dilma Rousseff (PT), quando ações de Petrobras, Eletrobras e bancos públicos foram usadas para capitalizar o fundo garantidor do Fies -que depois precisou de novos aportes para fazer frente ao aumento da inadimplência dos financiamentos estudantis. Em relatório de 2015, a administração do fundo apontou a baixa liquidez de algumas ações como um entrave à honra de eventuais compromissos.

A criação do programa de incentivo à permanência no ensino médio já havia sido anunciada, mas integrantes do governo, como o ministro da Educação, Camilo Santana, indicaram haver indefinições sobre tocá-lo por projeto de lei ou MP. Também não havia decisão final sobre a composição de um fundo específico para isso.

Detalhes sobre valores de bolsas, formas de pagamento e operacionalização do programa serão estipulados em outro texto legal, a ser editado pelos ministérios da Educação e da Fazenda. Haverá contrapartidas para os beneficiários, como frequência, aprovação e participação em exames, como o Saeb (avaliação federal da educação básica) e o Enem, no caso de alunos do 3º ano.

O volume do aporte da União para 2024 ainda será definido. Isso passa por negociação interna no governo.

"Para fins de avaliação do impacto orçamentário, é importante ressaltar que a definição de valores da poupança por aluno e o alcance da proposta em termos de público está condicionada à integralização de cotas, sendo limitado ao teto de R$ 20 bilhões, no caso da União", diz manifestação de motivos, obtida pela reportagem.

"Estando a integralização de cotas pela União condicionada à disponibilidade orçamentária no referido fundo privado, a medida provisória determina que valores, formas de pagamento e critérios de operacionalização e utilização da poupança serão definidos posteriormente em ato dos ministros de Estado da Educação e da Fazenda."

Trata-se da criação de um fundo privado da Caixa Econômica Federal com participação da União e de outros cotistas, pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado. Ainda há previsão de que estados e municípios possam fazer aportes.

Os aportes da "comercialização de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos da União" serão vinculados a recursos de leilões que ingressem a partir de 2025.

É previsto, segundo documentos obtidos pela reportagem, que a integralização de cotas pela União será autorizada em ato do Ministro de Estado da Fazenda e poderá ser realizada por meio de: ações de sociedades em que tenha participação minoritária, ações de sociedades de economia mista federais excedentes ao necessário para manutenção de seu controle acionário ou aporte direto da União, conforme previsto na Lei Orçamentária Anual.

O ensino médio representa um dos maiores gargalos da educação brasileira. A evasão é concentrada entre os mais pobres, e pesquisas apontam que muitos jovens saem da escola para trabalhar. A taxa de evasão é de 8,8% no primeiro ano do ensino médio, segundo dados oficiais.

O MEC já anunciou iniciativas voltadas à alfabetização e à expansão de escolas de tempo integral. Nos dois casos, o governo patina em levar o dinheiro para as redes de ensino e escolas -nenhum centavo dos R$ 1 bilhão previstos neste ano para um novo programa de alfabetização havia sido empenhado até meados de novembro, como a Folha de S.Paulo mostrou.

A criação de um programa federal de bolsas no ensino médio foi um compromisso assumido com a então candidata ao Palácio do Planalto, Simone Tebet. Antes de anunciar o apoio a Lula, ela pôs como condição a incorporação dessa promessa ao programa de governo petista. Hoje Tebet é ministra do Planejamento. Já há iniciativas de sucesso em alguns estados, como Alagoas.

Uma medida provisória passa a valer assim que editada, mas precisa ser apreciada pelo Congresso Nacional. O objetivo de iniciar o programa já em 2024 é colocado como argumento de urgência para o ato, o que é um dos critérios para a edição de uma medida provisória.

Na semana passada, integrantes do governo já haviam admitido bancar um programa de incentivo à permanência de alunos no ensino médio fora do limite atual de despesas, uma vez que o remanejamento de recursos no Orçamento é considerado algo não trivial. O Executivo convive neste momento com um bloqueio de R$ 5 bilhões nas despesas para, justamente, evitar o estouro do limite de gastos de 2023.

Como mostrou a Folha de S.Paulo, o governo tentou uma manobra no Congresso para livrar um aporte ainda em 2023 do limite de gastos vigente neste ano, mas esbarrou nas resistências da oposição. Garantir o repasse ainda este ano piora a fotografia das contas públicas em 2023, mas tem como vantagem evitar novas pioras nos próximos anos.


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