BELO HORIZONTE, MG (FOLHAPRESS) - Tido como um dos principais apoios angariados pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) no segundo turno, o governador reeleito de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), diz que declarações do presidente que colocam em dúvida o resultado das urnas e fazem ataques ao STF (Supremo Tribunal Federal) são impulsivas e inconsequentes, mas que não vê risco à democracia.
"O presidente Bolsonaro é muitas vezes impulsivo nas suas falas, mas nunca vi uma fala fazer um país democrático deixar de sê-lo", afirma.
Em entrevista à Folha de S.Paulo, ele evita críticas ao presidente e compara a gestão de Lula à de "um atleta que tomou anabolizante". "Tivemos uma propaganda falsa que associou o Lula a um período de bonança, que existiu, mas não se sustentou", afirma.
Questionado, Zema admite ter pedido apoio da bancada do PL na Assembleia de Minas em conversas prévias ao aceno ao Bolsonaro e diz que pretende estar com o presidente em evento com prefeitos no estado.
Ele descarta ainda a possibilidade de deixar o Novo, que encolheu no primeiro turno, e diz que o partido estuda fusão com outra sigla como forma de reverter o cenário.
PERGUNTA - O sr. declarou apoio a Bolsonaro no segundo turno. Mas dados do TSE mostram que os candidatos mais votados na maioria das cidades mineiras foram o sr. e Lula. O que ganha com esse apoio a Bolsonaro?
ROMEU ZEMA - O que ganho é a consciência limpa de apoiar o candidato que tem melhores propostas. Minha visão de fazer política é fazer aquilo que agrega para a cidade, estado ou país e não o que agrega para a minha carreira, até porque minha política é pós-carreira. Não tenho nenhum projeto de poder pessoal, de enriquecimento, e estou aqui como governador voluntário, o que me permite atuar com mais liberdade.
P. - Houve condicionantes para esse apoio?
RZ - Alguns aliados dizem que um dos pontos que o sr. teria pedido em conversas foi o apoio da bancada do PL na Assembleia. O que conversamos foi nessa linha. Esse apoio de quem vai exercer o cargo de deputado na direita já é quase que natural devido ao nosso posicionamento, mas reforçamos esse ponto com o presidente, já que tivemos a eleição de nove parlamentares do PL para a Assembleia de Minas.
P. - O sr. quando anunciou o apoio a Bolsonaro disse que tinha algumas divergências com o presidente, mas que era mais alinhado a propostas dele que às do Lula. Que divergências seriam essas e o que mais pesou para essa definição?
RZ - A forma de eu conduzir e enxergar a solução para os problemas de Minas e do Brasil tem uma semelhança de 70% com o presidente e quase nenhuma com o PT. Eu apoiar o PT não faria nenhum sentido. Desde o primeiro dia em que estou como governador tenho sofrido as consequências do que eles fizeram aqui em Minas. Para mim, seria impossível apoiar algo que sempre condenei.
Com o presidente, como toda gestão, não tem ninguém exatamente igual. Ele tem a forma e as preferências dele, e eu as minhas, mas o que queremos é um Estado mais eficiente, queremos as reformas, coisa que o PT quer o contrário, quer desfazer as reformas que tivemos.
P. - A postura do sr. de definir apoio a Bolsonaro não prejudica um diálogo com Lula, caso ele seja eleito?
RZ - Estou deixando muito claras as minhas posições. Não acredito em um presidente que apoia ditaduras na Venezuela, em Cuba, na Nicarágua, e que coloca como equipe uma quadrilha como aconteceu. Espero que ele não seja eleito, e, se for, nosso trabalho em Minas vai continuar. Talvez não tenhamos tantos projetos em comum com o governo federal, mas Minas Gerais é um estado relevante e terei a minha consciência tranquila de ter apoiado a proposta em que acredito.
P. - Hoje Lula está à frente das intenções de voto aqui em Minas. Também ficou à frente no primeiro turno. A que atribui isso e como pretende reverter para o candidato que o sr. apoia?
RZ - Vamos reverter isso lembrando o que aconteceu. Tivemos uma propaganda falsa que associou o Lula a um período de bonança, que existiu, mas que não se sustentou, e que existiu por uma série de coincidências.
Naquele período de 2003-2010, o mundo estava crescendo, o valor das commodities que o Brasil exporta atingiu os maiores patamares da história, o pré-sal foi descoberto, o que também gerou impacto positivo, e definiu-se que o Brasil iria sediar uma Copa do Mundo e Olimpíada. E tudo isso criou uma sensação de que o Brasil estava indo adiante, mas era como um atleta que toma anabolizante. Você aumenta sua musculatura agora e seu desempenho, e daqui a pouco você vai colher problemas renais, cardíacos e hepáticos, que foi a recessão de 2015 e 2016.
As pessoas estão lembrando muito do período bom e não estão associando ao que veio depois.
Conto aqui com o apoio dos parlamentares. Os prefeitos de Minas também são grandes apoiadores, porque ninguém sofreu tanto com o PT quanto os prefeitos de Minas.
P. - O sr. vem falando da gestão do PT, mas já disse em outros momentos que Bolsonaro deixou de fazer reformas e poderia ter feito muito mais por Minas. O que mudou agora?
RZ - O que o PT fez por Minas foi tragédia e desastre. Quando alguém te dá uma facada, é uma coisa. Quando alguém te dá meio prato de comida e você gostaria de um prato de comida, é outra coisa. Talvez a pessoa gostaria de te ajudar e não conseguiu.
Mas o governo Bolsonaro já definiu para o metrô de Belo Horizonte R$ 3,8 bilhões de recursos federais, com R$ 400 milhões do governo do estado. O presidente acabou tendo como eu, que fui governador, que lidar com a pandemia na metade da gestão e em 2022 com o impacto da guerra [na Ucrânia]. Tudo isso atrasa projetos. Também gostaria de ter avançado aqui em Minas em muitas frentes, e não avançamos.
O seu vice diz que seu apoio ao presidente não deve ser um apoio tímido. O presidente tem nova vinda prevista para Minas para o dia 12.
P. - Deve subir no palanque com Bolsonaro?
RZ - O que tenho agendado é que ele viria no dia 14, quando teremos um encontro promovido pela Associação Mineira dos Municípios, com a presença de 500, 600 prefeitos. Dentro do possível, estarei ao lado dele. E, mesmo ele não estando, estarei fazendo divulgação do nome dele sempre que possível.
P. - Bolsonaro frequentemente coloca em dúvida o resultado das urnas, faz ameaças de golpe e ataques ao STF. Como vê essas declarações? RZ - Não há um risco para as instituições e para a democracia diante dessas falas do Bolsonaro? O presidente Bolsonaro é muitas vezes impulsivo nas suas falas, mas nunca vi uma fala fazer um país democrático deixar de sê-lo.
Mas já vi muitos partidos de esquerda que não falam nada enviarem na surdina para o Congresso pautas que restringem a atuação dos meios de comunicação. Isso tenho muito mais temor. E se aliarem a ditadores que fazem isso como alguém que faz um arroz e feijão em casa, que é o que sabemos que existe em Venezuela, Cuba, Nicarágua. Temo muito mais essa proximidade do que esses discursos eloquentes às vezes e inconsequentes.
P. - O sr. não acha então que essas ameaças devem se concretizar?
RZ - Ele está há quatro anos como presidente. Mandou algum projeto mandando calar os meios de comunicação, ou tentando fazer alguma coisa? Não vi nada. Ele fala por indignação, por momento. Mas o presidente, pelo que conheço e estive com ele diversas vezes, é uma pessoa que respeita as instituições. Ele fica irritado muitas vezes com algumas situações, o que acho que é normal para um ser humano que muitas vezes acaba passando pelo que ele passa.
P. - Mas essas declarações por si só já não fragilizam [o diálogo com as instituições]?
RZ - Acabam prejudicando a ele. Já falei com ele: tem hora em que somos obrigados a engolir alguns sapos. Muitas vezes vem até um sapo grande e espinhento. Mas se não engoli-lo vai causar ruído e desgaste maior ainda.
P. - Seu partido, o Novo, elegeu um número muito menor de parlamentares neste ano [de 8, passaram a 3]. Também não atingiu a cláusula de barreira. A que atribui essa situação de o Novo ter encolhido?
RZ - Foi uma eleição atípica. A de quatro anos atrás foi a eleição contra os políticos, e essa foi a eleição da polarização. Tivemos alguns poucos candidatos que foram supervotados e que acabaram carregando via voto de legenda diversos colegas de seus partidos. E consequentemente tivemos candidatos bem votados que não foram eleitos em detrimento daquele que teve a metade.
Esses puxadores de voto nessa eleição tiveram impacto gigantesco e muito superior a outras eleições. E o Novo acabou caindo nessa situação. Como não tivemos nenhum grande puxador de votos, nossa bancada se reduziu. Mas o partido tem plena ciência disso, está atento e deve fazer alguma fusão com outro partido para poder não perder algumas prerrogativas que a cláusula de barreira estipula. E continuo confiante.
P. - Continuarei no Novo, que é um partido que tem propostas, valores, princípios e que zela por uma política ética, e é onde me sinto confortável.
Já sabe qual seria esse outro partido para fusão?
RZ - Ainda não. O presidente [do partido] Eduardo [Ribeiro] está fazendo essas tratativas.
P. - Desde as eleições, alguns influenciadores bolsonaristas têm sugerido o nome do sr. para a Presidência em 2026 com apoio de Bolsonaro. Aceitaria?
RZ - Vamos conversar sobre isso daqui a três anos. Falo que quem fez o segundo andar do prédio tem que estar preocupado em bater a laje do terceiro, e estão me falando do 20º. Vamos falar no momento adequado. Meu foco agora é resolver os problemas de Minas.
P. - Quais devem ser as principais apostas do seu segundo mandato?
RZ - Vamos concluir pelo menos seis hospitais regionais, que são os iniciados cujas obras foram interrompidas há sete ou oito anos. Vamos cobrir todo o estado com o atendimento do Samu e continuar as reformas das escolas.
Fizemos até agora 1.300 e vamos reformar mais 2.000. Já temos 2.500 km definidos de asfalto novo e queremos alcançar 10 mil quilômetros nesse segundo governo. São várias melhorias que teremos, e isso vai acontecer porque agora a casa já está arrumada, diferentemente de quatro anos atrás. Temos muitas dívidas ainda, mas agora administradas.
P. - O sr. citou a abertura de hospitais. Mas seus adversários costumavam dizer na campanha que seria difícil contratar equipes com o regime de recuperação fiscal. Pretende negociar algum tipo de flexibilização com o governo federal para que não haja atrito nesse contexto?
RZ - Infelizmente foi mentira do adversário, tanto é que tivemos direito de resposta. É aquela frase do Churchill: nunca se mente tanto durante uma guerra, antes das eleições e depois de uma pescaria. Isso não existe. Sempre dou como exemplo o seguinte: tenho uma dívida e a opção de pagar dez pagamentos de R$ 1.000 ou 50 de R$ 200. O regime de recuperação fiscal são os 50 de R$ 200. Se eu pago uma parcela menor, meu fluxo de caixa me permite contratar mais ou menos pessoas? Está claro que é mais. Era algo que o adversário queria usar para amedrontar, e não funcionou. Tem sindicato que diz que não pode ter reajuste, mas aí é que posso.
P. - Com o apoio da bancada do PL, como projeta o apoio que terá na Assembleia?
RZ - No seu primeiro mandato, o sr. teve vários atritos e dificuldade em aprovar projetos. No meu primeiro governo tivemos essa dificuldade que começou na campanha, porque fiz uma campanha solo e fui eleito desacompanhado de deputados. Já nessa fui acompanhado de dezenas de candidatos e elegemos um número bem expressivo, o que nos dá uma bancada bem representativa com maioria na Assembleia, o que não aconteceu há quatro anos, quando não tinha essa experiência.
P. - O sr. rebateu na campanha críticas sobre seu aval à mineração na Serra do Curral. Recentemente, vimos que o sr. nomeou para a chefia da Supram [superintendência de meio ambiente] um policial com histórico de ter atuado para mineradoras. Isso não evidencia um conflito de interesses?
RZ - Toda pessoa que trabalha no meu governo tem competência para ocupar o cargo e foi selecionada. O que pode ter acontecido nesse caso foi alguma coincidência, mas qualquer fato irregular vai ser investigado com o maior rigor possível.
RAIO-X
Romeu Zema Neto, 57
Atual governador de Minas Gerais, foi reeleito com 56,18% dos votos no primeiro turno das eleições deste ano. Natural de Araxá (MG), é formado em administração pela Fundação Getúlio Vargas e dono do Grupo Zema, que tem negócios nos ramos de varejo e combustíveis, entre outras áreas.
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