SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Os gastos com dispensas de licitação tiveram forte avanço na reta final da gestão de Tarcísio de Freitas (Republicanos) como ministro da Infraestrutura de Jair Bolsonaro (PL). Os pagamentos incluem contratos com indícios de irregularidades apontados pelo TCU (Tribunal de Contas da União) e obras emperradas.

Os gastos sem licitação no Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), autarquia ligada à pasta que cuida das rodovias, saíram em valores nominais de R$ 224 milhões, em 2019, para R$ 421 milhões, em 2020. Em 2021, atingiram R$ 1,1 bilhão, segundo o Portal da Transparência --alta de quase 400% em dois anos.

O candidato ao Governo de São Paulo foi apelidado de "Tarcisão do asfalto" por aliados, que propagam discurso de retomada de obras e eficiência. À Folha o ex-ministro argumenta que o aumento nas dispensas de licitação ocorreu devido ao excesso de chuvas e ao menor orçamento para manutenção de estradas.

Ele afirmou ainda ter garantido a trafegabilidade nas vias e priorizado a retomada de obras paralisadas e disse acreditar que as irregularidades citadas por técnicos do TCU serão revistas pelos ministros da corte.

Na gestão do ministro, o Dnit teve redução dos investimentos. Por outro lado, gastos sem concorrência em aceleração podem ser indícios de má gestão e brechas para irregularidades, afirmam especialistas.

As dispensas de licitação incluem três contratos de empresas diferentes para cuidar de um mesmo trecho e verba para uma construtora que foi alvo da Polícia Federal sob suspeita de fraude no próprio Dnit.

Há ainda obras emergenciais fora do padrão, por se estenderem por quase 200 km de estrada, não em trechos pontuais. Apuração do TCU aponta problemas como início de obra sem projeto básico completo e sem considerar períodos de chuvas.

A BR-156, que cruza o Amapá, tem um pouco desses ingredientes.

Relatório do TCU afirma que os serviços para pavimentação do trecho norte da rodovia foram iniciados em 2019 com projeto incompleto, o que levou ao atraso da obra, que está com pouco mais de 10% de avanço.

Outra irregularidade é que o cronograma de asfaltamento não levou em conta a impossibilidade de trabalhos no período de chuvas.

A rodovia foi visitada por Tarcísio no início da gestão Bolsonaro, em 2019, para o anúncio da retomada das obras. Na ocasião, o hoje candidato ao Governo de São Paulo disse que "os amapaenses costumam falar que essa é 'a obra parada mais antiga do Brasil'".

O ex-ministro visitou a estrada ao lado do então presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), articulador da retomada da obra. "A ideia é ter toda a pavimentação, desde Macapá até o Oiapoque, até 2022. Com o apoio de toda a bancada amapaense será possível cumprir esse objetivo", disse Tarcísio.

Desde então, a bancada destinou dezenas de milhões de reais para as obras, mas o governo não cumpriu a promessa: só 5 km de pavimentação foram entregues até agora, de acordo com o Dnit.

A Folha esteve na rodovia em julho e verificou que há trechos quase intransitáveis, mesmo com veículos com tração nas quatro rodas. Apesar da precariedade, não faltam contratos para essa parte da rodovia.

Além do acordo de pavimentação do trecho, que se arrasta desde 2017, o Dnit assinou na gestão de Tarcísio outros dois contratos que envolvem o segmento norte da BR-156. Um deles é de obras de manutenção, parte do programa de conservação Pato (Plano Anual de Trabalho e Orçamento).

Porém, para o mesmo trecho da rodovia foi assinado um acordo emergencial. Ponto que chama a atenção é a extensão da obra considerada urgente, que atinge 110 km.

A beneficiada com a dispensa de licitação foi a empreiteira LCM, em um contrato de R$ 40,5 milhões. Em 2019, a construtora mineira esteve no centro da Operação Mão Dupla, da Polícia Federal e de outros órgãos, em Rondônia, na qual foram presos funcionários do Dnit e da LCM.

A ação citou fraude na medição e no pagamento de obras de pavimentação. A defesa da companhia argumentou, porém, que os contratos eram regulares.

Segundo o portal de compras, a LCM é a construtora contratada mais vezes via dispensa de licitação pelo Dnit -com 16 casos desde 2018. Em valores, segundo o site, o total chega a R$ 195 milhões.

A Folha encontrou outros contratos emergenciais para grandes trechos. Um deles abrange 130 km da BR-158, em Mato Grosso, apesar de a estrada também já contar com um contrato regular de manutenção.

O guia de contratações do Dnit diz que obras emergenciais só devem acontecer em casos excepcionais, como deslizamentos de terra ou quedas de pontes. Já a chuva seria um fator mais previsível --o Amapá, por exemplo, está está no topo do índice de intensidade de chuvas médias que é usado pelo Dnit.

"É um problema de gestão deixar que problemas nas rodovias se agravem para caracterizar uma futura emergência. Os índices pluviométricos hoje são de conhecimento de todos, e se antecipar às chuvas e aos danos que delas pode advir é o que se espera de um gestor público diligente", afirma o presidente do Ibraop (Instituto Brasileiro de Auditoria de Obras Públicas), Anderson Uliana Rolim.

"Os Tribunais de Contas já avaliaram diversas contratações emergenciais em que, ao fim, foi detectada uma situação em que a emergência foi 'fabricada', ou seja, na omissão ou na ação equivocada da administração, a obra precisou, no limite, ser contratada sem licitação", acrescenta.

Chuvas e orçamento menor levaram a obras emergenciais, diz Tarcísio Procurado pela Folha, Tarcísio justificou as obras emergenciais principalmente por duas razões: excesso de chuvas e menor orçamento do governo para serviços de manutenção das estradas.

"Infelizmente, para aquilo que é administração direta, o orçamento caiu muito. A gente pegou dois anos de pandemia, fomos muito prejudicados. O que a gente tinha nós aplicamos quase na integralidade."

Ele afirmou ainda que a contratação via dispensa de licitação para obras em longos trechos se deve às características de determinadas estradas, muitas vezes com trechos não asfaltados, como a BR-158, um corredor para o agronegócio.

Ali, ainda não é possível pavimentar um segmento de mais de 100 km em razão de a rodovia cruzar uma reserva indígena.

"Não virou atoleiro, mesmo com toda a chuva, mesmo com caminhões carregados. O trabalho que foi feito lá foi eficaz", disse ele, acrescentando que o escoamento da safra não foi prejudicado.

O ex-ministro ressaltou que o contrato com dispensa de licitação é um processo que envolve convites a outras empresas além da escolhida, mas admitiu que há dificuldade em achar empreiteiras que apresentem bom desempenho em determinadas regiões.

Um exemplo do problema, de acordo com o ex-ministro, ocorreu na BR-156, estrada na qual a empresa vencedora da licitação não teve a performance esperada, gerando atrasos na obra.

Ainda segundo ele, não houve problemas nos contratos emergenciais realizados.

Quanto às irregularidades apontadas pelo TCU, o ex-ministro disse que a divisão de projetos básicos por trechos de uma obra é legal e que esse sistema funcionou de forma eficiente em diversos pontos no país.

Sobre a questão de contratos sobrepostos para o mesmo trecho, o ex-ministro afirmou que se trata de medida comum na administração, pois cada um compreende objetos diferentes.

O Dnit, por sua vez, afirmou em nota que a lei prevê a utilização das dispensas de licitação em casos de emergência ou calamidade pública, como no caso das rodovias citadas nesta reportagem. Sobre contratos sobrepostos para a mesma rodovia, cita que cada um atende a situações específicas.


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