RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - O armário, a cama e os colchões da casa de Marlene Ribeiro, 64, e Gilson Alves, 65, eram relativamente novos: foram comprados há três anos, de afogadilho, após uma enxurrada estragar os móveis da família nas chuvas em 2021.

O drama se repetiu nas primeiras semanas de 2024. A família voltou a ter a casa inundada e perdeu parte dos móveis após os temporais que nos últimos dias inundaram o bairro de Heliópolis, em Belford Roxo, na Baixada Fluminense.

O temporal que atingiu o estado do Rio de Janeiro neste fim de semana deixou um rastro de destruição, famílias fora de suas casas e ao menos 12 pessoas mortas e 2 desaparecidas.

Marlene e Gilson estavam em viagem quando receberam um telefonema do filho na noite do último sábado (13), quando a chuva inundava as ruas do bairro. Do outro da linha, desesperado, ele perguntava aos pais onde estava a chave reserva. Entrou e salvou o que foi possível.

"Perdi quase tudo. Ele conseguiu suspender a televisão, o sofá e algumas roupas", diz Marlene. A perda do armário, da cama e dos colchões, comprados após a última chuva que inutilizou os móveis antigos, foi especialmente dolorosa.

A Baixada Fluminense foi a região mais atingida pelas consequências da chuva do último sábado (13). Das 12 mortes confirmadas, nove foram na região.

Em Heliópolis, moradores estão sem fornecimento de água. Com a água emprestada de um vizinho, Maria da Conceição Estefanelo, 83, passou o domingo e a segunda-feira limpando o imóvel, que inundou na altura dos seus ombros.

No Lote 15, em Belford Roxo, a chuva levou os materiais da obra de Reginaldo Santos. A reforma era para suspender o piso e os móveis da casa, já que os alagamentos são constantes.

"Já troquei portas de madeira por vidro, a cama é de ferro e os móveis são de material resistente. Tudo para evitar perdê-los. Por sorte, moro em uma parte da rua mais alta e não perdi tudo."

O município mais afetado foi Duque de Caxias. No bairro do Pilar, contornado pelo rio Iguaçu, as ruas permanecem inundadas 40 horas depois do temporal.

Moradores estão ilhados e são resgatados por botes do Corpo de Bombeiros. Voluntários entram no alagamento para distribuir água e comida aos que não conseguem sair de casa.

Leacir Martins, 66, saiu de casa com a roupa do corpo durante o temporal e ainda não conseguiu voltar. Perdeu colchões, cama, ventiladores, guarda-roupas e documentos.

"Além do prejuízo financeiro, há o prejuízo emocional. Perdi objetos e documentos como a certidão de casamento. Vou sair desse bairro. Se vier outra enchente dessa, com a idade que estou, morro afogada."

No bairro do Pilar fica o canal do Outeiro, que encaminha o curso da água do rio Iguaçu para a baía de Guanabara. Mas das cinco bombas instaladas no local, três não funcionam.

O Inea (Instituto Estadual do Ambiente) afirmou em nota que ligou as duas bombas para drenar a água da região do Lote 15, mas as desligou porque não deram vazão, já que o nível da baía de Guanabara, para onde a água escoa, também está alto.

Alexandro de Amil, 47, acordou às 7 horas da manhã de domingo com a casa inundada. Conseguiu levantar os móveis e eletrodomésticos, mas perdeu a lavadora.

"Moro há 22 anos aqui e é a segunda vez que passo por isso. Em 2009, perdi tudo. Temos quatro vereadores locais e um deputado estadual [que representam o bairro]. Eles só dão atenção em época de eleição", reclama.

O bairro Amapá, em Duque de Caxias, já no limite com o município de Belford Roxo, também foi fortemente afetado. Uma estrada foi encoberta pela água e separou o bairro em duas partes. O trecho alagado só pode ser acessado por botes.

Moradores de Amapá estranharam o fluxo da enchente. Eles afirmam que a chuva de sábado (13) criou bolsões d'água nas ruas, mas não entrou nos imóveis. O alagamento só ocorreu no domingo, quando já não chovia.

Moradores atribuem a inundação às bombas ligadas por técnicos do estado para drenar o Lote 15, em Belford Roxo. Eles dizem que o lado de Duque de Caxias encheu depois do acionamento da bomba.

O Inea afirma em nota que não houve rompimento de dique e que nenhuma comporta foi aberta. "Pelo nível da água, a mesmas passou por cima das comportas."

O governo do estado, comandado por Cláudio Castro (PL), informou que uma licitação de R$ 37 milhões está em homologação para obras na região, como a construção de uma casa de bombas.

A gestão afirma aguardar investimentos do governo federal, via PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) para recuperação total da área, e afirma que, pelas características do local, a ocupação humana não é recomendada.

"As intervenções beneficiarão a região abrangida pelos municípios de Belford Roxo e Duque de Caxias, mas não irão mitigar o problema sozinhas", diz o Inea.

O município de Duque de Caxias informou que enviou oito máquinas para o bairro Amapá e cinco para São Bento para tentar acelerar o escoamento da água nessas regiões que sofrem com alagamentos.

Apesar dos esforços, o socorro não chegou para todos os moradores, que tiveram que contar com a solidariedade de vizinhos.

Por volta das 9h30 desta segunda, imagens feitas pelo helicóptero da TV Globo flagraram um homem com uma charrete resgatando uma idosa acamada que estava em uma casa inundada. Algumas pessoas subiram nos telhados e acenavam para os helicópteros, pedindo ajuda. Outras usavam barcos e caiaques para circular pelo bairro.

Desde domingo, cidades da região metropolitana do Rio sofrem o efeito das tempestades. O volume de chuva chegou a quase 300 milímetros em todo estado. O governo estima que de 500 a 600 famílias estejam desabrigadas ou desalojadas por causa do temporal.

GOVERNADOR INTERROMPE FÉRIAS

O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), interrompeu suas férias em Orlando, nos Estados Unidos, e retornou ao Brasil após as chuvas. Em entrevista nesta segunda-feira (15), pregou união entre os governos municipais, estadual e federal no combate às chuvas.

"Não existe chuva do presidente, chuva do governador, chuva do prefeito. A chuva é uma só, nós temos que trabalhar juntos", disse Castro.

Na sequência, ele disse que iria cobrar do governo Lula (PT) uma solução para a rodovia BR-040, que ficou alagada após o temporal do fim de semana. Também afirmou que vai procurar o presidente Lula para pedir urgência às obras do Rio Botas, um dos mais afetados pelas chuvas.

O governo afirmou que vai dar um auxílio de R$ 3.000 para as famílias atingidas pelas chuvas. O subsídio será pago através do Cartão Recomeçar, destinado a famílias de baixa renda. A estimativa é que 30 mil famílias recebam o auxílio.


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