SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Uma empreiteira ligada a familiares de um ex-líder do governo Bolsonaro é uma das suspeitas de integrar um cartel de empresas de pavimentação que teria fraudado licitações da estatal federal Codevasf no valor total de mais de R$ 1 bilhão, segundo auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União).
A investigada é a construtora baiana Liga Engenharia, cujo dono tem elos familiares com o senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE).
A empresa teria combinado dividir licitações da superintendência pernambucana da Codevasf com outras três empresas, além de ter apresentado propostas de fachada em outras concorrências da estatal federal, de acordo com o TCU.
A regional da Codevasf em Pernambuco é sediada em Petrolina (712 km de Recife), reduto eleitoral de Bezerra Coelho que recebeu mais de R$ 300 milhões em emendas e transferências extraordinárias apadrinhadas pelo senador apenas nos dois primeiros anos da gestão Bolsonaro.
A Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) foi entregue pelo presidente Bolsonaro ao controle do centrão em troca de apoio político.
A Liga Engenharia tem como um de seus sócios Pedro Garcez de Souza, cunhado de um sobrinho de Bezerra Coelho.
A construtora já havia sido alvo de apurações da CGU (Controladoria-Geral da União) e do TCU, incluindo uma licitação na qual todas as suas 18 concorrentes haviam sido desclassificadas até que ela vencesse a disputa.
O caso pernambucano é emblemático sobre a suspeita do TCU de cartel do asfalto e teve destaque na auditoria do tribunal por mostrar como supostamente ocorria a divisão de mercado por membros do esquema.
No fim do ano passado, a superintendência da Codevasf em Pernambuco dividiu as obras de pavimentação por regiões e fez licitações para cada uma delas.
As disputas foram feitas por meio de uma forma simplificada de concorrência chamada pregão eletrônico, que ocorre de modo online.
Os auditores do TCU analisaram cada lance dos pregões e chegaram à conclusão de que houve uma combinação entre empresas do cartel do asfalto para dividir o bolo das obras e para que elas não tivessem descontos significativos concedidos pela administração pública, aumentando assim os lucros das empreiteiras.
Em quatro lotes examinados, quatro empresa foram ganhadoras: a Liga Engenharia, a empreiteira maranhense Engefort, suspeita de ser a líder do cartel, e as construtoras baianas Sanjuan Engenharia e CBS (Construtora Bahiana de Saneamento).
Os pregões foram relativos à pavimentação nas regiões metropolitana, zona da mata, agreste e sertão de Pernambuco.
Após montarem quadros nos quais detalharam o "comportamento das empresas" nos pregões, os auditores apontaram "indícios de rodízio de lances para dividir as quatro licitações entre as quatro licitantes, o que teria sido acompanhado de supressão de propostas e propostas fictícias ou de cobertura".
"Também se configura rodízio de propostas entre as vencedoras daqueles certames", completaram.
O que mais chamou a atenção foram os baixos valores dos descontos oferecidos pelas empresas ganhadoras das licitações: 0,77% (Engefort), 3,41% (Sanjuan), 4,05% (CBS) e 11,33% (Liga).
Outro padrão indicativo da ação cartelizada foi o de que, "em cada licitação, a suposta disputa ocorreu somente entre a empresa vencedora e a Engefort. As demais empresas não deram lances, ou deram lances não competitivos", segundo a auditoria do TCU.
Após a publicação em abril de uma série de reportagens da Folha de S.Paulo sobre o fato de a Engefort ter dominado as licitações da Codevasf em 2021 e usado uma empresa de fachada em parte dos pregões eletrônicos, o contrato da empreiteira com a Codevasf relativo à região metropolitana de Recife, no total de R$ 61,5 milhões, foi encerrado.
À época, a Codevasf afirmou que "a empresa vencedora [Engefort] alegou não ter condições de executar o contrato" e que a rescisão foi amigável.
O contrato então foi repassado para a segunda colocada na licitação de 2021, exatamente a Liga Engenharia, agora suspeita de ser sua parceira da Engefort no suposto cartel do asfalto.
Empresas negam irregularidades e dizem cumprir a lei Procurados pela Folha de S.Paulo, a Liga Engenharia, a construtora CBS e o senador Fernando Bezerra Coelho não se manifestaram.
A Engefort afirmou que nunca combinou preços com empresas concorrentes e que jamais atuou para fraudar qualquer licitação.
"Tendo em vista que a Engefort não exerce nenhuma gestão quanto às decisões de empresas concorrentes nas licitações públicas e respectivos pregões, não pode ser imputado a esta a responsabilidade quanto à margem de desconto ofertado por suas concorrentes, nem tampouco lhe pode ser exigido tais explicações", disse.
Segundo a empreiteira maranhense, "em todos os processos licitatórios que participou e foi vencedora, o fez de forma regular, cumprindo rigorosamente o que determina a lei".
A Sanjuan Engenharia afirmou que as licitações das quais participou em 2021 foram realizadas mediante pregão eletrônico com ampla divulgação, "sendo impossível saber quais empresas iriam concorrer, muito menos o preço a ser apresentado".
"A empresa e seus dirigentes não possuem qualquer relação com as demais empresas participantes", disse.
"Desconhecemos os motivos pelos quais as outras empresa deram desconto pequeno, talvez pelo aumento excessivo do CAP (Cimento Asfáltico de Petróleo), item com peso de mais de 50% do custo destes serviços, além do aumento de preço dos demais itens como o combustível", completou.
A Codevasf afirmou que "o processo administrativo instaurado pelo TCU --do qual a Codevasf não é alvo -investiga suposto indício de fraude e atuação coordenada de empresas privadas que participaram de certames realizados pela companhia".
"A competência para conduzir investigações do gênero pertence a órgãos de fiscalização e controle, com os quais a companhia mantém postura de cooperação permanente. Ao final do processo, o TCU poderá promover a responsabilização das empresas investigadas caso sejam constatadas irregularidades", de acordo com a estatal.
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