SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Quase um ano após os temporais que devastaram a Barra do Sahy, no litoral norte de São Paulo, e pouco antes das novas chuvas que fizeram a prefeitura acionar sirenes, uma cena simbolizou espécie de recomeço para o município. Sob céu ensolarado de janeiro, um drone levantou voo da praia e despejou sementes de árvores nativas em 1 dos 851 deslizamentos de terra da serra do Mar.

É o começo do projeto que pretende restaurar parte dos 200 hectares de mata atlântica devastados pelas chuvas que ceifaram a vida de 64 pessoas em fevereiro de 2023.

"Foi uma tragédia humana e ambiental", diz Fernanda Carbonelli, diretora-executiva do Instituto Conservação Costeira (ICC), dedicado à preservação ambiental na região. "Tivemos dimensão do estrago seis meses depois e, agora, a esperança se renova com essas sementes."

A advogada estava na linha de frente do Instituto Verdescola, ONG que se tornou base para resgate de vítimas na noite da catástrofe na Vila Sahy.

No ICC, Fernanda articulou o projeto em parceria com a Fundação Florestal de São Paulo, que abriu chamamento público em março para mitigar os impactos da tragédia. Uniram-se a eles a Atlântica Consultoria Ambiental e a Ambipar Group, que fizeram diagnósticos e testes durante o ano.

A iniciativa pioneira usa drones elétricos, inteligência artificial e cápsulas biodegradáveis para reflorestar áreas de difícil acesso e alta declividade na costa sul de São Sebastião, onde estão Baleia, Barra do Sahy, Boiçucanga, Juquehy, Jureia, Toque-Toque e ilhas.

É uma união entre humanos e máquinas em prol do meio ambiente. "A equipe se posiciona bem próxima ao deslizamento, em uma cabana com transmissão a rádio e monitores", afirma Gabriel Estevam, diretor de inovações da Ambipar que acompanhou a largada inicial nesta semana em São Sebastião.

O plantio é acompanhado por um software de inteligência artificial que mapeia as altitudes do terreno, mede a temperatura do solo e estabelece um plano de voo com os pontos exatos de semeadura.

"Não é simplesmente você pegar um drone e jogar as sementes", afirma Estevam.

A empresa de gestão ambiental desenvolveu a biocápsula com sobras de colágeno de indústrias farmacêuticas. Processada em laboratório, ela recebe um mix de sementes de árvores --muitas de cooperativas caiçaras-- e adubo orgânico feito com resíduo da indústria de papel e celulose.

Um invólucro a protege contra insetos e, ao entrar em contato com água, a biocápsula se dissolve e libera um gel nutritivo que favorece a germinação.

"Em um vôo, o drone consegue semear 20 mil sementes em um hectare", diz Gabriel Estevam. "Sempre há perdas, natureza é isso, mas plantamos perto da janela de chuva e acredito que, em quatro ou cinco meses, já vamos ver a cobertura vegetal."

O projeto prevê mais de 1,2 tonelada de sementes na região a ser restaurada. Quem vem primeiro são as chamadas "espécies pioneiras", plantas arbustivas que conseguem se desenvolver em áreas adversas.

Entre elas, araticum, guapuruvu, embaúba, pau-viola e babosa-branca, espécies da mata atlântica indicadas pela Fundação Florestal de São Paulo, ente responsável pelas unidades de conservação estaduais, para a primeira cobertura do solo.

"O deslizamento de encosta é um fenômeno da serra do Mar, que se regenera naturalmente, mas neste caso, frequente no litoral norte e na Baixada Santista, foi agravado pela ocupação irregular das encostas e pelos efeitos climáticos", diz Rodrigo Levkovicz, diretor-executivo da fundação.

Segundo ele, a iniciativa em São Sebastião levou a uma evolução de entendimento do processo de restauração ambiental, que costuma seguir outra lógica. O uso do drone barateia e dá escala em um contexto de eventos recorrentes de mudanças climáticas.

"O projeto tem uma simbologia importante, a de entrarmos definitivamente no século 21 em termos de restauração ambiental", diz Levkovicz. "Mas o mais importante é a sociedade ver que a vegetação está voltando, é o início de um processo de cura da tragédia que assolou o litoral."

O projeto com duração de três anos tem custo de R$ 3,5 milhões, financiado em grande parte pela Concessionária Tamoios e ainda por pessoas físicas e jurídicas mantenedoras do Instituto Conservação Costeira.

Em nota, a Tamoios diz que o projeto "utiliza os elementos da própria natureza associado a tecnologia de ponta para proteger as encostas e trazer maior segurança para a população de São Sebastião."

A proposta do ICC, caso haja novos recursos, é de estender a iniciativa em mais dois anos para ações de monitoramento.


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