BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), deve disputar a sua segunda eleição amparado em uma decisão provisória que obteve em 2018 e que está de pé há mais de quatro anos sem que a Justiça se posicione sobre a questão.

A Lei de Inelegibilidades estabelece que o julgamento desse tipo de caso deve ser prioritário, mas, desde o final de 2020, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) analisa, sem conclusão, um recurso especial apresentado pelo deputado.

Lira e outros parlamentares foram condenados pela Justiça de Alagoas em decorrência da Operação Taturana, da Polícia Federal, que investigou suposto esquema de desvio de recursos da Assembleia Legislativa. O hoje presidente da Câmara foi deputado estadual de 1999 a 2010.

Nessa ação, Lira foi condenado por pagar empréstimos pessoais com recursos de verba de gabinete e utilizar cheques emitidos da conta da Assembleia para garantir financiamentos também pessoais.

A acusação apresentada pelo Ministério Público trazia ainda outras suspeitas, como movimentação financeira atípica de R$ 9,5 milhões (em valores não corrigidos) e desconto na boca do caixa de cheques emitidos pela Assembleia em favor de servidores fantasmas e laranjas.

A sentença condenatória afirma que Lira e os demais parlamentares tiveram "uma ânsia incontrolável por dilapidar o patrimônio público, corroeram as entranhas do Poder Legislativo Estadual, disseminando e institucionalizando a prática degenerada de corrupção, proselitismo e clientelismo".

Em 2016, o Tribunal de Justiça de Alagoas confirmou a condenação do então já deputado federal por improbidade administrativa, o que incluía determinação de ressarcimento de R$ 183 mil aos cofres públicos (em valores da época) e a suspensão dos direitos políticos por dez anos.

Dois anos depois, porém, o desembargador do Tribunal de Justiça de Alagoas Celyrio Adamastor Tenório Accioly liberou a candidatura de Lira à reeleição ao conceder efeito suspensivo a um recurso especial apresentado pelo deputado.

O argumento do magistrado foi o de que o parlamentar poderia sofrer "danos irreparáveis" caso fosse impedido de participar das eleições antes do julgamento final de seus recursos.

O Ministério Público recorreu, mas o STJ à época rejeitou rever a medida do desembargador. Lira foi reeleito e, em 2020, coordenou o apoio do centrão a Jair Bolsonaro (PL) no Congresso, conseguindo se eleger presidente da Câmara em fevereiro de 2021.

Apesar de o efeito suspensivo ter sido concedido pelo desembargador do TJ-AL em abril de 2018, o recurso especial só chegou ao STJ, em Brasília, dois anos e meio depois, em dezembro de 2020.

Passado um ano e oito meses, ainda não houve decisão do STJ.

A reportagem enviou perguntas ao ministro Og Fernandes, relator do recurso, mas a assessoria do tribunal disse que o caso tramita em segredo de Justiça.

Procurado, o presidente da Câmara não se manifestou.

A pedido do próprio Lira, o STJ emitiu um certificado sobre a tramitação do recurso, que foi anexado no pedido de registro de sua candidatura neste ano.

O ofício relata que, em novembro do ano passado, Og Fernandes deu prazo de 15 dias para Lira e outras partes se manifestarem sobre o impacto em seus casos das mudanças da Lei de Improbidade.

A decisão decorreu de aprovação pelo Congresso de projeto que abrandou a lei, encurtando prazos prescricionais e exigindo, para condenação, a comprovação de dolo, ou seja, da intenção de lesão à administração pública.

A mudança na Lei de Improbidade contou com a participação decisiva do próprio Lira, na cadeira da presidência da Câmara. Dois meses depois da sanção do projeto por Bolsonaro, o parlamentar se manifestou ao STJ pedindo a anulação de sua condenação com base na nova lei.

Em agosto, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu aplicar a nova lei a casos que ainda não tiveram a tramitação encerrada na Justiça, mas sem retroagir a vigência dos prazos mais curtos de prescrição.

Com isso, Lira pode se beneficiar da nova lei somente se o STJ entender que na condenação pela Justiça de Alagoas não ficou provado que ele agiu com dolo, ou seja, que teve intenção ou assumiu o risco de cometer o ilícito.

Em seu atual pedido de registro de candidatura na Justiça Eleitoral, Lira sofreu uma impugnação por parte de sua ex-mulher, Jullyene Lins (MDB), também candidata a deputada federal.

Ela alega que o ex-marido pode estar inelegível em razão da condenação decorrente da Operação Taturana. A defesa do presidente da Câmara contestou a impugnação dizendo que Lins patrocina litigância de má-fé. Ainda não há decisão da Justiça Eleitoral.

O advogado Volgane Carvalho, membro da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), diz avaliar que a situação de Lira entra na esfera de prazo impróprio.

"Parece que é uma determinação impositiva [na lei], mas, na verdade, é uma recomendação. Como se o tribunal devesse acolher a ideia de que os processos são prioritários. Nunca vai ser assim", disse.

Ele atribui também parte da lentidão à falta de pessoal no tribunal. "O STJ está numa redução de quadros. Então, no conjunto da obra, você consegue ter um cenário não ideal em que o julgamento se alonga por mais tempo."

Luiz Fernando Casagrande Pereira, sócio-fundador do escritório Vernalha Pereira, vai na mesma linha e destaca que os tribunais brasileiros são "abarrotados de processos". "Então têm muitos e muitos prioritários. Na vida real, quando tudo é prioridade, nada é prioridade, e eles não dão conta de julgar esses recursos."

Pereira lembra ainda uma alteração que o Congresso fez em 2019 em uma lei em vigor e que facilitou a vida de políticos com problemas na justiça. Antes, se a liminar obtida por Lira fosse julgada e derrubada após o registro, poderia ser invocada a inelegibilidade do presidente da Câmara.

"Se o candidato fizer o pedido de registro com liminar, não importa que a liminar caia depois. Isso significa dizer que se hoje o STJ julgar e mantiver a condenação de Lira, isso não impacta mais no registro da candidatura dele para a eleição de 2022."

ENTENDA O CASO

2016

Arthur Lira e outros réus são condenados pelo Tribunal de Justiça de Alagoas por atos de improbidade administrativa, tendo os direitos políticos suspensos por 10 anos.

A condenação decorreu da Operação Taturana. Os desembargadores confirmaram sentença da primeira instância que condenou Lira, então deputado estadual, e outros parlamentares pela quitação de empréstimos pessoais com dinheiro público da Assembleia Legislativa.

2018

O desembargador do TJ-AL Celyrio Adamastor Tenório Accioly assina individualmente um despacho suspendendo os efeitos da condenação e liberando a candidatura de Lira a deputado federal.

2020

Recurso especial de Lira contra a decisão do TJ-AL chega ao Superior Tribunal de Justiça, em Brasília, em dezembro. Caso fica sob a relatoria do ministro Og Fernandes.

De acordo com a Lei de Inelegibilidades (64/90), o julgamento desse tipo recurso tem prioridade sobre todos os demais, à exceção dos de mandado de segurança e habeas corpus. Apesar disso, passado um ano e oito meses, ainda não houve decisão.

2021

Lira é eleito presidente da Câmara dos Deputados.

O presidente da Câmara pede em dezembro ao STJ a anulação da condenação, por prescrição, com base na nova Lei de Improbidade. As alterações nessa lei foram aprovadas pelo Congresso e tiveram em Lira um de seus principais articuladores.

2022

Em agosto O STF decide aplicar a nova lei, mais benéfica, a casos que ainda não tiveram a tramitação encerrada na Justiça. Os novos prazos de prescrição, porém, não retroagem.

Com isso, Lira pode se beneficiar somente se o STJ entender que na condenação pela Justiça de Alagoas não ficou provado que ele agiu com dolo, ou seja, que teve intenção ou assumiu o risco de cometer o ilícito.


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