SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Luiz Inácio Lula da Silva (PT) terminou o primeiro turno na frente, mas Jair Bolsonaro (PL) sai mais fortalecido do que se imaginava, o que deixa o segundo turno ainda indefinido, diz a cientista política Luciana Veiga.

Enquanto Lula obteve pouco mais de 48% dos votos válidos, Bolsonaro ficou com perto de 43%, percentual superior ao que sugeriam as pesquisas de intenção de voto. Para Veiga, esse resultado afeta de forma negativa a campanha petista e de forma positiva a do atual presidente.

Além disso, diz ela, a correlação de forças nos estados, no Senado e na Câmara dos Deputados aponta para um sucesso da agenda conservadora, o que representa mais um vetor a favor de Bolsonaro.

"Havia uma expectativa de que a avaliação negativa do governo federal fosse ser considerada na hora da eleição. Ou seja, que os eleitores voláteis fossem preterir valores ao desempenho", diz ela. "E o que se verificou foi que os valores prevaleceram."

Para Veiga, que é presidente da Associação Brasileira de Ciência Política, o desempenho do bolsonarismo não oferece ao presidente nenhum estímulo rumo à moderação no segundo turno. Quanto a Lula, ela diz que o empenho será em ampliar ainda mais a frente de alianças.

PERGUNTA - Qual é a expectativa para o segundo turno?

LUCIANA VEIGA - A primeira coisa é que Bolsonaro sai muito mais forte do primeiro turno do que as pesquisas apontavam. Não só no que se refere à sua própria intenção de voto como também se olharmos para os resultados nos governos estaduais, no Senado e na Câmara dos Deputados. De forma que é uma correlação de forças que coloca Lula em situação muito próxima de Bolsonaro, e antes se imaginava que Lula ganharia no primeiro turno ou que teria vantagem confortável.

Para o segundo turno, Lula precisa, mais do que nunca, se associar, buscar apoio na Simone Tebet (MDB) e no que ainda houver do Ciro Gomes (PDT). Por sua vez, Bolsonaro vai buscar apoio do Romeu Zema (Novo), reeleito em Minas Gerais, contar com o apoio do Tarcisio de Freitas (Republicanos), em São Paulo -que se imaginava que iria para o segundo turno numa segunda colocação--, e Cláudio Castro (PL) já reeleito governador no Rio.

Algum deles é favorito?

L. V. - A votação mostra Lula em primeiro lugar, mas com uma liderança não muito grande. E tem uma correlação de forças que ou neutraliza ou muda a expectativa de que Lula passaria muito forte. Havia uma expectativa que não se efetivou. Isso, somado ao desempenho forte do bolsonarismo no Congresso e nos estados com as maiores populações, passa uma sensação de frustração. Esse aspecto psicológico pesa na campanha.

Eu não diria que Bolsonaro sai mais forte. Ele sai mais fortalecido do que se esperava, e isso dá alguma vantagem para ele. Ele trás uma força nessa reta final, uma curva ascendente que o favorece psicologicamente na disputa.

Mas a disputa está indefinida.

O que explica o desempenho de Bolsonaro acima do que as pesquisas conseguiam indicar?

L. V. - Havia uma expectativa de que a avaliação negativa do governo federal fosse ser considerada na hora da eleição. Ou seja, que os eleitores voláteis fossem preterir valores ao desempenho. Ou seja, se o governo tem avaliação ruim, é porque há insatisfação com as políticas, com a realidade da pandemia, da economia. Não é que o eleitorado tivesse ficado menos conservador nos costumes.

E o que se verificou foi que os valores prevaleceram. E por que não dizemos que a pesquisa errou e que o desempenho estava bem avaliado? Pela maneira como se elegeram governadores, senadores e a Câmara dos Deputados. A questão dos valores, do conservadorismo, das redes que ativam o conservadorismo, se mostrou muito forte ainda.

Costuma-se dizer que o segundo turno tende a moderar candidatos mais extremados. Isso também deve acontecer agora?

L. V. - O que Bolsonaro fez foi manter uma atitude mais de direita, e essa atitude saiu vitoriosa nesse primeiro turno. Não há muito incentivo para ele buscar moderação. Mas há incentivo para ele reforçar apoio nesses que foram bem-sucedidos nos estados. É um discurso meio prático, na linha de buscar o eleitor que diz "va mos votar no candidato que se alinha ao governo do estado".

Lula vai continuar o que já estava fazendo, agora ampliando a frente democrática, tentando ampliar apoios no Nordeste e no Norte, assim como Bolsonaro vai fazer no Sudeste. Agora é hora de todo mundo tentar otimizar suas redes estaduais para fazer voto.

Lula montou um arco de alianças muito amplo já no primeiro turno. Quanto ele estará vinculado a esses compromissos durante seu governo?

L. V. - Em 2002, Lula assinou a "Carta ao Povo Brasileiro" e fez uma associação com [o empresário José Alencar], dizendo que as pessoas poderiam confiar no governo dele. O que ele faz agora é mais ou menos nesse mesmo sentido.

Quando ele traz o [Geraldo] Alckmin, que tem sua capilaridade no interior de São Paulo, é como se fosse a ideia da moderação. O significado de ter Henrique Meirelles na foto é resgatar aquela estabilidade, aquela política econômica do primeiro mandato do governo Lula. Quando traz Marina Silva para o palanque, que foi um ícone do meio ambiente do primeiro governo, ainda mais num cenário em que essa é uma das debilidades do governo Bolsonaro...

O que Lula faz é tentar avançar para além da esquerda, mas com ícones que dão certa garantia, porque eles já estiveram presentes no passado. Por mais que o contexto hoje seja diferente, se ele comunica essa atitude, talvez ele possa contemplar boa parte da expectativa.

Os últimos anos foram marcados por uma ascensão do antipetismo no país, tanto pelo impulso da Lava Jato e do impeachment de Dilma Rousseff (PT) quanto por razões ligadas à economia. O que explica que Lula tenha obtido essa votação tão elevada?

L. V. - Nas pesquisas de 2018, quando os institutos ainda inseriam o nome do Lula, mesmo quando ele estava preso havia dois meses, ele tinha 30% dos votos, e o Bolsonaro, 17%. Já era um momento de antipetismo muito forte, inclusive entre as pessoas mais pobres. E Lula, a despeito disso, ganhava de Bolsonaro num possível segundo turno. Historicamente, a adesão a ele vai muito além da preferência pelo PT.

De lá para cá, o PT resgatou um pouco da afetividade e chegou a 24% de preferência entre os eleitores. O antipetismo é até maior, 29%, mas começar uma eleição com 24% não é pouca coisa.

Além disso, uma experiência negativa com Bolsonaro faz as pessoas revisitarem os governos anteriores com um olhar diferenciado. Isso pensando no eleitor volátil, porque essa oscilação não se aplica a quem é fixo com o PT ou com Bolsonaro. Então, o eleitor volátil, que saiu do governo Dilma com uma avaliação negativa, hoje olha para o governo Lula e quer resgatar aquilo de volta.

A lembrança do Lula é a de uma economia muito boa. Para esses eleitores voláteis, que se sentem pressionados pelo discurso contra a corrupção e não sabem se Lula é inocente ou não, compensa o risco de votar nele.

Houve diversos episódios de violência na campanha deste ano, além de muita tensão institucional e entre as pessoas. O segundo turno tende a agravar esse cenário?

L. V. - As pessoas não gostam de falar polarização, mas polarização são dois polos. Se são dois opostos, é uma polarização. Com dois candidatos, essa rivalidade fica mais intensa, porque é um contra o outro. Numa realidade de forte teoria da conspiração, em que um se constrói a partir da negação do outro... Ainda mais se a gente considerar que, em muitos estados, as disputas já foram definidas, não se vai ter essa disputa para amenizar ou fazer uma multiplicidade de interesses, que poderia atenuar o conflito pelo governo federal. Então podemos esperar um segundo turno bem conturbado nesse sentido.

Por que a terceira via não decolou?

L. V. - As pesquisas de opinião mostravam que, em determinado momento, um terço do eleitorado não queria nem Lula nem Bolsonaro. O que esses eleitores queriam? Eles queriam alguém que não tivesse as denúncias de corrupção, alguém tivesse mais compaixão, fosse capaz de gerar mais emprego, mais saúde, educação com oportunidade de trabalho. Ou seja, alguém que entregasse política pública com honestidade e com um olhar voltado para o mais pobre.

A terceira via não conseguiu unificar todos esses componentes em uma pessoa só. Um perfil que possa transmitir isso é uma candidatura de centro, que saiba dialogar com a esquerda e com a direita, que traga racionalidade. Os partidos que podem trazer isso são partidos de centro.

Mas a Lava Jato não foi só um anti-petismo. Foi um antipartidarismo de maneira mais geral. Partidos com menos lastro de identidade do que o PT, como o PSDB e o MDB, foram muito prejudicados por esse discurso antipartidário. Eles ficaram com imagem muito ruim pela perspectiva do eleitor.

Um outro problema é a questão dos incentivos. A distribuição dos recursos partidários, de fundo eleitoral, traz muito para o centro das decisões fazer deputados. Não sei até que ponto seria atrativo para os partidos construir uma candidatura futura para presidente. Então são vários pontos que dificultam muito essa candidatura [de terceira via].

E quanto ao futuro de Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB)?

L. V. - Ciro está minguando. A Simone aparece mais com uma promessa para o futuro do que o Ciro.

Em caso de derrota do Bolsonaro, ele continuará sendo o polo opositor do PT em 2026 ou ele sai de cena?

L. V. - A gente não sabe o que que vai acontecer, mas, em termos de potencialidade, o Bolsonaro tem um segmento do eleitorado muito forte. Caso lula ganhe a eleição, isso para ele também é uma perturbação, por saber que já vai começar com 35% do eleitorado contra ele.

Isso talvez justifique porque o Lula esteja tão preocupado em fazer essa frente tão ampla, porque o desafio não é só ganhar a eleição. O desafio é depois governar tendo como ponto de partida uma oposição forte e que vai estar presente no Congresso Nacional.

Então Bolsonaro vai continuar sendo muito forte, a força mais organizada, e vai continuar sendo um dificultador para essa terceira via.


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