RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - O pastor Silas Malafaia fez que não com o dedo e olhou para cima com reprimenda. No trio elétrico que contratou para o ato de 7 de Setembro na orla de Copacabana, começavam versos achincalhando o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes, o malvado favorito da claque bolsonarista.
"Defensor de vagabundo, advogado do PT", dizia o funk interrompido imediatamente após a repreensão de Malafaia. "Nós não podemos dar a Alexandre a moral que ele quer", disse o líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo à Folha de S.Paulo. "Ele não é o centro das atenções. Por que vamos ficar colocando azeitona no empadão do cara?".
Ele estava no calçadão, tirando selfies com o público aglomerado atrás da grade que isolou o trio. Malafaia contou ter pago R$ 35 mil do próprio bolso, "como pessoa física", pelo veículo, o mais disputado do evento. Queria ter um espaço onde o presidente Jair Bolsonaro (PL) pudesse falar mais livremente, sem ser acusado de usar uma estrutura pública --o palco oficial-- para fazer política.
E foi isso que o candidato à reeleição fez depois de ser anunciado pelo locutor de rodeios Cuiabano Lima. "Estamos recebendo nosso presidente com os braços abertos assim como o Cristo Redentor."
O "imbrochável" falaria em seguida, disse Lima, resgatando o adjetivo que Bolsonaro evocou para si horas antes, em Brasília.
A primeira-dama não o acompanhou ao Rio. Malafaia e o empresário Luciano Hang, alvo de operação da Polícia Federal, sim. Os dois estavam no Palácio da Alvorada de manhã, quando o presidente disse que "a história pode repetir" após mencionar anos de agitação política, como 1935 (Intentona Comunista), 1964 (golpe militar), 2016 (impeachment de Dilma Rousseff) e 2018 (sua própria eleição).
Bolsonaro tinha acabado de ouvir o bispo JB Carvalho pregar na residência presidencial que os "próximos anos" definiriam "uma agenda do céu" sobre "este extraordinário país".
Já no céu de Copacabana, onde chegaria horas depois, havia fumaça verde, azul e amarela, lastros de uma esquadrilha da Aeronáutica, e uma bandeira imensa com o nome de Jesus.
No trio bancado pelo amigo evangélico, Bolsonaro foi menos agressivo nas investidas contra o STF, ofertadas sem parcimônia no 7 de Setembro de 2021. Nem por isso as deixou de fora. E usou uma passagem do Antigo Testamento para cutucar a corte: "Por falta de conhecimento, meu povo pereceu".
Hoje, afirmou, o povo sabe muito bem como funciona o mais alto tribunal do país. Uma piscadela para o público, que respondeu vaiando a instituição sob constante ataque do bolsonarismo.
Com o deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), que chegou a ser preso após ofender ministros do STF, foi o oposto: gritos entusiasmados ao ser apresentado como "este grande patriota" à audiência verde-amarela.
As laterais do carro traziam palavras de ordem da trupe bolsonarista: "liberdade", "Deus, pátria e família" e "eleições livres e transparentes". Do som saíam músicas como "Eu Te Amo, Meu Brasil" (hino popular da ditadura) e uma versão do funk "Baile da Favela" com notas machistas e homofóbicas ("E o Bolsonaro casou com a Cinderela/ Enquanto Jean Wyllys só tava vendo novela").
"É igual Réveillon, só trocou o branco por verde-amarelo", disse o deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), aliado de Malafaia que preside a bancada evangélica na Câmara, enquanto tentava cruzar o mar de gente na praia que sedia o maior Ano-Novo do Brasil.
"Isso é o DataPovo, o resto é conversa fiada", Malafaia discursava enquanto isso, numa reprise do argumento bolsonarista de que as pesquisas eleitorais sérias não conseguem mensurar uma suposta predileção do eleitorado por Bolsonaro.
Sóstenes definiu como "coisa de bolsonarista apaixonado" acreditar que o presidente ganhará no primeiro turno, falsa ideia que povoa as redes sociais de seus apoiadores. Mas reproduziu a descrença nos levantamentos que colocam Bolsonaro tão atrás de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Fato é que o ex-presidente foi o maior saco de pancadas do dia. "Escuta essa: a Bíblia diz que o Diabo é o pai da mentira, e Lula é filho único", disse Malafaia com Bolsonaro ao lado. "Deus livre o Brasil dessa gente, e o Brasil é do Senhor Jesus."
Outros pastores, como Cláudio Duarte, engrossaram a voz evangélica que trombeteia um alinhamento incondicional ao presidente.
Bolsonaro agradece a preferência. Recheou sua fala com afagos na base religiosa. Podia até não ser "muito bem educado" e falar palavrão, reconheceu.
Mas não pretende remover Deus da praça eleitoral. "Nós somos um povo que sabemos que o Estado é laico, mas o seu presidente é cristão." Terrivelmente cristão.
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