SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A declaração de bens entregue neste ano à Justiça Eleitoral pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), deixa de listar direitos de posse que ele diz ter em uma fazenda em Pernambuco e também seu rebanho de gado de elite.

Lira informou neste pleito possuir um total de R$ 5,965 milhões em bens, um acréscimo de 170% sobre o declarado há quatro anos (R$ 2,2 milhões, corrigidos pela inflação do período).

Entre suas propriedades listadas na documentação de candidatura estão seis fazendas no interior de Alagoas. Não consta na lista, porém, imóvel rural no município de Quipapá, em Pernambuco, pelo qual ele foi à Justiça argumentando ser o legítimo proprietário.

Conforme a Folha mostrou em agosto, essa propriedade, de 182 hectares, é alvo de disputa judicial do deputado com posseiros. O filho de um antigo morador do terreno, no qual funcionava uma usina de cana, pediu à Justiça o usucapião (direito sobre a propriedade devido à permanência prolongada).

A fazenda chegou a ser invadida por sem-terra em 2017 e já esteve na lista de desapropriação para reforma agrária do governo federal, mas a iniciativa acabou revista em 2016.

Para tentar provar que é dono da fazenda e que os posseiros não têm direito à permanência, advogados de Lira anexaram ao processo um compromisso de compra firmado em 2008 no valor de R$ 350 mil (R$ 793 mil em cifras corrigidas pela inflação). O contrato envolvia os direitos de herança e meação do antigo proprietário, que havia adquirido parte das terras da antiga usina.

Os mesmos papéis haviam sido protocolados à Justiça pernambucana na época da invasão dos sem-terra, em um pedido de reintegração de posse.

A compra de direitos de herança é um tipo de transação na qual há uma espécie de reserva de bens que ainda estão pendentes de destinação em um inventário não finalizado na Justiça. Ainda que não signifique a propriedade definitiva do bem, esse tipo de gasto precisa ser informado ao se oficializar uma candidatura.

As informações sobre bens prestadas não são confirmadas pelas autoridades eleitorais. Há ainda certa resistência dos tribunais eleitorais de aplicar punições mais duras em decorrência da omissão de patrimônio nas declarações dos candidatos.

A Folha procurou Lira por meio de sua assessoria e enviou perguntas sobre a declaração de bens, mas não houve resposta.

Lira, principal aliado político do presidente Jair Bolsonaro (PL), é agropecuarista e tem histórico de atuação junto à bancada ruralista.

Outro tipo de propriedade que não aparece nas declarações de bens do deputado neste ano é o seu rebanho. Em 2015, em depoimento em inquérito derivado da Lava Jato, Lira declarou ter posse de 690 cabeças de gado. A última vez que o gado constou especificamente em sua declaração eleitoral de bens, porém, foi em 2006, quando afirmou possuir 240 animais.

No processo de usucapião em Pernambuco, o deputado também anexou laudos genéticos de animais para mostrar que cria gado na área rural contestada.

Em outra ação na Justiça, sobre um litígio em arrendamento de uma propriedade pelo deputado no município de Campo Alegre (a 80 km de Maceió), ele também anexou comprovantes de propriedade de dezenas de animais.

Lira costuma participar de leilões de gado de elite. Só em um desses eventos, promovido em 2019 em Maceió, constavam para venda 12 bovinos nelore puro de origem em nome do deputado.

Em participação em feira de uma associação do setor no ano passado, foi chamado por um dirigente de "um dos maiores criadores de [gado] nelore do Brasil".

Também há cavalos em seu nome em ranking de associação nacional de criadores de raça usada em eventos de vaquejada.

Nos anos 2000, a aquisição de gado por Lira foi investigada no âmbito da Operação Taturana, que apurou desvios de dinheiro público na Assembleia alagoana.

Relatório da Polícia Federal de 2008 afirmou que o deputado lavou dinheiro desviado do Legislativo de Alagoas comprando terras e bois. Levantamento policial com empresas de leilões apontou que ele comprou em gado nobre e cavalos, de 2005 a 2008, R$ 1 milhão (R$ 2,2 milhões em valores corrigidos pela inflação).

Lira tem condenação por improbidade decorrente da Operação Taturana e foi alvo também de denúncia criminal.

Em agosto, reportagem da Folha mostrou documentos que apontam que o deputado alagoano deixou de declarar à Justiça Eleitoral em 2018 a aquisição dos direitos de outras duas fazendas no interior de Alagoas. Os registros mostram que o parlamentar desembolsou na época R$ 728 mil (R$ 955 mil em valores corrigidos).

As duas fazendas, chamadas de Paudarqueiro e Tapera, ficam no município de São Sebastião, a 120 km de Maceió. Na declaração de bens deste ano, as duas propriedades aparecem na lista, mas em valor bem inferior ao informado nos papéis do cartório. Foram declaradas apenas "parte do pagamento" por esses imóveis, no valor de R$ 230 mil.

Os documentos finais concretizando a transação, datados do início deste ano, afirmam que os dois imóveis valem juntos R$ 690 mil. Nessas terras e na fazenda de Quipapá, há centenas de cabeças de gado, conforme constatou a reportagem quando esteve na região em julho.

Dentre o patrimônio declarado pelo deputado, R$ 1,1 milhão é relativo à empresa do deputado, a D'Lira Agropecuária. Esse montante inclui as cotas da companhia, um empréstimo de R$ 756 mil à firma e uma quantia destinada a "aporte para aumento de capital".

O bem mais valioso declarado por Lira é uma casa no município de Barra de São Miguel, no litoral alagoano, onde seu pai, Benedito de Lira, é prefeito. O imóvel foi declarado à Justiça Eleitoral por R$ 1,2 milhão.

O deputado tenta seu quarto mandato consecutivo na Câmara.

A reportagem procurou Lira, mas não houve resposta. Em contato em julho, ele afirmou, sobre seu patrimônio, que adquiriu tudo "dentro da normalidade, com recursos provenientes de quase 40 anos de trabalho e investimentos corretos".

Também disse que uma simples consulta atesta a regularidade fiscal do deputado junto à Receita Federal.


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