BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O presidente do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), Alexandre Cordeiro, enviou um ofício à Superintendência-Geral do órgão nesta quinta-feira (13) determinando a abertura de uma investigação contra institutos de pesquisa.
O ofício foi recebido como uma representação convencional porque, segundo técnicos do Cade, o presidente do órgão não tem a competência de impor a abertura de investigações.
Cordeiro, que é ligado ao ministro da Casa Civil do governo Jair Bolsonaro (PL), Ciro Nogueira, afirma que os institutos podem ter atuado como um cartel para "manipular" as eleições.
Para determinar a abertura do inquérito, o presidente do conselho considera somente as diferenças nos números das pesquisas de intenção de voto em dias anteriores ao da eleição e o resultado do primeiro turno.
Ele diz que é "absolutamente improvável" que diversos institutos de pesquisa independentes cometam o que ele diz ser o mesmo erro de amostragem.
"A discrepância das pesquisas e do resultado é tão grande que verificam-se indícios de que os erros não sejam casuísticos e sim intencionais por meio de uma ação orquestrada dos institutos de pesquisa na forma de cartel para manipular em conjunto o mercado e, em última instância, as eleições", disse Cordeiro.
"Sendo assim, realizei algumas análises preliminares de probabilidade do resultado e da independência das ações dos institutos na produção de pesquisas eleitorais no primeiro turno da disputa eleitoral para Presidência da República. O intuito aqui é efetivamente verificar se as suspeitas levantadas têm fundamento técnico e justificam uma investigação pela autoridade antitruste", complementa.
Consultado, o superintendente do Cade, Alexandre Barreto, não quis comentar. Técnicos, no entanto, explicaram que, a partir de agora, o caso será distribuído internamente para que o mérito seja analisado.
O Cade é o órgão responsável pela defesa da concorrência no país. Atua em casos de compra e venda de empresas para evitar concentração de mercado, apura denúncias de abusos de poder econômico e contra a formação de cartel, tanto na esfera privada quanto na pública (em licitações, por exemplo) ?ambos casos de infração à ordem econômica.
Os processos são sempre instruídos pela Superintendência-Geral, a porta de entrada de empresas e denunciantes no Cade. É esssa área técnica que prepara cada processo, seja de concentração (compra e venda de empresas, por exemplo) ou para apurar infrações (que preveem punição por supostas infrações à ordem econômica).
Quando os processos estão prontos, são enviados ao Cade, tribunal formado por sete conselheiros e presidido por Alexandre Cordeiro de Macedo. Cabe a esse conselho julgar os casos enviado pela superintendência.
A Folha de S.Paulo apurou que, inicialmente, técnicos do órgão não viram materialidade na representação de Cordeiro e afirmam que, ainda que houvesse conluio entre os institutos para uma suposta manipulação de resultados, as empresas não teriam cometido infração à ordem econômica.
Ainda segundo eles, não há na representação enviada pelo presidente do Cade elementos que evidenciem, na prática, a combinação de um cartel, a divisão do mercado com o acerto entre eles dos clientes que contrataram as pesquisas. São esses elementos que justificariam a abertura de uma investigação.
O inquérito pedido no Cade é para investigar os institutos Ipec, Datafolha e Ipespe.
"O Cade tem função de proteger a livre concorrência. Não vejo como pesquisas eleitorais possam violar esse princípio. Não há infração à ordem econômica numa pesquisa eleitoral", afirma Taís Gasparian, advogada da Folha.
Segundo ela, as pesquisas e sua divulgação são permitidas, e os institutos seguem a legislação ao registrarem os levantamentos. "Todos esses documentos são públicos. Ou seja, não há nem o que ser investigado", diz.
Em nota, o Ipec disse que "lamenta mais essa iniciativa contra os institutos de pesquisa, que apenas cumprem o seu papel de mensurar a intenção de voto do eleitor, baseado em critérios científicos e nas informações coletadas no momento em que as pesquisas são realizadas".
Segundo o instituto, o fato de os levantamentos coincidirem "apenas demonstram a adoção de princípios estatísticos e modelos que suportam a atividade de pesquisa".
O Ipec diz ainda pautar "a sua conduta profissional e empresarial em princípios éticos" e que "repudia veementemente ações baseadas em teorias que querem confundir e induzir a sociedade à desinformação, com o claro propósito de desestabilizar o andamento das atividades de pesquisa".
No documento enviado à Superintendência-Geral do Cade, Alexandre Cordeiro diz que o fato de os três institutos mostrarem resultados próximos "levanta suspeita a respeito da independência" das empresas.
"No caso em questão, verificam-se, por tudo que foi narrado, indícios de que institutos de pesquisa concorrentes possam estar agindo em conluio ou ao menos trocando informações sensíveis, condutas essas que podem ser enquadradas nos tipos administrativos definidos como cartel, indução de conduta comercial uniforme e/ou troca de informação sensível."
O ofício foi incluído no SEI (Sistema Eletrônico e Informações) do Cade às 13h21 desta quinta. O documento, no entanto, foi alterado às 16h07. A versão mais recente acrescenta apenas as cores verde e amarela nas tabelas.
Alexandre Cordeiro era chefe de gabinete de Ciro Nogueira e foi escolhido por Bolsonaro para assumir a presidência do Cade por indicação do ministro. Ciro é um dos políticos mais influentes no governo Bolsonaro. Desde o fim do primeiro turno, ele tem defendido um boicote contra institutos de pesquisa.
A proximidade de Ciro Nogueira e Alexandre Cordeiro teve destaque no relatório em que a Polícia Federal indiciou o ministro do governo Bolsonaro sob suspeita de corrupção e lavagem de dinheiro, em abril.
O documento detalha uma conversa gravada em 2017 entre Ciro e os empresários Joesley Batista e Ricardo Saud, ambos da J&F.
Na gravação, Ciro chama Cordeiro de "meu menino", diz que é um dos "seus" no Cade e afirma que não poderia "perder essa influência" no conselho.
"Um cara de bom senso. Meu menino, ele era meu chefe de gabinete, eu botei ele lá [no Cade]... E ele conseguiu se entrosar lá", disse o ministro.
No Congresso, aliados do presidente Jair Bolsonaro também têm feito uma ofensiva para tentar desacreditar os institutos com argumentos que ignoram características de pesquisas eleitorais.
A tese defendida pelo grupo político liderado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é que institutos devem acertar o resultado das eleições, desconsiderando que pesquisas eleitorais medem declaração ou intenção do eleitor no dia da sondagem ?não o efetivo voto dado no pleito.
Nesta semana, a Abep (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa) solicitou acesso ao pedido de inquérito feito pelo Ministério da Justiça relacionado às pesquisas eleitorais.
A associação que representa as empresas do setor tomou a medida após a pasta do governo Bolsonaro encaminhar à PF pedido de abertura de inquérito sobre a atuação dos institutos de pesquisas eleitorais no pleito deste ano.
O objetivo da solicitação de acesso, segundo a Abep, é acompanhar as diligências e colaborar com o esclarecimento de qualquer questão acerca das atividades de seus membros e associados.
Na última semana, o líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), apresentou um projeto de lei para criminalizar a publicação de pesquisas, nos 15 dias que antecedem a eleição, que não acertem o resultado do pleito. A pena, segundo o texto, será de quatro a dez anos de prisão.
Com o cerco contra os institutos, o Datafolha esclareceu que não é objetivo das pesquisas eleitorais antecipar o resultado da eleição.
"Cada pesquisa é a fotografia de um determinado momento. O resultado final é só na urna", disse Luciana Chong, diretora do Datafolha, no começo deste mês.
Ela refuta a tese de que tenha havido algum tipo de erro metodológico. Para Chong, é bastante provável que tenha emergido nas horas antes das eleições um voto útil pró-Bolsonaro oriundo dos eleitores que antes declaravam preferência por Simone Tebet (MDB) e, principalmente, por Ciro Gomes (PDT). O temor de que Lula fosse eleito no primeiro turno pode, segundo ela, ter contribuído para esse comportamento.
"As pesquisas eleitorais medem a intenção de voto no momento em que são feitas. Quando feitas continuamente ao longo do processo eleitoral, são capazes de apontar tendências, mas não são prognósticos capazes de prever o número exato de votos que cada candidato terá", disse a direção do Ipec, em nota também no começo de outubro.
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