SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Cerca de 40% dos municípios paulistas trocaram de secretários da saúde desde 2021, primeiro ano da atual gestão municipal. No total, foram 406 trocas em 256 municípios. Desses, 15,5% tiveram mais de uma mudança de gestor, sendo que um deles, Pirassununga (SP), chegou a ter oito trocas em três anos.
Os dados são do Conasems-SP (Conselho dos Secretários Municipais de Saúde de São Paulo), que avaliou as trocas no período entre 2021 e 2023. Segundo pesquisadores, as mudanças constantes dos gestores são prejudiciais, especialmente para a atenção primária, porque geram descontinuidade de ações de prevenção e de assistência à saúde.
Pesquisa recente do Ieps (Instituto de Estudos para Políticas de Saúde) mostrou que a mortalidade infantil aumenta em média 6,7% durante o período de transição de governo municipal quando há mudança de gestão.
O estudo concluiu que há efeitos negativos na prestação de serviços de saúde, como redução no número de consultas e demissão de servidores públicos.
Não há pesquisa que indique o impacto direto das trocas de secretários municipais, mas a alta taxa acendeu o alerta do Conasems e de pesquisadores, especialmente neste ano de eleições municipais em que novas mudanças devem acontecer.
"O SUS não é tão simples como parece. Há normas, regras, leis. Se vem um gestor que não tem a mínima experiência, até ele tomar pé da situação são seis, sete meses, aí troca. É uma situação bastante complicada", diz o médico Geraldo Reple Sobrinho, presidente do Conasems-SP e secretário da saúde de São Bernardo do Campo (SP).
O SUS não é tão simples como parece. Há normas, regras, leis. Se vem um gestor que não tem a mínima experiência, até ele tomar pé da situação são seis, sete meses, aí troca. É uma situação bastante complicada
médico, presidente do Conasems-SP e secretário da saúde de São Bernardo do Campo (SP)
Para Rudi Rocha, diretor de pesquisa do Ieps e professor da FGV (Fundação Getulio Vargas), as trocas de gestores de alto escalão na saúde municipal essa é uma das questões mais urgentes a serem enfrentadas na administração pública.
"Manejar sistemas de saúde é tarefa de altíssima complexidade. A rotatividade dessas pessoas pode levar, por exemplo, à interrupção de programas essenciais, como é o caso de serviços de pré-natal e vacinação."
No ano de 2021, houve uma taxa de troca de 20% nos municípios, coincidindo com o primeiro ano de gestão municipal e o ápice da pandemia. No ano seguinte, o índice pulou para 35%. No ano passado, ficou em 12%.
"Com o ano eleitoral em vista, é crucial que a saúde pública seja uma prioridade nas discussões políticas, dada a certeza do impacto que a instabilidade na gestão municipal pode ter sobre o sistema de saúde como um todo", reforça Reple Sobrinho.
Na sua opinião, o problema não é apenas a troca do secretário municipal, mas quando isso se estende a toda equipe técnica. "O gestor inteligente que assume [a secretaria], tem que deixar o segundo e terceiro escalão pelo menos um período com a equipe anterior até ele tomar pé. Mas a gente sabe que muitas vezes ele entra e troca todo mundo. Aí tem muito impacto negativo."
Na avaliação de Rudi Rocha, da FGV, é muito importante que os municípios tenham um corpo de servidores/as experientes e estáveis para garantir a continuidade dos serviços e políticas em momentos de transição. "Infelizmente, isso é bastante difícil em municípios menores e sem recursos adequados."
Juliana Ramalho, gerente de projetos e saúde pública da Impulso Gov, organização sem fins lucrativos que atua fomentando uso de dados e tecnologia na gestão pública, conta que projetos voltados a fortalecer a atenção primária já ficaram paralisados ou atrasados por falta de repasse de informações essenciais pela gestão anterior.
Um desafio adicional gerado pelo processo eleitoral e pela troca de secretários é a substituição da pessoa responsável pela gestão da atenção primária. "Para nossos projetos, isso implica na necessidade de reapresentar os objetivos, resultados anteriores e demonstrar os impactos positivos gerados na vida dos usuários atendidos pelo SUS."
Para Rudi Rocha, seria saudável haver instâncias de monitoramento e avaliação, como é o caso de tribunais municipais, câmaras de vereadores e organizações da sociedade civil. "Caberia a essas instituições acompanhar, questionar e fiscalizar transições políticas."
Reple Sobrinho diz que os conselhos de secretários da saúde oferecem assessoria técnica nessas transições, mas nem sempre a ajuda é aceita. "A gente sabe que tem gestor fazendo um monte de coisas erradas e que não pede ajuda."
O médico Adriano Massuda, professor e pesquisador da FGV, diz que esse é um problema estrutural do SUS. "Temos uma alta rotatividade dos cargos de direção. Com isso, há dificuldade para que políticas de longo prazo sejam implementadas."
Embora em ano eleitoral essas mudanças de gestão sejam esperadas, ele considera ainda mais preocupante as trocas de cargos operacionais. "Qualquer organização fica mal com esse grau de descontinuidade na sua coordenação."
Segundo Massuda, o cargo de secretário municipal da saúde envolve muita tensão e pressão, seja pelas responsabilidades inerentes à gestão pública de saúde seja pela forte pressão dos órgãos de controle, como os Tribunais de Contas e o Ministério Público.
Nos últimos anos, observa o pesquisador, um outro fator pode estar envolvido nessa alta taxa de trocas de gestores municipais da saúde: as emendas parlamentares. "Quanto dessas mudanças não são iniciativas para se colocar no cargo de gestão pessoas que estejam alinhadas a interesse dos parlamentares que destinam seus recursos por meio das emendas?", questiona.
As emendas parlamentares são um instrumento criado pela Constituição de 1988 para aumentar a participação do Legislativo no processo orçamentário. Politicamente, elas são uma forma com que congressistas conseguem enviar dinheiro para suas bases eleitorais e, com isso, ampliar o capital político.
"Esse é um fenômeno novo que vem crescendo assustadoramente e está mexendo na dinâmica municipal. Isso torna a gestão pública de saúde cada vez mais vulnerável ao pior tipo de política, ao clientelismo, e não organizar o sistema de saúde para atender às necessidade da população. Isso fragiliza o sistema de saúde como um todo", afirma Massuda.
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