BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Apesar de o PT já ter afirmado que se tratou de um erro, aliados do presidente Jair Bolsonaro (PL) usam um trecho do plano de governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para afastar o setor do agronegócio da campanha petista.
Em documento com diretrizes de governo, Lula incluiu uma proposta de regulação da produção agrícola. A campanha petista diz que foi uma falha e que o trecho será suprimido.
No entanto, ministros, parlamentares e empresários do setor aproveitam desse dispositivo para consolidar o apoio da maioria ruralista a Bolsonaro.
O PT tem tentado se aproximar do setor com o apoio principalmente de parlamentares de Mato Grosso e da família Maggi -inclusive Blairo Maggi, um dos maiores produtores de soja do Brasil, cacique político de Mato Grosso (hoje no Progressistas) e ex-ministro da Agricultura do governo Michel Temer (MDB).
A campanha de Lula declarou que a referência à regulação da produção agrícola foi um equívoco.
Mesmo assim, por ser um texto de conteúdo vago, abriu brecha para que agricultores e políticos próximos a Bolsonaro interpretassem a mensagem como uma possível interferência no mercado -medidas que não foram adotadas nos governos do PT.
Aliados do presidente dizem que o setor do agronegócio vê com ceticismo a mudança no plano de governo de Lula para retirar o trecho do documento e citam que, neste ano, 22 deputados do PT apresentaram um projeto na Câmara com conteúdo nesse sentido.
A proposta prevê a cobrança de imposto de exportação sobre grãos (como soja, arroz e milho) e carnes (de bovinos, suínos e frangos) em situação de ameaça ao abastecimento interno.
Segundo os parlamentares petistas, o objetivo é combater "a abusividade dos volumes de alimentos exportados pelo país num contexto de situações sistemáticas de volatilidade dos preços e insuficiência do abastecimento interno desses produtos".
O presidente da Famasul (Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul), Marcelo Bertoni, rechaça a ideia.
"Não alivia em nada. Isso é feito em países de esquerda, como Argentina, e pode até reduzir o preço no curto prazo, mas não resolve o problema. O setor já é regulado e, com ideias como essa, vamos voltar a ter muita insegurança jurídica como nos governos do próprio PT", disse.
A ideia na campanha de Bolsonaro é explorar ao máximo a proposta que apareceu na versão inicial do programa petista para evitar que a tentativa de Lula de se aproximar do agronegócio ganhe força.
A avaliação é que a sugestão apresentada pelo PT foi a melhor arma dada pelo partido até o momento para o chefe do Executivo conseguir conter qualquer avanço petista no setor.
Na visão de atores que traçam as estratégias de Bolsonaro à reeleição, a palavra regulação por si só é negativa e facilita a vinculação das políticas petistas com medidas de intervenção no setor econômico que costumam afastar Lula do empresariado.
O presidente do Instituto Pensar Agropecuária, Nilson Leitão, diz que vê o documento do PT como uma ameaça. O Instituto reúne quase 50 entidades do setor produtivo agropecuário.
"Já mantemos a maior parte da produção no Brasil. Não é necessário regular isso. Isso me parece uma ameaça do partido", afirmou Leitão, que já foi deputado federal e é consultor da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil).
O trecho do documento da campanha petista foi citado em reuniões e discursos no Encontro Nacional do Agro, que reuniu cerca de 3,5 mil pessoas em Brasília, nesta quarta-feira (10), e contou com a presença de Bolsonaro.
Mesmo após o PT dizer que a proposta foi incluída no documento por engano, o assunto foi levantado por Bolsonaro, pelo ministro Marcos Montes (Agricultura) e pelo presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado Sérgio Souza (MDB-PR),
"Agora tentam se aproximar do agro, dizer que têm uma sintonia e que podem ajudar, no momento em que na sua proposta de governo colocam a regulação da nossa agricultura, da nossa pecuária. Não podemos ser irresponsáveis", afirmou Souza.
Bolsonaro seguiu na mesma linha: "Proposta de regulação da produção agrícola o cara já retirou do programa de governo dele. Malandro como sempre, sem caráter, bêbado que quer dirigir o Brasil".
Sem detalhes da proposta, o ministro da Agricultura então fez inferências.
"Será que essa regulação da produção agrícola é colocar insegurança na vida das nossas pessoas? Não podemos sair da estrada que entramos em 2019. [...] Não podemos voltar atrás, o mundo nos respeita e olha para nós com esperança de que nós vamos alimentar o mundo", declarou Montes.
Ele também atribuiu à campanha petista a intenção de politizar a Embrapa e incentivar movimentos como o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). "Não há mais invasão de terras. O Brasil vive em paz", discursou o ministro.
A preocupação com a invasão de terras é um dos principais motivos citados por lideranças rurais para manterem o apoio à reeleição de Bolsonaro. A campanha dele, portanto, tem usado esse ponto para tentar neutralizar a estratégia de Lula no setor agropecuário.
O petista tem contado com o apoio do empresário Carlos Augustin, do senador licenciado Carlos Fávaro (PSD-MT) e do o deputado federal e ex-ministro de Dilma Rousseff (PT), Neri Geller (PP-MT), além da família Maggi.
O ex-governador de São Paulo e candidato a vice na chapa com Lula, Geraldo Alckmin (PSB), foi designado pela campanha para articular a aproximação com o agro.
Alckmin planeja viajar por estados onde Bolsonaro tem uma base forte e o agronegócio tem peso na economia local, como Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina e Paraná.
Conforme mostrou a Folha de S.Paulo, a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) sinalizou na última quarta-feira (10), em evento que reuniu 27 federações e sindicatos do setor, apoio à candidatura de Bolsonaro.
"Os senhores sinalizaram bem claro que não há mais espaço neste país para uma equipe corrupta e incompetente. E muito menos para o retorno de um candidato que foi processado e preso como ladrão", disse João Martins da Silva Junior, presidente da CNA, em referência ao ex-presidente Lula.
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