SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O Paxlovid (junção dos anvirais Nirmatrelvir e Ritonavir), indicado para tratamento da Covid leve em adultos, está subutilizado no país. É o que mostram os números obtidos via LAI (Lei de Acesso à Informação) pela Fiquem Sabendo -organização sem fins lucrativos especializada em transparência pública.
De acordo com os dados levantados, desde 2022 -o medicamento foi incorporado ao SUS (Sistema Único de Saúde) em maio daquele ano-, dos 3,2 milhões adquiridos pelo Ministério da Saúde, 2,7 milhões foram distribuídos aos estados, sendo que 472 mil seguem estocados.
Para Evaldo Stanislau de Araújo, infectologista do Hospital das Clínicas de São Paulo e consultor do Ministério da Saúde para a área de Covid e doenças respiratórias, os médicos que não são especialistas na área e atendem nos prontos-socorros desconhecem que o Paxlovid existe.
Alexandre Naime Barbosa, coordenador científico da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia) e professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Botucatu, no interior do estado, diz que faltam ações sustentadas de educação voltadas aos médicos da linha de frente.
"Se a gente for olhar o cenário nacional, até o dia de hoje, os dados oficiais mostram que tem mais de 2 mil óbitos por Covid só em 2024 -maioria idosos e imunocomprometidas, justamente o público que se beneficia com o uso do Paxlovid. E por que essa prescrição não está sendo feita?", questiona Barbosa.
"Mesmo em grandes capitais, a Sociedade Brasileira de Infectologia flagra situações em que pessoas que se beneficiariam do uso dessa medicação não recebem a prescrição por falta de educação médica continuada. É impressionante o desconhecimento médico sobre a existência do Paxlovid, que reduz em 89% a chance de hospitalização e óbito, se utilizado até o quinto dia de sintomas nessas nessas populações", destaca Barbosa.
A SBI faz ações de educação médica presencial e virtual. Dois cursos online já foram feitos por profissionais de cinco capitais brasileiras. "Maiores esforços devem ser feitos em nível municipal, estadual e federal, para que os médicos da linha de frente tenham e utilizem esse conhecimento", reforça Alexandre Naime Barbosa.
Para o infectologista Evaldo Stanislau, há outros aspectos que também merecem ser levados em consideração, como a burocracia e o prazo de utilização do antiviral.
"O Paxlovid deve ser utilizado até o quinto dia do início dos sintomas. Após isso, a eficácia diminui bastante. Com isso, muita gente acaba perdendo a janela de oportunidade", explica Araújo.
O medicamento está disponível no SUS gratuitamente para todas as pessoas com 65 anos ou mais, imunocomprometidos com idade igual ou superior 18 anos, com sintomas leves a moderados, que não requerem oxigênio suplementar, independentemente do status vacinal. O remédio reduz as chances de internação e morte pela doença.
Em março, o Ministério da Saúde simplificou o processo de dispensação do Paxlovid. Agora a prescrição do medicamento deverá ser realizada em receituário comum, em duas vias assinadas pelo médico. Antes era um formulário cheio de perguntas que representava um obstáculo ao paciente.
A orientação do governo federal é que o laudo de exame positivo ou a ficha de notificação do caso de Covid no e-SUS não devem ser exigidos pelo farmacêutico para dispensação.
O tratamento com o Paxlovid consiste em dois comprimidos do Nirmatrelvir e um do Ritonavir a cada 12 horas, por cinco dias consecutivos.
"Resta o problema do conhecimento. Há uma série de ações de educação médica continuada que precisam ser tomadas. A Covid não vai desaparecer e o antiviral continuará sendo útil para as pessoas que têm a indicação de utilizá-lo", afirma Araújo.
"E o terceiro componente, que é o início até o quinto dos sintomas, também precisa ser resolvido, facilitando o acesso ao diagnóstico, inclusive para diminuir a iniquidade", diz Araújo.
"Muitas vezes, quem passa pelo SUS, quando consegue fazer um exame, já perdeu a janela. Já uma pessoa do sistema privado chega com todos os exames prontos. Isso gera uma iniquidade. Todo mundo tem direito, todo mundo é cidadão, mas a gente precisa fortalecer a oferta de diagnóstico para que ninguém perca essa janela de oportunidade de tratar, uma vez que esse medicamento modifica a história natural da doença, evitando morte e internação", finaliza o especialista.
Procurado, o Ministério da Saúde esclarece que, do total de 100 mil tratamentos do antiviral nirmatrelvir e ritonavir adquiridos pela pasta, cerca de 3.000 aguardam distribuição. Vale ressaltar que são dois medicamentos antivirais utilizados em conjunto, sob prescrição médica. A distribuição é realizada mediante solicitação dos estados.
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