SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Um dia após lotarem as ruas e cercarem o Comando Militar do Sudeste pedindo o que chamam de "intervenção federal", algumas dezenas de golpistas que restaram no local montaram acampamento ainda com objetivo de fazer com que as Forças Armadas impeçam Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de assumir a Presidência em 2023.
Lula foi eleito pela terceira vez e assumirá um novo mandato em 1º de janeiro. Já Jair Bolsonaro (PL), que repetiu declarações golpistas ao longo de seu mandato, amargou uma inédita derrota de um presidente que disputava a reeleição no país.
O clima no acampamento golpista, na região do Ibirapuera (zona sul de SP), é de medo de uma constante desmobilização. Eles veem o movimento com inspiração tanto na Primavera Árabe, iniciada em 2010, como na derrubada de Evo Morales na Bolívia, em 2019.
A rotina é composta pelo Hino Nacional sendo tocado quase permanentemente, orações, teorias da conspiração e paranoia.
Na manhã desta quinta (3), manifestantes chamaram a polícia ao suspeitarem que garrafas de água distribuídas entre eles estariam envenenadas. O boato já circulava desde o dia anterior.
Com faixas, cartazes, gritos de guerra e interdições do trânsito, os defensores de um golpe de Estado saíram às ruas no feriado de Finados nas principais capitais, incluindo São Paulo, Brasília e Rio, inflamados por uma série de fake news e estimulados por Bolsonaro.
O presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ministro Alexandre de Moraes, chamou de criminosos e disse que serão punidos os grupos bolsonaristas que contestam a vitória eleitoral de Lula.
"Tem gente que dorme aqui, tem gente que vai embora. A ordem é ficar aqui no quartel. A gente pretende ficar aqui até receber uma resposta do quartel", diz o animador de festa infantil Carlos Antônio Silva, 34, um dos manifestantes.
Na manhã desta quinta, outras pessoas chegavam com barracas e tendas para se juntar ao grupo. Nas tendas, é possível ver mantimentos como água, sucos e pães para lanches, que são distribuídos entre os presentes.
Segundo os manifestantes, os mantimentos são levados por eles mesmos. No entanto, o clima de desconfiança, com medo de supostos infiltrados, chegou a ponto de que os acampados temam até as garrafas de água que chegam por meio de doação.
Um homem, por exemplo, acabou tendo de dar explicações à Polícia Militar depois de ser cercado por manifestantes que suspeitavam que a água que ele levou ao local poderia estar adulterada, após ele não apresentar a nota fiscal e não informar a procedência dela.
Além disso, a camiseta do Brasil usada pelo homem ainda tinha uma etiqueta de preço do lado de fora, o que ajudou a aumentar a desconfiança, relataram alguns à reportagem.
Os manifestantes chamaram a PM, que foi até o carro do homem verificar o produto. O suspeito teria até bebido uma garrafa de água, o que não serviu para aplacar a desconfiança. A ocorrência prosseguiu após a reportagem deixar o local.
O burburinho de que havia infiltrados ali fotografando e questionando sobre o movimento também era constante. Algumas pessoas que conversaram com a reportagem, bastante ressabiadas com a Folha de S.Paulo, afirmaram que o movimento é orgânico e não tem líderes.
A ideia é que sempre haja gente no local e, no fim de semana, procure-se repetir o público do feriado de Finados. Por isso, as mensagens no WhatsApp eram constantes, com apelos para que novos membros chegassem e não deixassem o movimento morrer.
"Sempre vai ter alguém aqui. Graças a Deus, o nosso pessoal é do bem e é trabalhador. Tem um pessoal que foi trabalhar e volta à noite. Quem tinha folga, férias ou é aposentado voltou", diz uma aposentada que se identificou apenas como Cláudia, moradora da zona norte da capital paulista.
A quantidade de idosos, mesmo alguns com aparentes dificuldades de mobilidade, chama a atenção.
De tempos em tempos, alguém se postava em frente ao portão principal do prédio militar para fazer um discurso coalhado de apelos religiosos, informações falsas e com tom carregado de verniz legalista para justificar o golpismo.
Nas rodinhas, porém, chegam a pedir pena de morte para Lula e seus aliados por se estar "em tempos de guerra", citam uma falsa conspiração contra Bolsonaro e abusam de conceitos incorretos como o de que apenas as Forças Armadas estão acima dos demais Poderes.
Nesta quinta, a orientação espalhada entre os manifestantes era a de mudar as faixas de "intervenção federal" para "SOS Forças Armadas".
As explicações dadas eram as mais diversas, passando por desde gente desapontada com Bolsonaro após manifestação pedindo para desmobilizar bloqueios em estradas até o medo de que o apelo à intervenção federal poderia servir como pretexto para que o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes agisse contra o grupo.
Na noite anterior, corria entre os bolsonaristas de que se eles ficassem até meia-noite, enfim, os militares agiriam.
Mesmo sem o boato se confirmar, alguns dormiram ali e outros voltaram no dia seguinte. A mobilização seguia à base de fake news via WhatsApp, como a distribuição de um falso relatório de 70 páginas da auditoria das urnas pelas Forças Armadas comprovando uma fraude.
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