PORTO ALEGRE, RS (FOLHAPRESS) - Ao analisar o tortuoso caminho que o levou a vislumbrar a Presidência, mas concorrer à reeleição ao Governo do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB) cita Fernando Pessoa para tergiversar sobre a improdutividade de repensar o passado.
O tucano, em entrevista à Folha de S.Paulo, prefere mostrar a tentativa de reeleição ao eleitorado gaúcho não como prêmio de consolação ou falta de palavra empenhada, como alegam os demais candidatos, mas como uma "missão" de proteger um projeto de governo imune às polarizações.
O passado também cobra do governador o apoio a Jair Bolsonaro (PL) em 2018, algo que ganhou ainda mais nuances depois de o tucano ter revelado ser homossexual, em 2021. Ele promete se posicionar outra vez, mas só em um eventual segundo turno. Até lá, Leite, embora crítico ao presidente, é cuidadoso nos adjetivos.
O candidato Onyx Lorenzoni (PL), segundo colocado na última pesquisa Ipec, foi convidado para ser entrevistado, mas não houve resposta.
PERGUNTA - Caso o senhor vença as eleições, o próximo mandato seria sob o regime de recuperação fiscal, que o senhor é o único candidato competitivo comprometido a manter. Prevê um mandato mais difícil financeiramente do que o primeiro?
EDUARDO LEITE - Seguramente não, eu prevejo um mandato melhor. O Rio Grande do Sul tinha um problema de desajuste fiscal há 50 anos. De 50 anos, em 42 ele gastou mais do que arrecadou. Hoje, isso está em dia. Todas as dívidas de curto prazo estão resolvidas. Permanecem as estruturais: precatórios e com a União. Isso melhora a capacidade de planejamento. Antes o estado vivia para chegar ao mês seguinte. Sempre com o credor batendo à porta.
De qualquer forma, ao longo do mandato, seriam R$ 13 bilhões comprometidos com esse pagamento. Como vai manter as contas em dia sem esse montante?
E. L. - É preciso fazer o exercício inverso: a alternativa ao regime de recuperação fiscal seria voltar a pagar integralmente as parcelas da dívida. A liminar conquistada no governo anterior junto ao Supremo Tribunal Federal contemplava a perspectiva de adesão ao regime. Pois chegou a hora de assinar e o estado se preparou para isso. Só em reestruturação de carreiras, a economia planejada para a década é de R$ 20 bilhões apenas em folha de pagamento.
Os demais candidatos também alegam que o regime amordaça o estado administrativamente.
E. L. - Eles não têm conhecimento do regime, ou não querem ter. Eles dizem é que o regime veta reajustes ou contratações. Não é verdade. O que o regime exige, isso sim, é que haja capacidade fiscal para essas despesas. E é legítimo que haja, pois a União é credora. As nossas despesas suportam as nossas receitas. Claro, desde que não surjam novas situações, como essa do ICMS [lei válida até o final de 2022 que limita alíquota a 17% para produtos e serviços essenciais]. Isso fere qualquer capacidade de planejamento.
A Procuradoria-Geral do Estado estuda uma ação no STF para obter ressarcimento. Seria um caminho no seu governo?
E. L. - Aposto em um caminho de decisão política antes. Em um primeiro momento, a lei prevê compensação dentro da própria dívida, então cerca de R$ 2 bilhões que o estado pagaria da dívida, eventualmente não pagará. Como não é um problema só do RS, há a expectativa de que o Congresso eleito e o presidente eleito desenhem essa compensação.
A coluna Painel, da Folha de S.Paulo, publicou que pretende se manter neutro em um eventual segundo turno presidencial. Por que a decisão?
E. L. - Eu é que devo perguntar à Folha. Nunca fiz essa afirmação. Não tenho que fazer qualquer projeção sobre segundo turno. Nem sei se haverá segundo turno, nem aqui nem no Brasil. Primeiro, eu tenho que estar no segundo turno. Está tudo no campo da hipótese, com o qual eu não trabalho. Eu participei ativamente do processo nacional e a minha participação deixa claro que eu quero mudanças para o país. O meu partido optou pelo apoio à senadora Simone Tebet (MDB), é a minha candidata como alternativa às polarizações. Qualquer tipo de antecipação seria, inclusive, um desrespeito.
Então o senhor promete uma posição.
E. L. - Sim, pretendo me posicionar.
Sobre a sua posição, em 2018 e senhor fez uma escolha por Jair Bolsonaro (PL, à época no PSL). Não era de conhecimento público que o senhor era homossexual. Como se sentiu apoiando um candidato com declarações abertamente homofóbicas e como se sente hoje sobre eventualmente apoiá-lo?
E. L. - Eu acredito que, em 2018, que muita gente que estava votando em Fernando Haddad (PT) também era contra a corrupção. Meu voto no Bolsonaro não significa estar de acordo com o que ele manifestasse ali. Era um segundo turno que nós não queríamos vivenciar e é por isso que eu não quero ver se repetir agora.
Isso no segundo turno, mas antes sua coligação tinha como candidato ao Senado Luis Carlos Heinze (PP), que já havia dito que que gays, índios e quilombolas eram "tudo o que não presta".
E. L. - Sempre marquei frontalmente minhas posições sobre respeito às pessoas, à diversidade. Naquela eleição, meu candidato era Geraldo Alckmin (PSB, então no PSDB). No segundo turno se tornou plebiscitária, com um partido que havia se notabilizado por casos graves de corrupção, que tinha, até aquele momento, condenações na Justiça. De outro lado um candidato com declarações reprováveis, sim, mas que fiz questão de reprovar. Por isso, fiz uma declaração de voto, mas nunca pedi votos. Nunca defendi votos a ele. Nunca fiz campanha.
Qual é o saldo da sua tentativa de concorrer à Presidência?
E. L. - O processo me colocou em contato com os demais estados, ampliou a rede de contatos, entrei mais a fundo em temas de responsabilidade nacional. Acho que terei melhores condições de ser governador após ele.
O senhor faz parecer que foi algo tranquilo, e não um processo traumático que resultou em duas renúncias de governadores e nenhum candidato a presidente.
E. L. - Um aprendizado é que não ocorre apenas a eleição presidencial no dia 2 de outubro. Quando o partido faz uma discussão sobre a candidatura a presidente, ela sofre interferência de outros agentes interessados nas demais eleições.
Se eu vencesse as prévias, João Doria não renunciaria e o Rodrigo Garcia não concorreria ao Governo de São Paulo. Não estou reclamando, mas a prioridade do PSDB de São Paulo foi a eleição de São Paulo. Tanto isso aconteceu que Doria, mesmo escolhido nas prévias, não se viabilizou. A eleição para presidente não levou apenas em conta quem seria o melhor candidato à Presidência.
O senhor faria algo diferente hoje?
E. L. - Há um poema do Fernando Pessoa que diz: "o que seria do irreparável do meu passado se a certa altura eu tivesse me voltado para a esquerda ao invés da direita. Se em certas conversas eu tivesse dito as frases que só hoje elaboro. Seria outro hoje e o universo inteiro seria insensivelmente levado a ser outro também". Então esse "se" não existe. Fica o aprendizado. Ficou para a minha experiência política e que virá em proveito do meu estado.
Ter renunciado ao Governo do Rio Grande do Sul mesmo assim não faz agora que a reeleição pareça ao eleitor uma espécie de prêmio de consolação?
E. L. - Eu não me sentiria confortável concorrendo a governador exercendo o cargo. As tarefas de governo e de campanha se confundem. A decisão de concorrer veio ao perceber que candidatos tanto à esquerda quanto à direita atacam medidas como o regime de recuperação fiscal, e, portanto, o projeto de desenvolvimento estava ameaçado por conta da audiência que essa polarização nacional tomou.
Da mesma forma, não é a polarização que vai decidir?
E. L. - Não vai decidir a eleição quem mais rejeitar o seu oponente, esteja à esquerda ou à direita? Não se trata de estratégia eleitoral. O que penso é: se tem um candidato que poderia ser uma alternativa ao candidato da esquerda ou da direita é quem já é conhecido pela população. As pessoas já sabem minhas posições sobre máquina pública, sobre respeito à democracia, à diversidade. Nunca me viram como governador atacando o adversário como um inimigo a ser exterminado. Eu não preciso ser medido por essa régua.
Qual foi a sua avaliação sobre as manifestações de 7 de Setembro?
E. L. - Lamento que uma data comemorativa para o país tenha adquirido contornos de campanha eleitoral. E também a apropriação de símbolos nacionais. A militância você não segura, mas a liderança do presidente nesse processo é totalmente inapropriada.
Diferentemente de 2018, o senhor admite discutir a privatização do Banrisul. Por quê?
E. L. - Primeiramente, acho importante diferenciar o Banrisul das demais. As privatizações da CEEE, Sulgás e da Corsan se impunham, sob risco do estado ter concessões canceladas. O Banrisul não é uma concessão, tampouco um problema. O debate, a meu ver, não é se precisamos ter um banco, mas sim se precisamos ter três, pois temos o Badesul e o BRDE para fomento. É preciso levar em conta que a lógica do sistema bancário mudou. Hoje, se eu abordar uma pessoa qualquer na rua, é muito grande a chance de ela ter uma conta no Nubank, por exemplo.
E o Nubank faria empréstimos aos servidores públicos do estado caso o governo não pague o décimo terceiro salário, como faz o Banrisul?
E. L. - Você não pode ter um banco para financiar o que o estado não é capaz de fazer em pagamentos. Há questionamentos se é regular isso. O empréstimo do 13º era um produto que os servidores contratavam junto ao Banrisul, e não uma forma de o estado financiar o pagamento do 13º salário. O que o governo estava fazendo era pagar de forma parcelada e com juros.
RAIO-X
Eduardo Leite, 37
Natural de Pelotas (RS), foi vereador e, depois, o prefeito mais jovem da cidade [2013-2016], aos 27 anos. Deixou de concorrer à reeleição e dois anos depois foi eleito governador do estado. Exerceu o mandato até março deste ano, quando, apesar de ter perdido as prévias do PSDB, tentou se viabilizar candidato à Presidência da República, sem sucesso. É formado em direito.
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