SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Aos 34 anos, a professora de francês Jennifer Besse ainda se lembra de frases que ouvida na infância: "não toma do copo dela", "ela é doente". Jennifer havia contraído o vírus HIV quando nasceu, durante o parto, e, aos sete anos, ficou órfã. A mãe morreu aos 32 anos de Aids.
Jennifer só soube da sua condição de soropositiva aos 13 anos, quando o pai lhe contou sobre a doença. Por muito tempo, ela diz que sentiu raiva da mãe. "Eu achava que era culpa da minha mãe. Até que a gente cresce e entende que não existe culpa."
Entre 19 e 22 anos, ela diz que "foi por água abaixo". "Eu vivia todos os dias como se fossem os últimos. Não que eu não faça isso hoje. Mas hoje eu faço com mais consciência, tomo os meus remédios, eu quero viver."
Dos 8 aos 14 anos, Gugãa Taylor, 28, tomava os antirretrovirais achando que era remédio para gastrite e sinusite. "Na minha memória da infância, tenho a imagem de minha mãe ou minha tia fazendo sinais para o médico para não contar sobre o HIV."
Ela só soube do diagnóstico no fim do ensino fundamental de uma forma dramática. "Chegou uma professora de educação física e me disse que eu não poderia mais fazer as aulas porque eu tinha HIV, ia cair, me cortar e contaminar outras pessoas. Ali, na quadra, eu comecei a me sentir diferente e passei a ver o mundo como uma guerra."
Gugãa conta que só tomava a medicação forçada porque pensava: por que eu vou tomar medicação se eu vou morrer?". Ao fazer 18 anos, a tia disse que ela tinha que tomar os remédios por conta própria. "Fiquei dois anos sem tomar. Adoeci, fiquei internada. Só aí entendi a importância da adesão ao tratamento clínico."
As histórias de Jennifer e de Gugãa estão na websérie "HIV 40 anos - Aids e Suas Histórias", produzida pela Agência de Notícias da Aids, dirigida pela jornalista Roseli Tardelli.
São seis episódios que revivem o desafio da transmissão vertical do HIV no Brasil a partir de depoimentos de pessoas que estiveram na linha de frente contra a Aids
A transmissão vertical ocorre a partir da mãe para o bebê no útero, no parto ou na amamentação. Atualmente, esse risco pode ser praticamente eliminado com o uso correto e oportuno dos antirretrovirais.
O primeiro episódio, um compilado de toda a série, será lançado nesta sexta (1º), Dia Mundial de Luta contra a Aids, no CineSesc, às 19h30, em São Paulo. A retirada dos ingressos acontece a partir das 18h30.
Em seguida, o vídeo será disponibilizado na TV Sesc, nas redes sociais do Sesc São Paulo e nas redes sociais da Agência Aids. Novos episódios estarão disponíveis a cada 20 dias.
São histórias de superação e força. Momentos de apreensão, revolta e de enxergar novos significados para a vida. Um a um, os personagens relatam como descobriram o diagnóstico, os desafios de viver com HIV na infância, adolescência e juventude e a luta diária contra o estigma e o preconceito.
Há relatos também de profissionais da saúde, como o da infectologista Marinella Della Negra, responsável pelo atendimento de crianças vivendo com HIV no Emílio Ribas, e de Maria Cristina Abbate, que está a frente da coordenadoria municipal de IST/Aids de São Paulo.
"Essa [transmissão vertical] é única via de transmissão que depende mais do sistema de saúde do que o comportamento das pessoas. Na UBS, a pessoa precisa ter um pré-natal de qualidade, tem que fazer exames, se a pessoa falta, precisa fazer notificação, ir atrás, saber por que faltou", diz Abbate.
A técnica de enfermagem Marília Nascimento, 30, teve o diagnóstico do HIV aos 4 anos de idade. Não conheceu nem o pai e nem a mãe e viveu a infância e adolescência em uma casa de apoio a crianças soropositivas.
Hoje, mãe de um menino, ela diz que não teve medo de transmitir o vírus para o filho durante a gestão ou no parto porque foi muito bem orientada pela obstetra. "No dia do parto, tomei a medicação na veia duas horas antes dele nascer."
Marília afirma que o único momento que a entristeceu foi na hora de amamentar a criança. "Tive que tomar medicação para secar o leite, enfaixar [os peitos], dá uma tristeza. Mas o importante que é que ele nasceu muito saudável."
Segundo o Ministério da Saúde, mais de 1 milhão de pessoas vivem com HIV no país e, na população infantil, a transmissão vertical foi a principal via para a infecção. Ela é responsável por 90% dos casos notificados em menores de 13 anos. São Paulo foi a primeira metrópole da América Latina a eliminar a transmissão vertical pelo HIV.
Também nesta sexta, o Movimento Nacional de Cidadãs Positivas (MNCP), formado por mulheres que vivem com HIV/Aids, está lançando a campanha "Nunca Mais", com a missão de promover ações para o fortalecimento de políticas públicas e luta contra o estigma, o preconceito e a discriminação e o abandono.
"A resposta à Aids é um problema político muito maior do que uma questão biológica. A epidemia trouxe à tona e continua a trazer o que há de pior numa sociedade: a negação do outro, do estigma e de todas as formas possíveis de discriminação", diz um trecho do manifesto.
_Cine Sesc: Rua Augusta, 2.075, São Paulo_
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