SÃO PAULO, SP, E BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O conceito de voto útil colocou em rota de colisão o candidato do PDT à Presidência da República, Ciro Gomes, e a campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), depois de uma ofensiva petista para atrair o eleitor do adversário e tentar vencer as eleições ainda no primeiro turno.

Em menos de 24 horas, a campanha de Ciro postou ao menos cinco vídeos com o mesmo tema. Na quarta (14), Ciro chamou de "autoritários" e de "covardes" quem "faz qualquer negócio para ganhar no primeiro turno". "Os autoritários querem o máximo de poder nas mãos, e os covardes temem debater a verdade."

Em um dos vídeos críticos ao voto útil, a imagem de um casal de evangélicos é sobreposta por uma locução que questiona se eles deveriam mudar de religião porque "os infiéis são fortes e ameaçadores".

Em outro, que traz um rapaz com farda do Exército, uma mulher pergunta: "O que você diria a alguém que mandasse você fugir covardemente porque seu país estava ameaçado de invasão?". A voz de Ciro, então, responde: "Para eles, voto útil é tornar sua coragem inútil".

Nos próximos dias serão lançados mais vídeos com personagens variados e argumentos distintos para rebater a defesa do voto útil. Internamente, a campanha pedetista identificou em movimentos recentes do PT e do presidente Jair Bolsonaro (PL) o que consideram uma tentativa de "calar o Ciro".

Estacionado em terceiro lugar nas pesquisas, Ciro teve oscilação de dois pontos percentuais para baixo, de 9% para 7%, na última sondagem do Datafolha, divulgada logo após os atos do 7 de Setembro.

Lula se manteve com 45%, enquanto Bolsonaro oscilou dois pontos para cima e marcou 34%. Nesse cenário, o petista tenta atrair principalmente eleitores de Ciro em busca de uma vitória no primeiro turno.

Em vídeo recente, Lula incentivou a militância a acreditar ser possível vencer no primeiro turno. "Tem gente que tem vergonha [e diz] 'ah, não vamos ganhar no primeiro turno porque parece soberba'. Não, nunca fiz eleição para ganhar no segundo turno. Toda eleição que eu participo é para ganhar no primeiro."

Na quarta, o ex-presidente voltou ao tema em agenda em São Paulo. "Só faltam 18 dias. Quase 20% da população, dizem as pesquisas, vão se abster. O cara que não vota significa que depois não tem direito de reclamar", disse Lula. Na avaliação da campanha de Ciro, a ofensiva aumenta a rejeição contra o petista.

Já Bolsonaro, ainda segundo a campanha de Ciro, tentou usar instituições de Estado para intimidar o adversário. Eles citam a apuração aberta pelo Ministério Público Militar contra o pedetista, após pedido da pasta da Defesa. Ciro é acusado de crime militar por supostamente difamar as Forças Armadas.

Também na quarta, centrais sindicais divulgaram carta aos eleitores do pedetista pedindo voto em Lula para que ele vença no primeiro turno. As organizações dizem reconhecer o "valor de Ciro como pessoa e político". "Muitos de nós já o apoiamos em outras oportunidades. Neste momento, porém, entendemos que é mais importante apoiar e pedir que todos apoiem Luiz Inácio Lula da Silva", afirmam as centrais.

"Os votos dos que ainda pretendem votar em Ciro porque apostam na construção de tempos melhores farão toda a diferença agora, afastando de vez a ameaça de continuidade do desgoverno de Bolsonaro."

Presidente de honra da Força Sindical, o deputado federal Paulinho da Força (Solidariedade), candidato à reeleição, defende que a eleição termine no primeiro turno. "A eleição no segundo turno será sangrenta. Já houve duas mortes. Então, pelo bem do Brasil, é melhor terminar no primeiro turno, para que a gente possa unir a política, unir os trabalhadores, os empresários e reconstruir o Brasil", disse o aliado de Lula.

"Eu quero, inclusive, parabenizar todos os presidentes das centrais pela coragem de dizer que tem que ter voto útil e que a candidatura do Ciro, com todo respeito, está errada. Ciro deveria retirar a candidatura e apoiar o Lula. Isso que é o correto. Hoje o Ciro, nessa conversa dele, está fazendo o jogo do Bolsonaro."

Em resposta, Antonio Neto, candidato a deputado federal pelo PDT em São Paulo, chamou a carta das centrais de "terrorismo eleitoral". "Fazer campanha contra o instituto da eleição em dois turnos, fazendo terrorismo eleitoral para tentar interferir na escolha alheia, é profundamente antidemocrático."

No domingo (11), Leonel Brizola Neto, neto do histórico pedetista Leonel Brizola, postou um vídeo em que defende o "voto útil pela democracia". "Dada a situação gravíssima do país, chamo para a unidade, para que tenham consciência e deem voto útil ao Lula. Para que a gente possa barrar esse projeto assassino e entreguista do Bolsonaro, que está matando o povo de fome ou de tiro. Vamos para a unidade, para encerrarmos o primeiro turno", disse ele, candidato a deputado federal pelo PT do Rio de Janeiro.

Em meio à ofensiva petista, o presidente do PDT, Carlos Lupi, minimizou o resultado da mais recente pesquisa do Datafolha e disse que a variação de Ciro está na margem de erro. "Voto útil é inútil. Então por que existe o segundo turno? Defendemos um projeto [de governo] e não vamos desistir", afirmou ele.

Além dos vídeos, Lula apela a artistas que declararam apoio a Ciro a mudar o voto "pela democracia". Paula Lavigne, mulher de Caetano Veloso, é uma das personalidades que encabeçam o movimento.

"Caetano sempre foi Ciro, disse que é Ciro de coração, mas vai votar no Lula. Estou fazendo um material para que isso repercuta mais. Estamos bolando algo que bata nos corações", afirmou à Folha. O músico declarou "voto racional" em Ciro, mas escreveu que "Lula arrebata", após o petista ir ao Jornal Nacional.

A campanha pelo voto útil em favor do ex-presidente também criou incômodo na equipe de Simone Tebet (MDB). Até mesmo alguns caciques emedebistas têm defendido essa iniciativa --embora não contra o voto em Simone, e sim contra o voto em Ciro. O senador Renan Calheiros (MDB-AL), aliado do petista, afirmou ser válido o "voto útil para eliminar o inútil", em referência ao pedetista.

Tebet reagiu à ofensiva petista. "É um desrespeito à população em meio a uma das eleições mais importantes, talvez a mais. Desde a redemocratização, essa é uma eleição que pode, definitivamente, tirar o Brasil do Mapa da Fome, da pobreza, da miséria, ou não, a depender da escolha. Queremos que o eleitor não vote pelo medo, e sim pela esperança e pela certeza", afirmou ela em ato de campanha no Recife (PE).


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