Como falar de morte com os filhos

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Como falar de morte com os filhos? Especialista afirma que a crian?a n?o deve ser
poupada quando assunto ? a morte

*Guilherme Ar?as
Colabora??o
17/07/2007

Bater as botas, partir, falecer, ir para o andar de cima. Eufemismos n?o faltam para substituir a palavra "morte". T?o comum em nosso dia-a-dia, ? um dos assuntos mais evitados entre as conversas. Falar de morte, muitas vezes, pode ser uma quest?o delicada. Mas como falar desse assunto com as crian?as? Como dizer a elas que um parente pr?ximo morreu?

Transpar?ncia. Essa ? a palavra-chave para que as crian?as tomem contato com a morte, afirma a psic?loga Sandra Cristina Vieira (foto ao lado e v?deo). "Antes de falarmos em como comunicar a morte de uma pessoa para uma crian?a, devemos pensar em como n?s encaramos a morte. Na sociedade ocidental, a morte ? vista como uma coisa misteriosa, dolorosa e angustiaste, da qual n?o devemos falar. Por isso muitas vezes n?o usamos a palavra "morte", e sim, outras express?es para nos referirmos a ela", afirma.

Ainda segundo a psic?loga, nos hospitais, por exemplo, os m?dicos, enfermeiros e funcion?rios, mesmo acostumados a lidar com a morte, utilizam express?es do tipo "o leito fechou" para se referirem a um paciente que morreu. "Isso ? uma caracter?stica ocidental. Na ?ndia, por exemplo, a morte ? considerada um fato bom, pois acredita-se que o morto passa para um lugar melhor".

Essa vis?o tamb?m ? compartilhada por algumas religi?es ocidentais, como o Espiritismo. A cren?a de que a vida ? eterna e o corpo ? passageiro pode facilitar o entendimento da morte. Mas, segundo a psic?loga, cada religi?o deve se adequar a tratar a morte de acordo com a cren?a que possui. "Ter um amparo religioso ? importante para que os pais expliquem, dentro da l?gica da sua religi?o, a quest?o da morte para os filhos", orienta Sandra.

Os equ?vocos

Uma das atitudes mais comuns nos casos de an?ncio de morte ? quando os pais falam que a pessoa partiu ou virou uma estrelinha. Segundo Sandra, as crian?as come?am a fantasiar e acabam gerando uma ang?stia. "Por que eu n?o vou mais ver aquela pessoa?", "Se ela virou uma estrelinha e foi para o c?u, por que eu n?o posso ir tamb?m?" ou "Se o c?u ? um lugar bonito, porque as pessoas choram quando as outras v?o para l??".

V?rios questionamentos surgem na cabe?a das crian?as, mas as respostas n?o v?m. Junto com a ang?stia, aumenta a ansiedade, que pode se transformar em depress?o. "Se todo o processo n?o for bem explicado para as crian?as, elas podem gerar fobias que podem as acompanhar por toda a vida", assegura a psic?loga.

Poss?veis sintomas nas crian?as devido ? morte n?o falada:

  • Ang?stia;
  • Ansiedade;
  • Fobias;
  • Excesso ou falta de sono - excesso pois a crian?a quer evitar aquela situa??o, e falta de sono para ficar em vig?lia para saber o que pode acontecer dali em diante;
  • Desinteresse pela escola - com os sintomas acima, a escola vira uma coisa secund?ria;
  • Inseguran?a - os pais mentiram em rela??o ao que aconteceu; falaram uma coisa, mas aconteceu outra.

Alguns desses sintomas foram percebidos na filha da professora Maria do Ros?rio de Novaes Falc?o (foto abaixo). H? cinco anos, o marido de Maria do Ros?rio sofreu um acidente ao cair de um cavalo. Depois de alguns dias internado, ele acabou morrendo.

A filha mais nova, com quatro anos, na ?poca do acidente, foi quem mais sentiu a aus?ncia do pai. A professora achou que era melhor poupar a filha de ver o corpo do pai sendo velado e enterrado. "Eu deixei que ela fosse para o s?tio de uma amiga. Ela passou o dia todo l? e, quando voltou, percebeu o clima de tristeza na casa. Quando ela perguntou pelo pai, n?s falamos o que tinha acontecido. O choro foi inevit?vel. Mas a partir desse dia ela chorou todos os dias, durante tr?s anos e meio", lembra.

A rea??o da filha foi inesperada, mas Maria do Ros?rio reconhece que o resultado pode ter sido fruto da forma como a filha recebeu a not?cia. "Hoje eu me arrependo de n?o ter deixado ela ver o corpo do pai pela ?ltima vez. Ela me cobra isso at? hoje. Acredito que ela reagiria melhor se pudesse ter acompanhado tudo de perto", lamenta.

Mas com a experi?ncia que teve, a professora acredita que algumas atitudes s?o importantes para saber como reagir nessas situa?es. " A primeira coisa ? ter a cabe?a no lugar, ser firme e ter amigos e uma religi?o como apoio. Depois ? ter a consci?ncia de que o per?odo ? muito dif?cil, mas a vida volta ao normal com o tempo. A dor ? grande, mas voc? n?o deve se precipitar. Tentar manter a calma ? fundamental", orienta.

Como agir?

Estar preparado para receber a not?cia de morte pode ser o caminho para que esse momento seja menos traum?tico para a crian?a. A psic?loga explica que at? cl?ssicos da hist?ria infantil podem ser usados para desmistificar o tema da morte para as crian?as.

"Na hist?ria da Chapeuzinho Vermelho, por exemplo, a vov? morre ap?s ser comida pelo lobo. Algumas vers?es mais atuais acabam iludindo as crian?as, quando afirmam que ca?ador retira a vov? de dentro do corpo do lobo. Mas por que n?o fazer com que as crian?as tenham esse contato com a morte nas hist?rias infantis?", questiona.

Sandra ainda diz que, apesar de acompanhar um enterro ser uma situa??o forte para uma crian?a, ? uma situa??o que todas as pessoas presenciam alguma vez. "Se o primeiro contato com a morte de um ente pr?ximo, for de forma transparente, o enfrentamento dessa situa??o com outras pessoas ser? menos doloroso. A morte faz parte da vida. Embora a gente n?o goste, ? inevit?vel", conclui.