SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O ataque do deputado Douglas Garcia (Republicanos) à jornalista Vera Magalhães após debate com candidatos ao Governo de São Paulo levou aliados de Tarcísio de Freitas (Republicanos) e de Jair Bolsonaro (PL) a atuarem para conter danos devido ao temor de efeitos eleitorais adversos.
O episódio de hostilidade do bolsonarista, que integrava a comitiva de Tarcísio, ocorreu num momento de ofensiva da campanha do presidente da República para reduzir a rejeição entre mulheres e em meio à tentativa do ex-ministro de se descolar da imagem de agressividade associada ao seu padrinho político.
Douglas partiu para cima da jornalista depois do debate, com agressões verbais, repetindo também um ataque feito pelo presidente durante debate entre candidatos ao Planalto no mês passado --disse que ela é "uma vergonha para o jornalismo".
Diante da preocupação de impacto eleitoral, aliados de Tarcísio e de Bolsonaro se mobilizaram para tentaram desvincular Douglas do candidato ao governo paulista e, contrariando alas radicais bolsonaristas, buscaram condenar a conduta do deputado.
O próprio deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do presidente da República e que endossou outros ataques semelhantes anteriores do próprio pai, criticou publicamente a conduta de Douglas.
"Não há justificativa para provocar uma jornalista e tentar constrangê-la gratuitamente no seu local de trabalho, sem que ela tenha dado qualquer motivo para isso", escreveu Eduardo.
"Eu telefonei e pedi desculpas por esse cara [Douglas] estar lá com uma credencial cedida pela minha campanha. Eu mal conheço, nem tenho contato com esse idiota", afirmou Tarcísio à colunista Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo.
O deputado federal Cezinha de Madureira (PSD-SP), integrante do núcleo de articulação política da candidatura de Tarcísio, buscou minimizar os efeitos. "A campanha não pode se responsabilizar por atos isolados", afirma. "Ninguém é responsável pela vida de ninguém."
"Tarcísio não perdeu apoio de eleitores. Quem está com Bolsonaro está com Tarcísio. Todo mundo sabe que Tarcísio é um 'gentleman' [cavalheiro, em tradução livre]", afirmou a deputada Carla Zambelli (PL-SP).
Bolsonaristas de São Paulo dizem reservadamente que a conduta de Douglas foi um erro que serviria apenas para beneficiar a sua própria eleição. Há uma cobrança para que os candidatos a deputado aliados de Bolsonaro e Tarcísio pensem nas campanhas majoritárias e evitem brigas.
O episódio acabou reforçando a crítica de que Bolsonaro não respeita as mulheres, já que o próprio presidente atacou a mesma jornalista no debate da TV Bandeirantes, em 28 de agosto. Na ocasião, Tarcísio não saiu em defesa de Vera.
O Datafolha mostra que Bolsonaro é visto como o candidato que mais ataca as mulheres. Para tentar reverter o estrago, o presidente tem escalado a primeira-dama Michelle Bolsonaro em propagandas e recentemente demonstrou arrependimento em relação à fala sobre não ser coveiro da pandemia de Covid-19.
Seguindo essa linha, a campanha de Bolsonaro apoiou a atitude de Tarcísio de se desculpar com Vera e viu na ação de Douglas um comportamento inconsequente, que dragou Bolsonaro para mais uma crise.
Apesar de aliados minimizarem, na prática Tarcísio também se tornou alvo de desgaste.
O governador Rodrigo Garcia (PSDB), que tenta tomar votos do candidato dos Republicanos para ir ao segundo turno, já começou a explorar o ocorrido.
"Condeno a agressão e o desrespeito à profissional, à mulher Vera Magalhães. Os aliados do adversário xingam o papa, ameaçam as mulheres e daí fica fácil dizer que não conhece o aliado, que perdoa, pede desculpa, mas continua de mão dadas com este pessoal", disse Rodrigo à reportagem. "É lamentável num momento tão importante. Só falam de São Paulo quando é para falar mal."
Tucanos passaram a compartilhar vídeos em que Tarcísio está ao lado de Douglas, enquanto este último lista sua atuação contra "as pautas de esquerdas".
O próprio governador postou um vídeo de Tarcísio e Douglas juntos, com o comentário: "O sujeito prega o ódio 365 dias por ano. Insulta, desrespeita, assedia. Aí, quando o ódio que ele destila 'pega mal', o candidato a governador vem 'pedir desculpas', dizer 'que nem conhece o fulano'. [...] O ódio não vai governar nosso estado".
Na última semana, a campanha de Rodrigo passou a mirar Tarcísio ao explorar seus aliados polêmicos, como Eduardo Cunha (PTB) e Frederico D'Ávila (PL), que xingou o papa.
Cezinha relativiza o fato de Tarcísio ter posado sorridente em uma foto ao lado de Douglas --imagem que tem circulado nas redes sociais. "Não pega mal. Uma pessoa pública está pública, não tem acesso ao CPF de todo mundo para saber o que fazem."
Tarcísio também já se viu em uma saia justa por se associar a outro político. O ex-ministro gravou vídeo no qual aceitava apoio do prefeito de Embu das Artes (SP), Ney Santos, que é investigado pela polícia e pelo Ministério Público de SP por suposta ligação com o PCC em esquema de lavagem de dinheiro.
Embora a posição oficial seja a de condenar a hostilidade à jornalista, a massa bolsonarista demonstrou apoio a Douglas nas redes sociais --houve até desconfiança de que a solidariedade prestada por Tarcísio à Vera seria fake news.
Políticos bolsonaristas ouvidos pela reportagem afirmam que, na verdade, o que irritou a base de eleitores foi o fato de o candidato ter defendido a jornalista que, na visão deles, é anti-Bolsonaro.
Nas redes sociais, Tarcísio disse lamentar e repudiar a agressão. "Essa é uma atitude incompatível com a democracia e não condiz com o que defendemos em relação ao trabalho da imprensa."
Nesta quarta-feira (14), ele voltou ao tema. "Esse tipo de gente não merece estar do nosso lado e não participa mais de nada conosco. Só lamento muito. Se a gente imaginasse que a pessoa ia pra lá pra esse tipo de conduta, não teria recebido credencial. Não posso falar pelo partido, mas acho que esse tipo de atitude tem que ser punido severamente. Inclusive pela Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo)", disse.
No discurso de bolsonaristas, há uma diferenciação entre o ataque de Bolsonaro à jornalista, que seria uma resposta após uma pergunta entendida como provocação, e o de Douglas, sem motivação específica. Dessa forma, as campanhas buscam blindar Bolsonaro enquanto condenam o aliado.
O histórico de Douglas também contribuiu para o movimento de isolá-lo. Eduardo e Douglas, por exemplo, eram rompidos desde junho do ano passado, quando o filho do presidente reclamou que o deputado estadual criticava Bolsonaro.
Já Douglas, na época, acusou Eduardo de "se acovardar" diante do vazamento do dossiê antifascista. O deputado estadual é suspeito de ter vazado dados que reuniu dados de ativistas de esquerda e, ao afirmar que Eduardo levara o documento à Embaixada dos EUA, foi desmentido pelo filho do presidente.
Douglas, que já foi punido na Assembleia por uma fala contra transexuais, deve enfrentar uma nova leva de processos na Casa após o episódio desta terça. O Republicanos afirmou em nota que repudia o ataque e irá convocá-lo "para dar suas explicações e avaliará eventuais medidas concretas a serem tomadas".
"Se é para eu pedir desculpas para alguém, não é para jornalista nenhum. Eu tenho que pedir desculpas para o Tarcísio", afirmou Douglas nesta quarta, em postagem em uma rede social. Ele diz ter registrado um boletim de ocorrência contra Vera. Procurado pela reportagem, Douglas não atendeu a ligações.
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