BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Após a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na corrida presidencial, membros do PT e articuladores do Congresso passaram a admitir a continuidade das emendas de relator no Orçamento, mas com mudanças nas regras.

Essas emendas têm sido usadas pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) como moeda de troca em negociações do Palácio do Planalto com o Congresso.

Apesar de, durante a campanha eleitoral, Lula ter defendido o fim desse mecanismo, aliados dele já falam na possibilidade de, com ajustes, essas emendas não serem extintas.

"As emendas podem ser usadas para medidas que o presidente Lula apresentou, como o aumento do Auxílio Brasil, e recomposição do orçamento de programas sociais", disse à Folha de S.Paulo a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann (PR), encarregada da articulação política na transição.

"O Congresso tem direito de mexer no Orçamento, mas pode nos ajudar nesse esforço também, porque há um contrato com a população que, na urna, votou nas propostas do Lula", completou a petista.

Parlamentares próximos ao presidente eleito também já sinalizaram à cúpula da Câmara e do Senado que há brecha para o diálogo sobre esse tema, já que programas na área de habitação e saúde, por exemplo, realizam obras que podem atender a demandas das bases eleitorais dos parlamentares.

No entanto, a falta de transparência e o desequilíbrio na distribuição dos recursos dessas emendas -que podem chegar a R$ 19 bilhões no próximo ano- são alvo de críticas do PT.

Para manter controle maior do Orçamento, líderes do centrão admitem mudar as regras das emendas de relator, usadas como moeda de troca em negociações do governo com Congresso, em uma articulação que envolve a equipe de Lula e membros do STF (Supremo Tribunal Federal).

O petista já falou que a emenda de relator era a "maior bandidagem já feita em 200 anos de República [da Independência]" e que o Parlamento nunca "esteve tão deformado como está agora" -chamou inclusive de pior Congresso da história do Brasil.

Lula também disse que há um excesso de poder nas mãos de Arthur Lira (PP-AL), atual presidente da Câmara e principal operador das negociações.

"Você elege um presidente, pensa que vai governar, mas quem vai governar é a Câmara, com orçamento secreto para comprar o voto dos deputados, para fazer todas as desgraceiras que estão fazendo."

Após a vitória, integrantes de sua equipe modularam o discurso e sinalizam que aceitam negociar mudanças principalmente na distribuição desses recursos. Esse aceno ocorre em um contexto em que o STF deve julgar neste ano uma ação que pede o fim desse mecanismo.

Aliados de Lira admitem regras para que o dinheiro seja melhor distribuído entre os parlamentares -hoje há uma concentração em deputados e senadores mais alinhados ao governo e mais próximos da cúpula do Congresso.

Uma das propostas em estudo é distribuir essa verba de acordo com o tamanho dos partidos nas Casas, parecido com o que ocorre com o fundo eleitoral, que considera bancada eleita.

Por esse critério, o PT, que será a segunda maior legenda, beneficiaria-se, assim como o PL de Jair Bolsonaro, que tende a ficar alijado das distribuições com a mudança de governo.

Uma alternativa parecida citada por um líder partidário é manter a emenda de relator e criar uma de bancada partidária, que também seria distribuída conforme o tamanho dos partidos na Câmara.

A distribuição, então, seria feita pelo líder da legenda na Casa, que poderia priorizar deputados, por exemplo, que precisam de mais votos para se eleger e, por isso, precisariam enviar mais recursos para obras em suas bases.

Outra ala de deputados admite conciliar parte dos recursos distribuídos a deputados com políticas públicas do governo, de forma a atender todos os interesses e não deixar regiões sem padrinhos políticos desassistidas.

Por esta solução, o volume de recursos continuaria no patamar atual -em torno de R$ 19 bilhões- mas uma parcela disso seria aplicada em conjunto com os interesses de ministérios, ainda que pelo Congresso.

Uma possibilidade aventada também é alterar, via emenda constitucional, o percentual impositivo das emendas individuais.

Hoje, esses recursos têm limite de 1,2% da receita corrente líquida prevista no projeto orçamentário encaminhado pelo Executivo. Metade é obrigatoriamente destinada a ações e serviços públicos de saúde.

A ideia seria ampliar nesse percentual, o que garantiria o volume maior de recursos aos parlamentares com a segurança jurídica da Constituição.

Se a tentativa de acordo com os demais Poderes falhar, aliados de Lira não descartam a aprovação de uma PEC (proposta de emenda à Constituição) para tornar obrigatório o pagamento das emendas de relator. Isso é chamado de imperatividade -e já vale para outras emendas, como individuais e de bancada estadual.

No domingo (30), o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse acreditar que, apesar das críticas de Lula às emendas de relator, é possível haver um acordo entre os Poderes para manter esse mecanismo.

"Considero que a gente pode ter uma grande concertação de alinhamento entre as instituições no próximo governo, já na transição, com o Congresso Nacional, o próprio Supremo Tribunal Federal, a Procuradoria-Geral da República, o Tribunal de Contas da União. Eu acho plenamente possível nós encontrarmos um senso comum de alinhamento", afirmou.

Esse é o mesmo tom do relator-geral do Orçamento de 2023, senador Marcelo Castro (MDB-PI). Ele é aliado de Lula, mas não acha provável o Congresso abrir mão das emendas de relator.

Castro diz que a ampla maioria do Congresso quer continuar com o controle dessa fatia das despesas públicas.

"Vai depender muito da negociação entre o Executivo e o Legislativo. Pela manifestação do Lula, elas seriam extintas. Pela manifestação da imensa maioria dos congressistas, elas seriam mantidas. Então, os políticos negociam", declarou o senador.


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