SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A corrida por votos no segundo turno da eleição fez Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL), candidatos à Presidência, invadirem cada um o território do oponente em busca de eleitores indecisos ou incertos de suas escolhas no primeiro turno.
No horário eleitoral, o atual presidente tenta mudar sua imagem. Bolsonaro suavizou o tom de suas declarações agressivas e pediu desculpas pelas suas palavras. Programas inteiros do candidato do PL foram dedicados ao Nordeste e às mulheres.
Uma das peças diz que as deputadas mais votadas do país são mulheres que o apoiam. Entre elas, a indígena Silvia Waiãpi (PL).
"Esse sim é o verdadeiro Brasil de inclusão, onde mulheres negras, mulheres quilombolas, indígenas, ribeirinhas, as mulheres do campo e da floresta podem ter voz. Em um governo que defende as mulheres e que defende a igualdade entre todos os povos", afirmou a deputada federal eleita em um corte para o programa.
Já o PT diminuiu a aparição da cor do partido após sugestão da senadora Simone Tebet (MDB), exibiu entrevistas com evangélicos e divulgou um vídeo em que Lula diz ser a favor da vida. "Não só eu sou contra o aborto, como todas as mulheres com quem eu casei são contra o aborto", afirma o petista na peça.
Foi para a TV também a fala do papa Francisco sobre o ódio e a violência no Brasil. A declaração do pontífice foi feita durante a audiência geral na praça São Pedro, no Vaticano.
Fora do horário eleitoral, Lula divulgou uma carta a evangélicos em evento do último dia 19 com representantes de igrejas, em São Paulo. Nela, o político afirma que "o lar e a orientação dos pais são fundamentais na educação de seus filhos, cabendo à escola apoiá-los dialogando e respeitando os valores das famílias, sem a interferência do Estado".
No primeiro turno, a população do Nordeste deu 67% dos votos ao petista, contra os 26,8% que o atual mandatário conquistou. Entre evangélicos, Bolsonaro aparece na frente com 66% das intenções de voto, segundo pesquisa Datafolha divulgada nesta sexta-feira (28). Lula tem 34%. O mesmo levantamento apontou que 52% das mulheres declaram voto no petista e 41%, em Bolsonaro.
A proximidade das taxas de intenção de voto entre os dois candidatos estimula a tática nas campanhas, diz Paulo Paiva, professor associado da Fundação Dom Cabral. "A disputa está voto a voto", afirma. Segundo pesquisa do Datafolha divulgada na última sexta-feira (14), Lula tem 49% das intenções de voto, ante 44% de Bolsonaro.
O fato de ser uma eleição entre duas pessoas que já ocuparam a Presidência, segundo o professor, faz a disputa ser mais dura --ambos os candidatos têm um público cativo, mas também uma taxa de rejeição alta. Ao Datafolha 50% dizem não votar em Bolsonaro de forma alguma, contra 45% em Lula.
"Nós estamos em uma eleição do medo. Excluídos os militantes bolsonaristas e de partidos de esquerda, o resto da população brasileira está votando contra quem não quer", afirma o professor.
A estratégia dos candidatos não é nova. Em 2018, por exemplo, a campanha do PT tirou o vermelho do material de campanha no segundo turno e colocou as cores da bandeira do Brasil --adotadas pelos apoiadores de Bolsonaro nos últimos anos. Em uma disputa menos acirrada, Bolsonaro não fez naquele ano tantos acenos ao público oponente.
Embora os candidatos invadam as pautas um do outro, eles ainda tentam marcar presença entre seus públicos tradicionais.
Após Bolsonaro citar a taxa de analfabetismo no Nordeste para tentar explicar a desvantagem na região, Lula afirmou que quem tiver uma gota de sangue nordestino não pode votar no presidente. O candidato do PL, por sua vez, exibiu um programa inteiro contra a liberação de drogas.
A tentativa de Bolsonaro de aproximar sua imagem das minorias esbarra no seu passado. Na aba "envios que fazem sucesso", de seu canal de YouTube, o primeiro vídeo é de uma entrevista de 2014. Nela, o atual presidente fala, por exemplo, que "minoria tem que se calar, se curvar à maioria" e que "a única coisa boa do Maranhão é o presídio de Pedrinhas".
O xadrez político em torno da agenda do liberalismo nos costumes teve mudanças drásticas nos últimos 40 anos.
Direitos políticos e civis foram consolidados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, como uma plataforma transversal a diferentes ideologias após a 2ª Guerra Mundial. A esquerda abraçou essa agenda de forma mais enfática na década de 1990, por uma conjuntura econômica.
"Os partidos mais à esquerda, trabalhistas na Inglaterra ou Democrata nos Estados Unidos, tinham uma pauta basicamente corporativa, sindical", afirma Paiva. O avanço do liberalismo econômico após o fim da Guerra Fria, porém, fez essas siglas se reinventarem em todo o mundo.
"Não havia mais espaço para uma pauta sindical pura. A economia mudava, estava em um processo de integração internacional. As mudanças tecnológicas reduziram o peso do emprego puramente repetitivo, que foi substituído por atividades mais intelectuais e do setor de serviço", afirma. A base do partido, portanto, perdia adeptos.
Nessa época, quando sucederam políticos de direita, siglas de esquerda deram continuidade a políticas econômicas liberais e "incorporaram as pautas civilizatórias", diz Paiva. Pautas progressistas e de defesa de direitos humanos, então, ganharam peso na agenda dos partidos de esquerda na Europa e nos EUA, o que foi replicado no Brasil.
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