SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Na eleição que opõe Fernando Haddad (PT) e Tarcísio de Freitas (Republicanos) em São Paulo e Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL) em Brasília, Ana Estela Haddad, 56, mulher do ex-prefeito, diz ver "uma certa guerra de valores" e um conservadorismo sem "tanta coerência quanto o discurso quer fazer crer".
Professora titular da Faculdade de Odontologia da USP, Ana Estela carrega o nome Haddad do pai e se casou há 34 anos com o também descendente libanês com o mesmo sobrenome.
Depois de falar com a Folha de S.Paulo, ela estreou no programa eleitoral na quarta-feira (12), dia de Nossa Senhora de Aparecida e Dia das Crianças, já que se dedica à infância como docente e gestora pública.
Por coincidência, o programa de Tarcísio exibido no mesmo dia, com o tema mulheres, teve a participação de Cristiane Freitas ?ela negou dar uma entrevista à Folha de S.Paulo.
MULHERES E FAMÍLIA
Atuante nos eventos e na formulação do plano de governo, Ana Estela diz ser positiva a participação das mulheres nas campanhas como candidatas ou companheiras. Ela afirma que houve um esforço para ter uma vice mulher, a professora Lúcia França (PSB), esposa de Márcio França (PSB).
Na sua avaliação, a família é às vezes exposta de maneira artificial, mas considera importante conhecer os candidatos como um todo ?"na sua trajetória, como ele age com as mulheres na sua vida pessoal".
"Como a gente vive um momento em que há uma certa guerra de valores, tem alguns valores bastante conservadores que são colocados, mas, se for olhar bem de perto, não se vê tanta coerência quanto o discurso quer fazer crer", completa.
Ana Estela foi assessora no Ministério da Educação durante o governo Lula, mas teve que deixar a pasta quando o marido se tornou ministro ?ela migrou para a Saúde e enumera as políticas públicas das quais participou, como Prouni e telessaúde.
"No começo, quem não me conhecia, achava que eu estava nos espaços por causa de ser esposa dele ou se referiam a mim como esposa dele, o que me incomodava", diz.
BOLSONARO E FAKE NEWS
A professora diz que a força eleitoral de Bolsonaro não está inabalada ?Lula terminou o primeiro turno à frente, mas, em São Paulo, Tarcísio foi o líder e é favorito.
"Vejo uma consciência e uma indignação de boa parte da sociedade com tudo que a gente viveu no atual governo. Não é o PT que está disputando as eleições, é uma ampla frente democrática", afirma, mencionando alas do PSDB, além de Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB).
"Basta andar na rua para ver a situação, entrar no supermercado e ver o preço das coisas. Será que o país aguenta mais quatro anos desse jeito, o que vai sobrar?", questiona.
Ana Estela afirma que as fake news pegaram a sociedade e as instituições de surpresa há quatro anos e que o desafio permanece apesar de as pessoas terem mais consciência.
Ela compartilhou um vídeo que relembra o sequestro das poupanças por Fernando Collor (PTB) e mostra o apoio de Tarcísio ao ex-presidente. "Não podemos deixar que isso aconteça novamente", escreveu. A esquerda tem difundido que Collor pode ser ministro de Bolsonaro, apesar de não haver indicação disso.
"O Tarcísio é menos conhecido e às vezes as pessoas não associam com quem ele está. [?] A direita faz fake news até não poder mais, aí quando sai, não bem fake news, mas uma coisa que eles não disseram ou que pode ser concluída, induzida, eles já ficam? Difícil provar do próprio veneno né?", justifica.
TARCÍSIO
Uma vitória de Tarcísio seria a importação do projeto Bolsonaro, "levando a uma destruição do que ainda se tem preservado em São Paulo". A professora lista conquistas das universidades e do Instituto Butantan na pandemia.
"Um governo que fez o que fez com a universidade, com a Capes, com o CNPq, vai ter uma postura completamente diferente em São Paulo por quê?", questiona.
"Tarcísio é bem menos conhecido e bem menos testado. Fernando é um gestor experimentado. Para quem parar um pouquinho e observar, não resta dúvida de que Tarcísio é completamente aderente ao Bolsonaro."
SÃO PAULO
O casal encara a quarta eleição desde 2012 com um passivo de seguidas derrotas ?em 2016, na tentativa de reeleição para a Prefeitura de São Paulo, e em 2018, quando Bolsonaro venceu o segundo turno do pleito presidencial.
Sobre a aversão ao PT caracterizar o estado, onde a esquerda nunca venceu e onde Lula perdeu no dia 2, ela diz que "São Paulo está na região sudeste, pintada de azul, mas é bastante diverso".
"Os partidos não migraram em massa para Tarcísio. Migraram aqueles que têm a característica de serem extrema direita. O próprio PSDB se descaracterizou completamente. O MDB é um partido de contradição e nuances. Temos um grupo do MDB de mulheres que tem uma agenda marcada com a gente", diz ela.
Ana Estela menciona a vitória de Haddad na capital, neste primeiro turno, por 44,4% a 32,6%, e diz que houve uma compreensão da gestão do marido, sem deixar de listar as adversidades de outras eleições, quando o ex-prefeito perdeu na cidade.
Entre o impeachment de 2016 e a prisão de Lula em 2018, no ano de 2017, quando o PT estava combalido, Ana Estela se filiou. "Foi um ato de resistência, de reafirmar o que eu acredito."
PRIMEIRA-DAMA
Depois do São Paulo Carinhosa, programa de proteção à infância que implantou como primeira-dama da capital, Ana Estela diz que, se Haddad for eleito, pretende atuar com esse tema, unindo saúde e educação, como presidente do Fundo Social, papel que cabe tradicionalmente à primeira-dama paulista.
"Tenho percorrido espaços e experiências que a dona Lu [mulher de Geraldo Alckmin] desenvolveu. Ela fez um trabalho muito bonito de educação profissional. Uma das coisas talvez seja recuperar esse trabalho, que a gente tem observado que se perdeu", diz ela.
"O futuro a gente não sabe, mas no presente, eu amo o que eu faço. É a minha identidade, eu me sinto dentista, me sinto odontopediatra, me sinto professora. Nem sei se eu sei viver sem fazer isso", afirma sobre a possibilidade de concorrer nas urnas.
RELIGIÃO
Criada por uma mãe religiosa, casada na Igreja Católica e com dois filhos batizados, Ana Estela diz que sua família tem uma proximidade natural com a religião.
"O que a gente não concorda, nunca fez e nunca fará, é misturar a religião com a política, no sentido de usar a religião para um discurso político, o que tem acontecido de forma ostensiva e acredito que prejudicial, porque as pessoas estão sendo manipuladas", afirma.
Na quarta, o casal esteve com Alckmin e Lu na missa da Paróquia da Nossa Senhora Aparecida em Itaquera, zona leste. Ana Estela diz ser diferente manter uma relação com religiosos e comparecer a esses compromissos do que ver pastores pedindo votos.
Ela esteve no santuário de Aparecida durante uma viagem de campanha com dona Lu, em agosto, e foi sozinha, em junho, agradecer por ter sido aprovada como professora titular na USP.
ABORTO
Ana Estela diz que a pergunta sobre descriminalizar o aborto, algo que Lula disse ser contra em vídeo recente, está mal formulada e não responde se é favorável. O tema não cabe ao Executivo, argumenta, dizendo que o papel do governo é tomar medidas de planejamento familiar, educação e combate ao abuso de adolescentes.
A professora compartilhou nas redes a opinião de que a esquerda não deve embarcar em fake news ou na pauta conservadora, mas ressalva que não cabe a ela julgar o rumo das campanhas.
"Quando entramos numa disputa política, a gente tem que fazer valer a nossa pauta. Ceder à agenda conservadora e ter que responder a uma agenda que não é a nossa, é ruim. Eu não colocaria um tema desse em pauta porque não cabe, não faz sentido."
RAIO-X
Ana Estela Haddad, 56
Professora titular da Faculdade de Odontologia da USP, instituição onde fez graduação, mestrado e doutorado. É vice-coordenadora da Escola da Metrópole, do Instituto de Estudos Avançados da USP, e representante da rede latino-americana para a infância Horizonte Cidadão, criada por Michelle Bachelet. Atuou nos ministérios da Educação e da Saúde. É mãe de Frederico, 30, e Ana Carolina, 22.
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