BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O mês que antecedeu o primeiro turno das eleições de 2022 não foi palco apenas de violência política, mas também de um agravamento na violência contra os povos indígenas.
Setembro registrou nove mortes violentas de indígenas: oito assassinatos e um suicídio. Os casos se espalharam por três regiões do país, em quatro estados (Mato Grosso do Sul, Maranhão, Bahia e Pará) e atingiram, respectivamente, os povos Guarani-Kaiowá, Guajajara, Pataxó e Turiwara.
A Folha de S.Paulo conversou com lideranças de todos esses povos e com indigenistas. Eles afirmaram que a escalada da violência está relacionada ao aumento da tensão no período eleitoral e às políticas adotadas pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) nos últimos anos, em especial à flexibilização das leis de proteção e de acesso a armas.
A violência se agravou, dizem, assim como a violência política, os conflitos no campo e a destruição da floresta.
Os indígenas entendem que a possibilidade de uma derrota do atual presidente faz com que os grupos beneficiados pelo seu governo, como fazendeiros, grileiros e garimpeiros, reajam contra os povos.
Como medida de comparação, as nove mortes de setembro estão acima da média do ano de 2021, um recorde de 6,4 mortes por mês, segundo o Caci (Cartografia de Ataques Contra Indígenas).
A plataforma consolida seus dados anualmente e, por isso, não é possível comparar com a média de 2022.
Os indígenas ressaltam que a violência não começou agora. Ela vem se intensificando ao longo do ano, até chegar ao atual patamar. A reportagem questionou a Presidência da República e a Funai (Fundação Nacional do Índio), mas não teve nenhuma resposta.
"Esse mês foi de muita tristeza para o meu povo, porque mais um guardião foi covardemente assassinado. Nós, os povos indígenas, estamos todos dentro de uma frigideira só", afirmou Olimpio Imyramu Guajajara, líder dos guardiões da floresta do Maranhão.
Ele faz referência ao assassinato de Janildo, morto com tiros nas costas no dia 3 de setembro, no município de Amarante. No mesmo dia, Jael Guajajara foi encontrado morto e com marcas de espancamento na TI Arariboia, onde, no último dia 11, Antônio Cafeteiro morreu após levar seis tiros em uma emboscada.
"Essas mortes são resultado da liberação de armas. O cara que está no poder [Bolsonaro] acena à morte, apontando os dedos, acenando ao crime", afirma Olimpio.
No Pará, no sábado (24), um indígena Turiwara foi morto na cidade de Acará, próxima à capital, Belém, após seu carro ser alvejado por tiros disparados por homens que passavam em um outro veículo.
Três indígenas estavam no carro alvo dos disparos. Dois deles ainda estão hospitalizados, sendo que um segue entubado e inconsciente após ser atingido na cabeça.
No domingo (25), um incêndio destruiu a casa cultural da comunidade indígena Braço Grande, também dos Tuniwara.
O Ministério Público diz que investiga os ataques.
De acordo com o Cimi (Conselho Indigenista Missionário), a região vive a "guerra do dendê", travada entre os povos e a empresa BBF (antiga Biopalma), produtora da planta e que nega ter ligação com o atentado.
Uma liderança da região, que pediu para não ser identificada porque vem recebendo ameaças de morte, afirma que o clima por lá é de medo e tensão. Os indígenas evitam se deslocar, com medo de novos ataques.
Para ele, os agressores se aproveitam do período eleitoral, quando tanto entidades de fiscalização quanto forças de segurança e noticiários voltam suas atenções à política, para praticar ações ainda mais agressivas do que de costume.
"O sentimento é o de um massacre", afirma Mandy Pataxó, liderança da TI Comexatibá, no sul da Bahia.
Na madrugada do dia 4 de setembro, a parte do território retomada pelos indígenas em junho foi alvo de um ataque a tiros que terminou com um jovem de 16 anos machucado e um de 14, chamado Gustavo, morto.
O Ministério Público Federal foi acionado para investigar o ocorrido.
O caso mais recente também aconteceu no sul da Bahia, em Santa Cruz Cabrália.
Wellington Pataxó, 50, liderança regional, morreu após ser alvejado com tiros nas costas por uma pessoa que passava de bicicleta. A Polícia Civil investiga a motivação do crime.
"É o poder do coronelismo. Até nas passeatas, os fazendeiros fizeram ameaças aos indígenas. Está bem perigoso por aqui", diz Mandy, que pediu reforço na segurança para garantir que os indígenas pudessem votar no último domingo (2).
"A violência vem crescendo durante o atual governo, que incentiva a violência contra os indígenas", diz Ava Apyka Verá, liderança Guarani-Kaiowá, de Mato Grosso do Sul.
Desde o início do ano, os Guarani-Kaiowá sofrem sucessivos ataques. Três indígenas foram mortos entre maio e julho. O território Guapoy, retomado em junho, foi alvo de ataques de fazendeiros. Em um dos episódios, que repercutiu nas redes sociais, um helicóptero sobrevoou a área, atirando contra os indígenas.
No dia 3 de setembro, uma jovem Ariane, de 13 anos, desapareceu na TI Dourados (MS). Seu corpo foi encontrado, sem vida, no dia 11. No mesmo dia e território, um outro jovem, de 15 anos, se matou. Segundo os dados do Cimi, o estado é o que mais registra suicídios de indígenas no país (35 de 148 em 2021), o que pode ser atribuído a um contexto de constante violência.
No dia 15, Vitorino, liderança Guarani-Kaiowá de 60 anos que atuou na recente retomada de território, foi morto em uma emboscada, na cidade de Amambai. Dois homens em uma moto atiraram contra ele.
Um mês antes, na mesma região, ele já havia sido alvo de outra emboscada semelhante. Nela, dois homens, também em motos, atiraram contra o seu carro. Na ocasião, ele havia sido hospitalizado.
Vitorino foi a terceira liderança da retomada assassinada neste ano.
"Esse governo incentiva a compra de armas. A gente tem medo que as coisas fiquem até piores do que já estão", completou Verá.
Diferentes lideranças indígenas se reuniram em Brasília no mês passado e fizeram um protesto contra os assassinatos e a crescente violência. Também tiveram uma reunião com a ministra do STF Rosa Weber para tratar do tema e do marco temporal.
"O mês de setembro foi extremamente trágico para os povos indígenas. Temos a sensação de que vivemos uma violência em série, de forma descontrolada, que se acirrou nesse último mês antes das eleições. Estamos no momento mais grave e escancarado desse processo", afirma Luiz Ventura, secretário-adjunto do Cimi.
Para ele, o cenário é fruto de uma estrutura que combina o incentivo à violência, por meio da defesa de atividades ilegais, como o garimpo e a grilagem, com a precarização das instituições de proteção e fiscalização, como a Funai.
"Isso não é incomum em processos eleitorais. Os anos eleitorais sempre são anos mais propensos a aumento da violência. Temos também agora um fator de 'fim de feira' ou 'vale tudo', no sentido de que muitos desse segmentos diretamente interessados nas políticas do governo Bolsonaro temem que ele acabe e, portanto, estão querendo consolidar uma situação na base da violência", completa Marcio Santilli, ex-presidente da Funai e membro do ISA (Instituto Socioambiental).
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