SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A técnica de enfermagem Cláudia Michele Teixeira da Silva tinha entrado no serviço público recentemente, em 2016, quando preparava a sala de cirurgia para mais um parto no Hospital Universitário Ana Bezerra, da cidade potiguar de Santa Cruz, a cerca de 100 km de Natal. O pai da criança, ansioso, perguntou se ele poderia fotografar o nascimento da filha.
Cláudia prontamente respondeu que sim, já que aquela era uma ocasião especial. Mas ela logo pensou melhor, disse "não" e pediu o celular do pai emprestado. Nascia ali o projeto Retratando com Afeto, em que a profissional da saúde registra a chegada dos recém-nascidos para as famílias.
"Naquele dia, eu falei para o pai não se preocupar e deixar as fotos comigo, eu as faria. Assim, ele ficaria livre para viver com sua mulher cada momento do parto da sua bebê. Entendi que, dali em diante, aquela seria minha missão, mesmo sem nunca ter feito um curso de fotografia."
Cláudia, 43, oferece outras memórias, como a placenta colorida com guache, pulseiras feitas com miçangas com os nomes dos bebês e até cartinhas contando a alegria daquele dia.
Ela também dá a oportunidade aos pais de vestirem seus filhos pela primeira vez, cortarem o cordão umbilical e realizarem outros gestos que ela considera significativos.
Esse trabalho voluntário é oferecido por ela até hoje no mesmo hospital público, unidade da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e administrado pela Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares). As famílias não pagam pelo serviço.
O projeto foi oficializado há um ano. Só em 2003, foram realizadas 1.136 cesarianas no hospital e, em 200 delas, as crianças foram fotografadas por Cláudia.
A psicóloga Tiffany Pires, 25, viveu essa experiência em dobro em sua família. Ela engravidou de gêmeas e a ansiedade foi tanta que ela não tirou fotos ao longo dos nove meses de gestação. Quando chegou ao hospital para o parto, encontrou Cláudia, que logo fez fotos dela de barrigão, antes do parto.
"Eu não teria nenhuma lembrança da gravidez se não fosse a Cláudia e seu projeto tão fantástico. Ter a chance de guardar um pouquinho desse dia incrível é maravilhoso para qualquer mãe."
Um ano depois, enquanto aguardava a mãe de 45 anos dar à luz seus irmãos gêmeos, Tiffany descobriu que eles também estavam sendo fotografados por Cláudia. "Fiquei muito feliz."
As imagens capturam não apenas o nascimento saudável de um bebê, mas também oferecem suporte emocional em casos de perda
superintendente do Hospital Universitário Ana Bezerra UFRN/Ebserh
A ação de Cláudia, porém, tem um lado triste e doloroso. Ela também retrata bebês que nasceram mortos, ou estão em estado grave ou irreversível. Alguns sobrevivem por horas, outros por alguns dias.
Para ela, esse registro fotográfico também é um gesto de humanização porque os pais não saem do hospital "somente" com a certidão de óbito.
"Todas as vezes que eu levo esses bebês para aquelas mães, eu choro junto. Algumas me disseram que, se não fosse pelas fotos, elas não saberiam como era sua filha ou filho. Os bebês vivem no coração desses pais. É comovente."
A auxiliar de cozinha Maria Márcia Medeiros Alves, 39, descobriu durante o ultrassom do sexto mês de gravidez que seu filho Samuel Benjamin tinha um problema grave de saúde, anencefalia. Ela tinha direito por lei a abortar, mas optou por seguir com a gestação.
Ao chegar ao hospital, Maria conta que foi recebida "com muita sensibilidade" por Cláudia. Nove dias após o parto, seu bebê morreu. Mas ela diz que não saiu de mãos vazias.
"Eu não tive fotos dos meus outros três filhos, mas guardei lindas lembranças com o meu Samuel. Foi reconfortante e ajudou a aliviar o luto. Quando eu olho as fotos, lembro os bons momentos ao lado dele. [Essas imagens] são tudo para mim."
Outra lembrança comovente que a técnica de enfermagem proporciona aos pais em luto são cartas que ela escreve começando com dados do nascimento, como peso e altura. Ela também pede que a mãe e o pai segurem o bebê para sentir "o peso do amor".
"Cada história que elas me contam serve de inspiração, é como psicografar uma carta daquele nenê. São mensagens que transmitem amor, esperança e conforto em meio à dor da perda."
A servidora cita alguns trechos de cartas que escreveu aos pais recentemente, de "seus bebês", que ela diz terem nascido dormindo. Para ela, são legados deixados pelos pequenos.
"Oi, mamãe; oi, papai. Cheguei e tão logo fui embora. Foram 32 semanas que você me carregou na barriguinha. Saiba que todos os dias eu ouvia sua voz, o cantar mais lindo de todas as manhãs. Hoje você não ouviu o meu cantar, pois cheguei e tão logo dormi. Mamãe, as pessoas que estão cuidando de mim, de você e do papai estão fazendo memórias lindas para vocês lembrarem sempre de mim."
A superintendente do Hospital Universitário Ana Bezerra UFRN/Ebserh, Maria Cláudia Costa, afirma que o trabalho do registro fotográfico da técnica de enfermagem é importante para as famílias.
"As imagens capturam não apenas o nascimento saudável de um bebê, mas também oferecem suporte emocional em casos de perda, proporcionando um momento de luto digno e reconfortante."
Maria Cláudia afirma que o projeto será ampliado com a compra de novos equipamentos para garantir a qualidade e uniformidade das imagens a todos os pais. Também participam do projeto 16 alunos de cursos como enfermagem, psicologia e fisioterapia.
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