BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - À frente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) no momento em que a entidade completa 50 anos e com o Judiciário sob ataque do presidente Jair Bolsonaro (PL), o juiz federal Nelson Alves, 42, afirma que é intolerável que críticas a magistrados se transformem em ameaças ou incitação à violência.

"[Nesses casos] Têm que ser tomadas as providências junto aos órgãos de controle e até junto à Polícia Federal, para que haja proteção dos magistrados", afirma em entrevista à reportagem.

Em sua gestão, uma das prioridades da Ajufe é defender a derrubada da PEC (proposta de emenda à Constituição) dos precatórios, que deu calote em dívidas reconhecidas pelo Judiciário e é questionada no STF (Supremo Tribunal Federal). Ele diz que a emenda gera descrédito à Justiça.

Para ele, a proposta que eleva os salários dos magistrados em 18% é um direito da categoria.

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PERGUNTA - Aliados de Bolsonaro se queixam de ativismo judicial. Mas essa também foi a acusação da oposição no caso da censura das reportagens sobre os imóveis dos Bolsonaros. A Justiça tem excedido suas atribuições?

NELSON ALVES - Não vejo dessa forma. A Justiça decide as demandas que chegam até ela. Lógico [que] algumas têm desdobramentos em que a parte A ou a parte B pode entender que houve um excesso, mas nesses casos há recurso. Nesse próprio caso [imóveis dos Bolsonaros], o ministro André Mendonça decidiu [derrubar a censura].

O Judiciário sempre age mediante algum tipo de provocação, nunca age de ofício [sem provocação]. O juiz não acorda e fala "olha, agora eu vou decidir dessa ou daquela forma", sem ter um pedido.

P - Mas isso aconteceu no inquérito das fake news, foi de ofício.

NA - Se entendeu naquele caso que havia um flagrante, um delito em andamento contra ministros do Supremo. Realmente é uma exceção a essa hipótese. Quando você está diante de um crime em flagrante, não só o juiz, mas qualquer um pode tomar medidas. É muito excepcional, mas é um artigo da Constituição.

P - Vivemos um momento grave de ataque ao Judiciário?

NA - Em alguns momentos você percebe que há algum tipo de excesso na crítica ao Poder Judiciário, mas também acho que os juízes ?de carreira ou aqueles que foram nomeados para o Supremo? têm a exata dimensão de que, durante a sua carreira, sofrerão algum tipo de crítica ou de ataque, numa linha do razoável.

O juiz é uma figura que deve estar mais disposta a enfrentar críticas com tranquilidade. O magistrado tem uma tolerância muito maior a ataques do que a gente pode exigir de alguma outra pessoa da sociedade que não tem a missão de decidir conflitos.

Críticas há, ataques até um certo nível são toleráveis. Mas quando descamba para algo além, que possa envolver violência, ameaça à segurança ou diminuição da personalidade do magistrado, isso é intolerável. Têm que ser tomadas as providências junto aos órgãos de controle e até junto à Polícia Federal, para que haja proteção dos magistrados.

P -Como a Ajufe pretende agir nas eleições no caso de tentativas de descredibilizar o sistema eleitoral

NA - Nós já estamos agindo. Houve algumas manifestações, até em certo momento recorrentes, de descrédito à Justiça Eleitoral e às urnas eletrônicas. A Ajufe sempre muito firme na defesa do Poder Judiciário. Nossas eleições são mediadas pelo Poder Judiciário, pela Justiça Eleitoral, pelo Tribunal Superior Eleitoral e nós temos a firme crença de que há um processo isento da mais alta lisura.

As urnas eletrônicas estão em funcionamento desde 1996 e nunca houve nenhum tipo de impugnação efetiva ou alguma prova contundente de falha. Elas estão aí para análise e para escrutínio de quem quiser fazê-lo. Já houve dezenas ou centenas de testes.

P - A questão dos precatórios tem sido uma prioridade para a Ajufe. Por que a entidade considera que a votação do Congresso é inconstitucional?

NA - A questão dos precatórios é muito grave porque fere a confiança no Judiciário. O precatório é o final do processo judicial, é a hora que o Estado ?seja União ou município? vai pagar. É a hora que vai haver o pagamento do que a pessoa lutou tanto, às vezes anos, dentro da Justiça para receber.

O que fizeram essas emendas constitucionais? Rolaram essas dívidas para [pagamento em] um momento posterior.

Isso gera um descrédito para o Poder Judiciário. Influencia na independência do Poder Judiciário, na regra do cumprimento das decisões judiciais, na efetiva atuação do juiz e, mais do que tudo, fere o direito de propriedade do cidadão brasileiro. Essas emendas constitucionais criaram exceções que são extremamente perigosas.

Pelo andar da carruagem, se mantidos os números de agora, em 2026 nós vamos ter um calote total de quase R$ 230 bilhões, que é um valor estratosférico, muito significativo ?e em alguma hora terá que ser pago. Isso vai gerar um prejuízo muito grande ao Brasil.

P - Como o sr. viu a decisão do Supremo de enviar ao Congresso um aumento salarial de 18% para juízes? Não passa a impressão de que a categoria tem privilégios?

NA - Não se trata de aumento no sentido técnico do termo. Na verdade é uma reposição da inflação e é um direito que, para a magistratura e para todo o serviço público, é garantido pela Constituição.

Eu sou muito defensor de que o juiz seja o primeiro que busque fazer valer o seu direito para que, quando algum pleito da população em geral seja apresentado, ele também defenda com o mesmo vigor e ênfase, o direito previsto na Constituição.

Desde a instituição desse regime de subsídio, em 2005, se houver a correção pelo índice inflacionário mais tímido e prudente, hoje a magistratura tem uma perda nos seus vencimentos na casa de 60%. O encaminhamento do projeto de lei com uma revisão de 18% atenua, de alguma forma, essa perda. Ainda não repõe integralmente. Lógico que a magistratura federal tem todo o conhecimento da realidade brasileira. Nós vamos debater o assunto no Congresso Nacional.

P - Mesmo com a reposição, acha que proposta que prevê reajuste de 5% no vencimento de juízes e promotores a cada cinco anos de serviço é necessária?

NA - A questão da PEC 63 tem um outro vertente, diferente da reposição inflacionária. Diz respeito a uma restruturação da carreira. Hoje nós temos uma ausência de sentido de carreira dentro da magistratura. Aquele juiz que entrou agora tem os mesmos vencimentos daquele juiz que está há 30 ou 35 anos na magistratura. Isso gera algum tipo de perplexidade para alguns órgãos com os quais magistratura conversa, e até com a iniciativa privada.

O que visa essa PEC é trazer essa Justiça a quem fica na carreira e estimular que a cada cinco anos, a cada quinquênio, essa pessoa receba alguma retribuição por causa da experiência acumulada, devolvida dentro da magistratura e para a população. Entendemos como um pleito muito justo.


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