Terceira via nos EUA quer fugir da polarização entre democratas e republicanos

Por THIAGO AMÂNCIO

WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) - Contra a polarização extrema às vésperas de uma eleição importante, nomes conhecidos do campo político se juntam para formar uma terceira via que não quer ser nem de direita nem de esquerda, mas para frente, nos Estados Unidos.

É o que propõe o Forward (ou "adiante", "para frente", em português), novo partido político que almeja romper o bipartidarismo e disputar espaço com os democratas e republicanos, monopolizadores da cena partidária do país.

"Rejeitamos a extrema esquerda e a extrema direita, buscamos um campo de consenso", diz a plataforma da legenda, que se vende no centro no espectro ideológico.

O que chama atenção no anúncio da nova sigla é que ela já chega à arena com nomes mais conhecidos dos eleitores, saídos das estruturas dos democratas e republicanos.

São eles os co-presidentes Christine Todd Whitman, ex-republicana que governou Nova Jersey, e Andrew Yang, ex-democrata que se tornou mais conhecido na disputa das prévias para candidatura à Presidência em 2020.

Com eles, dezenas de ex-filiados dos partidos tradicionais, parte deles com experiência no governo ?uma das forças políticas que formam o novo partido é o Movimento de Renovação dos EUA (Renew America Movement), que reúne ex-membros de administrações republicanas.

Os EUA já têm uma série de partidos menores, mas todos nanicos, sendo o Libertário o de maior expressão ?a legenda tinha 1 assento dos 435 da Câmara até o começo deste ano e chegou a receber 1,8 milhão de votos na última eleição presidencial. Além dos libertários, o sistema americano comporta legendas ainda menores, como os partidos Verde e da Constituição, entre outros.

Há 169 anos o país não elege um presidente que não seja democrata ou republicano. O último foi Millard Fillmore, que governou entre 1850 e 1853 pelo partido Whig, legenda que depois viria a ser absorvida pelo Partido Republicano.

Mas houve tentativas mais recentes. Em 2000, Ralph Nader, do Partido Verde, obteve cerca de 2,9 milhões de votos e foi acusado pelos democratas de ter subtraído votos de Al Gore, particularmente na Flórida, onde Nader conseguiu 97.488 votos. A derrota de Al Gore no Estado, por apenas 537 votos, custou-lhe a Presidência.

O Forward, que quer mudar esse cenário, será lançado oficialmente no fim de setembro, com um giro de eventos em dezenas de cidades para divulgar sua plataforma.

A aposta é conquistar os americanos que não se veem representados nem por democratas nem por republicanos. Pesquisa do instituto de opinião Gallup do ano passado apontou que 62% dos entrevistados disseram que uma terceira legenda é necessária.

Mas o sistema eleitoral do país, conhecido como "winner-takes-all" (o vencedor leva tudo), prejudica a ascensão de um novo partido, diz Thad Kousser, professor de ciência política na Universidade da Califórnia, em San Diego.

No Brasil, o sistema de quociente eleitoral distribui os assentos na Câmara dos Deputados de acordo com a quantidade de votos que cada partido teve. No sistema distrital dos Estados Unidos, não importa quantos votos foram para os candidatos não eleitos para representar um distrito eleitoral: é escolhido apenas o mais votado.

"Se você vota em um candidato com pouca chance de ganhar, você desperdiça seu voto. Para evitar isso, acaba decidindo entre os dois com mais chance, em geral no que você rejeita menos. É diferente de um sistema proporcional, em que um partido que ganha 5% dos votos tem 5% dos assentos", afirma Kousser. "Isso desmotiva eleitores e um candidato que poderia ter 5% dos votos acaba com 1% ou 2%, que no fim não adianta de nada", afirma.

Não à toa, a principal bandeira do novo partido é uma reforma eleitoral. A legenda também defende renda básica universal e governo baseado em evidências, entre o pouco do que foi divulgado até aqui. No entanto, é possível mapear algo da plataforma do grupo a partir de discursos e artigos que têm sido publicados nas últimas semanas.

"Quanto a armas, por exemplo, a maioria dos americanos não concorda com os apelos da extrema esquerda para confiscar todas as armas e revogar a Segunda Emenda, mas eles também estão preocupados com a insistência da extrema direita em eliminar as leis sobre armas", escreveram os fundadores no jornal americano The Washington Post, no fim de julho.

"Sobre as mudanças climáticas, a maioria dos americanos não concorda com os apelos da extrema esquerda para derrubar completamente nossa economia e modo de vida, mas também rejeitam a negação da extrema direita de que haja um problema. Sobre o aborto, a maioria dos americanos não concorda com as visões extremas da extrema esquerda sobre abortos tardios, mas também está alarmada com a busca da extrema direita de tornar a escolha de uma mulher uma ofensa criminal."

Há certa dúvida entre observadores políticos do país, no entanto, sobre a viabilidade de um partido que se propõe a fugir da forte polarização americana.

"Os partidos de terceira via mais bem-sucedidos na história dos EUA foram justamente aqueles que galvanizaram uma fatia estreita da sociedade com um conjunto específico de problemas", escreveu o colunista do New York Times Jamelle Bouie. "Aqueles que polarizaram ainda mais o eleitorado conseguiram mudar o quadro político e forçaram os partidos estabelecidos a reconhecer sua influência".

Foi o caso, por exemplo, do ultradireitista AIP (Partido Americano Independente), que lançou em 1968 à Presidência o governador do Alabama George Wallace, contra os direitos civis de negros e defensor da segregação racial. Ele recebeu quase 10 milhões de votos e foi o mais votado em cinco estados do sul: Alabama, Arkansas, Geórgia, Louisiana e Mississippi.

A terceira via nos EUA John Adams Segundo presidente dos EUA (1797-1801), foi o primeiro mandatário afiliado a um partido político, o Partido Federalista; seu antecessor, George Washington, não era ligado a nenhuma legenda

Democratas-republicanos e Whigs Até metade do século 19, antes que a política americana se dividisse essencialmente entre Democratas e Republicanos, os Whigs e os Democratas-republicanos fizeram quatro presidentes cada um

George Wallace Ex-governador do Alabama saído do partido Democrata recebeu 10 milhões de votos em 1968, quando se candidatou à presidência pelo AIP (Partido Americano Independente), com uma plataforma contra os direitos civis de negros e defensor da segregação racial

Ralph Nader Candidato pelo Partido Verde em 2000, recebeu 2,9 milhões de votos; sua candidatura foi tida pelos democratas como o motivo da derrota de Al Gore para George W. Bush, após o republicano vencer por 537 votos na Flórida, o que garantiu sua eleição

Libertários Maior partido de terceira via, teve seu melhor desempenho recente na eleição presidencial de 2016, quando Gary Johnson obteve 4,5 milhões de votos, 3,3% do total