CURITIBA, PR (FOLHAPRESS) - O motoboy Everton da Silva, 40, o homem negro algemado por policiais após ser agredido por um homem branco com uma faca, na manhã de sábado (17), em Porto Alegre (RS), tem uma rotina de trabalho que começa às 8h e só termina entre 23h30 e meia-noite. Ele é motoboy há 12 anos. Antes, fazia serigrafias em camisetas, atividade que exerceu por dez anos.
"Nós trabalhamos em cima de alguns grupos de WhatsApp. Tem o grupo que faz entrega de comida, tem o grupo que entrega uma chave, um documento, ou vai nos Correios ou vai no banco", relata ele, que trabalha de segunda-feira a sábado.
"É cansativo, mas tenho que sair para trabalhar, pagar as contas. Eu comecei como motoboy porque estava desempregado. Aí eu tinha moto, carteira, e comecei", conta.
Everton é casado, tem uma filha de 18 anos e nasceu em Porto Alegre. Ele disse que nunca havia enfrentado situação parecida com a do último sábado.
Segundo os relatos, ele foi atingido próximo ao pescoço por Sérgio Camargo Kupstaitis, 72, quando estava sentado em frente a um restaurante, no bairro Rio Branco, em um ponto que funciona como uma base para os motoboys. Ele sofreu ferimentos superficiais.
Depois disso, quando policiais chamados para atender a ocorrência já estavam no local, os dois homens começam a discutir na calçada. Um dos policiais tentou interromper o bate-boca e avançou em direção ao motoboy, que na sequência foi algemado com ajuda de outros policiais.
Everton foi levado para a delegacia na mala da viatura, enquanto o suspeito do ataque com a faca seguiu no banco de trás de outro veículo.
Eles foram conduzidos à 2ª Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento. Depois dos depoimentos e perícias, ambos foram liberados. A reportagem não conseguiu contato com Sérgio Camargo Kupstaitis.
O episódio foi gravado por pessoas que acompanhavam a ocorrência e ganhou repercussão nas redes sociais. Nos vídeos, elas apontam racismo e criticam o uso das algemas.
A investigação ainda está em andamento, mas, em nota, a Polícia Civil apontou nesta segunda-feira (19) que, em um primeiro momento, os fatos "se apresentam como lesões corporais recíprocas". Everton teria reagido ao ataque, mas a corporação não detalhou qual teria sido a lesão praticada contra Sérgio.
"Foi uma abordagem ríspida, inadequada, violenta, racial, que tratou um homem branco de uma forma e um homem negro de outra. Não houve discussão com a Brigada Militar. O Everton não falou, não dirigiu nenhuma palavra em relação à conduta deles, nem mesmo quando estava sendo algemado", afirma o advogado Ramiro Goulart, que atua na defesa do motoboy.
A Corregedoria da Brigada Militar também abriu uma sindicância para apurar as circunstâncias da abordagem de policiais, que pertencem ao 9° Batalhão da Brigada Militar.
Na tarde de domingo (18), o Sindimoto (Sindicato dos Motociclistas Profissionais do Rio Grande do Sul) e outras entidades organizaram um ato contra a violência e o racismo.
Os ministros Silvio de Almeida (Direitos Humanos) e Anielle Franco (Igualdade Racial) apontaram o caso como um exemplo do racismo institucional no país e declararam que acompanharão o caso.
O presidente da OAB no Rio Grande do Sul, Leonardo Lamachia, afirmou que há indícios da prática de discriminação racial e que a entidade irá acompanhar a apuração dos fatos na Brigada Militar.
"É visível pelos vídeos tornados públicos a diferença de tratamento ocorrida na abordagem. É preciso que seja esclarecida a razão pela qual apenas um homem negro foi preso e algemado e o outro envolvido não teve o mesmo tratamento", disse ele.
A Defensoria Pública gaúcha também informou que está apurando o caso. Antecipou ainda que vai propor à Brigada Militar um curso de capacitação em relações raciais.
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