BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Integrantes do governo esperam que o STF (Supremo Tribunal Federal) derrube a decisão do Congresso Nacional que reverteu o veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao projeto do marco temporal para demarcação de terras indígenas, nesta quinta-feira (14).

A estratégia jurídica para isso, porém, ainda está em análise pelo Palácio do Planalto, que pode abrir mão de recorrer e contar com a ação de algum partido político, como o PT.

Já a bancada ruralista já prevê, desde o Senado aprovou o projeto de lei, em setembro, que haveria uma briga jurídica sobre o tema e traça, há meses, a estratégia para sair vitoriosa.

A tese do marco temporal determina que devem ser demarcados os territórios considerando a ocupação indígena em 1988, na data da promulgação da Constituição. Ela é defendida por ruralistas, que afirma que o critério serviria para resolver disputas por terra e dar segurança jurídica e econômica para indígenas e proprietários.

Indígenas, ONGs e ativistas criticam a tese. Para eles, o direito dos indígenas às terras é anterior ao Estado brasileiro e, portanto, não pode estar restrito a um ponto temporal.

Após a derrubada do veto no Congresso, a ministra Sonia Guajajara (Povos Indígenas) anunciou que entraria, junto com a AGU (Advocacia Geral da União), com uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) no Supremo, contra a decisão dos parlamentares.

Aliados de Lula temem, no entanto, que ele sofra desgastes políticos caso a própria AGU recorra ao Supremo, porque poderia significar uma afronta do próprio presidente ao Congresso e à bancada ruralista, a mais poderosa das Casas atualmente. A AGU ainda não foi provocada pelo Ministério dos Povos Indígenas para questionar a derrubada do veto e avaliará o caso se for acionada.

Integrantes da área jurídica e política do governo avaliam que o STF deve anular a decisão dos parlamentares, independentemente de quem questione o Supremo.

Essa constatação se deve ao fato de que o STF já decidiu contra a tese de um marco temporal para a demarcação das terras indígenas.

Por essa razão, avaliam que não seria necessário deixar a digital do governo, mas seria possível esperar que algum partido político ou até mesmo a PGR (Procuradoria-Geral da República) tomar a frente no caso.

O PT, por exemplo, já decidiu ingressar com uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade).

"Vamos enfrentar esta tese assassina e inconstitucional até o fim. Não é possível que o Congresso Nacional, à revelia das leis e da própria humanidade, admita o etnocídio que o marco temporal representa", afirmou Nilto Tatto (PT-SP), que também é coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista.

A ação, no entanto, pode unir também outros partidos de esquerda, como Rede, Psol e PSB, por meio da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil).

A entidade já prepara, há semanas, uma ADI para protocolar no Supremo Tribunal Federal contra o marco temporal. Também solicita que o relator do processo seja o ministro Edson Fachin, o mesmo que relatou o julgamento que derrubou a tese.

No entanto, por lei, partidos podem usar tal instrumento no STF, mas organizações da sociedade civil, não. Por isso, a Apib precisa de apoio das siglas para a movimentação.

A aliança é comum. Foi assim que nasceu, por exemplo, a ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 709.

Foi no âmbito desse processo que o ministro Luís Roberto Barroso determinou que o então governo de Jair Bolsonaro (PL) tomasse providências para expulsar os garimpeiros da Terra Indígena Yanomami.

A antiga gestão, no entanto, não o fez. A operação começou apenas em janeiro, no início do governo Lula.

Agora, a Apib espera que a derrubada dos vetos seja promulgada para que possa acionar o Supremo contra ela. Enquanto isso, junto com outras sete instituições indígenas (Apoinme, ArpinSudeste, ArpinSul, Aty Guasu, Conselho Terena, Coaib e Comissão Guarani Yvyrupa), solicitou uma audiência no tribunal para tratar da lei do marco temporal.

"A Apib ressalta que as atitudes do Congresso Nacional são resultados da ligação direta de políticos brasileiros à invasão de terras indígenas", disse a entidade, em nota.

"Representantes do Congresso e do Executivo possuem cerca de 96 mil hectares de terras sobrepostas às terras indígenas. Além disso, muitos deles foram financiados por fazendeiros invasores de TIs, que doaram R$ 3,6 milhões para a campanha eleitoral de ruralistas. Esse grupo de invasores bancou 29 campanhas políticas em 2022, totalizando R$ 5.313.843,44", completa o texto, citando um estudo feito pela própria organização.

Paralelamente a isso, a bancada ruralista já se prepara para a briga jurídica e traça novas estratégias dentro do Congresso Nacional para vencer a disputa.

A principal estratégia são duas PECs (Proposta de Emenda à Constituição) que já estão em tramitação. Uma delas institui a indenização a proprietários rurais por áreas privadas transformadas em terras indígenas.

O projeto é antigo, de 2015, e estava estagnado na Câmara. Mas em novembro, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), em sinalização à bancada ruralista, decidiu voltar a dar andamento ao tema, criando a comissão especial para debater seu texto -etapa obrigatória da tramitação.

Em outra frente, a bancada ruralista conseguiu reunir assinaturas e protocolou uma PEC, desta vez no Senado, para instituir o marco temporal na Constituição.

Atualmente o texto está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que é presidida por Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), que pretende se a lançar à presidência da Casa e é aliado do atual mandatário, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). A relatoria é de Esperidião Amin (PP-SC).

O argumento da bancada ruralista é de que o Supremo precisa seguir a Constituição em suas decisões. Portanto, se com o atual texto da carta magna a corte entende que o marco não é válido, caso o documento passe a prever tal tese, os ministros deverão seguí-la em suas interpretações.

O Congresso Nacional derrubou o veto na quinta-feira em uma vitória do grupo do agro.

Após a decisão, o presidente da bancada ruralista, Pedro Lupion (PP-PR), ressaltou que o placar a favor do marco temporal seria suficiente para aprovar uma PEC.

"Não tenho dúvidas de que haverá questionamentos [na Justiça], mas temos força para colocar isso na Constituição e encerrar essa discussão. Isso foi o mais importante da votação de hoje", disse Lupion.

Agora, o texto segue para promulgação de Lula. Caso o mandatário não o faça em até 48 horas, a tarefa fica para o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), e vira lei. O caminho mais provável, no entanto, é a judicialização.


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