SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O advogado Marco Aurélio de Carvalho, 45, diz que tinha 12 anos quando viu na TV Lula discursar como candidato a presidente em 1989 ?e decidiu entrar para o movimento estudantil. Anos depois, já filiado ao PT, ele presidiu o Centro Acadêmico 22 de Agosto, da PUC de SP.
Formado, organizou o setorial jurídico do partido e em 2014 fundou o grupo Prerrogativas, coletivo de advogados e juristas que a partir de 2018 abraçou a bandeira da inconstitucionalidade da prisão de Lula.
A militância e um grande amigo comum, o advogado Sigmaringa Seixas, morto em 2018, uniram o ex-estudante a seu ídolo.
Hoje, Marco Aurélio e sua mulher, Alessandra, são amigos do casal Lula e Janja. Frequentam as respectivas casas, quando o assunto é invariavelmente a política.
O advogado também se transformou em um dos interlocutores preferenciais de Lula, cumprindo para ele missões estratégicas como, por exemplo, a de organizar o jantar no restaurante A Figueira Rubaiyat, em que Geraldo Alckmin (PSB) apareceu pela primeira vez ao lado do petista.
Nesta semana, ele foi indicado para integrar o grupo jurídico da transição do governo.
Nesta entrevista, ele afirma que não é hora de fazer exigências ao presidente eleito.
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PERGUNTA - Depois de eleito, Lula visitou o STF e encontrou lá alguns dos que poderíamos definir como seus algozes, magistrados cujas decisões o levaram à prisão em 2018. Que filme acha que passou na cabeça dele quando entrou na Corte?
MARCO AURÉLIO DE CARVALHO - O Lula é uma pessoa realmente surpreendente, né? Que não guarda rancores. Que olha para a frente e que busca tirar das pessoas o que elas têm de melhor.
A visita foi um gesto de profundo desprendimento, com o espírito público de pacificar o país no momento em que os ministros estão sendo duramente atacados pessoal e institucionalmente.
Lula assumiu a tarefa de reconstruir e reconciliar o Brasil. E quis fazer a visita para reacreditar as instituições e reafirmar a sua crença sincera de que os poderes têm que se relacionar com independência e harmonia.
Isso não é pouca coisa, pois ele foi vítima justamente da instrumentalização do sistema de Justiça.
P - Mas o que Lula pensa quando olha, por exemplo, para o ministro Luiz Fux, que sempre foi implacável nos julgamentos que o envolveram?
MAC - Quando eu vejo uma cena como essa, tento inverter um pouco a lógica e fico imaginando o que o Fux pensa. O presidente Lula eu sei: ele não tem espaço nem tempo para rancores.
P - O grupo Prerrogativas foi considerado essencial para o questionamento da prisão de Lula. Há uma natural expectativa de que integrantes do grupo ocupem espaços no governo, e até mesmo que dele surja um nome para o STF. Isso pode acontecer?
MAC - Lula sempre teve espírito público e fez as indicações ao STF levando em consideração a reputação ilibada e a sólida formação jurídica do escolhido. Esses são os pontos fundamentais, e eu acho que ele não vai mudar.
P - Mas qual será o perfil do indicado?
MAC - Substituir o ministro Ricardo Lewandowski é um desafio que não é para qualquer um. Ele dignificou a função que abraçou e sempre teve a coragem de ser contra majoritário.
Por isso essa escolha é tão importante, de uma pessoa que tenha a tranquilidade de reafirmar o Direito independentemente de agradar as massas. Que seja absolutamente garantista. Que não precise construir a sua biografia no STF, como diz o Lula.
Mais do que um nome, estamos discutindo um perfil.
Na minha humilde avaliação, Lewandowski tem que ser ouvido. E acho que a opinião dele vai pesar bastante. Precisamos substituir o ministro por alguém que tenha um perfil parecido com o dele. De um magistrado que nunca se preocupou com os aplausos da opinião pública, e que sempre decidiu de acordo com a sua consciência.
P - A lista de candidatos ao STF já está enorme.
MAC - Tem muita gente querendo [ser ministro], sim.
P - Você é um deles?
MAC - Eu não reúno hoje as condições necessárias para assumir uma função dessa magnitude. Falo isso com muita tranquilidade e humildade.
O Lula nunca teve tanto apoio na comunidade jurídica, inclusive entre aqueles mais conservadores. Nem mesmo quando estava à frente da Presidência e com 87% de aprovação popular.
Então há muitos nomes. Eu tenho até medo de relacionar e esquecer de alguém.
P - Já foram citados Cristiano Zanin, Pedro Serrano, Flávio Dino, Pierpaolo Bottini, Silvio de Almeida e Lenio Streck. Será um deles?
MAC - O Cristiano Zanin Martins [advogado de Lula na Operação Lava Jato] é um excelente nome e tem a confiança do presidente Lula. É jovem e tem as condições de ocupar a vaga, que precisa ser preenchida por uma pessoa que tenha a coragem necessária. Pedro Serrano tem a dimensão exata dessa responsabilidade e uma sólida formação jurídica. Dino é um excelente quadro, que pode ocupar também o Ministério da Justiça. [O advogado] Silvio de Almeida é outra grande figura, como também [os advogados] Pierpaolo Bottini, Dora Cavalcanti e o jurista Lenio Streck.
A prerrogativa da escolha é do Lula. Nós vamos apoiar, qualquer que seja ela.
P - Como administrar as frustrações, que serão inevitáveis?
MAC - As pessoas precisarão ter o desprendimento necessário para compreender as escolhas que serão feitas pelo presidente.
Nenhum de nós, na comunidade jurídica, é credor de nada junto ao presidente Lula por termos defendido a democracia e as instituições.
Era uma obrigação de qualquer democrata e de todo operador do Direito defender o presidente Lula, que foi vítima da instrumentalização do nosso sistema de Justiça.
Reacreditar o sistema de Justiça era fundamental, para que ele pudesse seguir sendo um dos pilares fundantes da nossa democracia. Nós fizemos a nossa obrigação.
Portanto, Lula não tem débitos, mas sim créditos por ter salvado o país.
P - Ainda sobre o STF: o que vocês pensam do inquérito das fake news? O
MAC - Supremo e o TSE [Tribunal Superior Eleitoral] tiveram uma ação decisiva para a manutenção da ordem democrática no país e para a defesa das instituições. A gente tem que reconhecer e aplaudir esse inquérito, que foi instaurado a partir de uma previsão legal do regimento interno do STF, que tem força de lei.
A decisão [de manter o inquérito] é exclusiva do Supremo, não passa pelo Executivo.
A sociedade pode debater, à luz da experiência, se é preciso ratificar ou retificar o inquérito. Mas ele tem base jurídica sólida. Havia indícios de autoria e materialidade de crimes contra a democracia e o sistema eleitoral vigente.
A Procuradoria-Geral da República [comandada por Augusto Aras] se deixou capturar por interesses políticos e eleitorais e não agiu.
P - Os governos do PT sempre indicaram o primeiro colocado de uma lista tríplice para o comando da Procuradoria-Geral da República. Nos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro, isso teve um fim. A lista será ressuscitada?
MAC - Nós, do grupo Prerrogativas, entendemos que a lista tríplice não é o único e muito menos o melhor critério para a escolha do procurador-geral da República.
Mas a lista pode ser importante para reforçar a ideia de que a PGR tem que ser um órgão independente, autônomo.
Assim, pensamos que poderia ser submetida ao presidente Lula uma lista sêxtupla, mais oxigenada, que não o vinculasse.
Ela seria composta por três procuradores escolhidos pela própria categoria ?mas por toda a categoria. Hoje, apenas o Ministério Público Federal elege a lista, que em regra é composta por pessoas que defendem interesses meramente corporativos. Os Ministérios Públicos dos estados, do Trabalho, da União e Militar também precisam ser ouvidos.
Poderíamos submeter à OAB o exame de um nome, e ainda outro ao Congresso Nacional ?desde que, evidentemente, eles sejam integrantes do Ministério Público.
P - Lula já optou por seguir ou não uma lista?
MAC - Ele está amadurecendo, ouvindo as pessoas. Seguramente vai nos ouvir, e vai também consultar a classe [dos procuradores], por meio de suas entidades representativas. Mas ele próprio sabe que a lista não é o único, nem o melhor critério.
P - A equipe de transição do governo Lula está dividida em relação a uma futura divisão do Ministério da Justiça para a criação da pasta da Segurança Pública. Lula prometeu que esse ministério seria criado. Ele vai manter a decisão?
MAC - Houve uma promessa de campanha do presidente Lula e do vice-presidente [Geraldo Alckmin] de fazer a divisão. Mas, como eu disse, o Lula é uma pessoa que ouve. E a comissão formada na transição vai ter a oportunidade de se debruçar de forma pormenorizada sobre o tema.
Eu não sou um grande entusiasta da divisão. Entretanto, juristas como Pedro Serrano, especialistas em segurança pública e o próprio Alckmin defendem a ideia de se criar um Ministério da Segurança Pública para dar ao tema a centralidade que ele merece.
A esquerda tem o desafio de deixar um legado nessa área. Criar uma pasta própria pode ser a oportunidade para isso.
P - Lula está com 77 anos. Acha que ele pode concorrer à reeleição? Ou abrirá espaço para a ascensão de uma nova liderança?
MAC - É cruel esse questionamento com o Lula. Espera-se tudo dele o tempo todo, até mesmo que construa uma alternativa a si mesmo.
Essa responsabilidade não é dele, é de todos nós.
Lula é uma liderança mundial, única e singular. Não vai existir outra na história do Brasil, sequer parecida, na nossa geração. Uma nova liderança vai surgir. Será uma liderança diferente, evidentemente. Mas essa é uma tarefa da militância do PT e dos 12 partidos que o apoiam. Seria cruel jogar o peso nas costas de Lula.
P - Mas, afinal, você acha que ele pode ser mais uma vez candidato?
MAC - Nós temos que agradecer ao Lula por ter disputado essas eleições. Ele já cumpriu dois mandatos, e deixou o poder aprovado por 87% da população. Poderia estar vivendo um momento tranquilo de sua vida. Mas o amor pelo Brasil e o compromisso com as instituições fez com que ele revisse esse sentimento e dedicasse mais uma parte importante de sua vida a essa tarefa enorme de reconstruir e reconciliar o Brasil.
Eu gostaria de vê-lo se candidatar outras diversas vezes. Ele mesmo diz que, se as profecias estiverem certas, já nasceu o homem que vai viver 120 anos ?e esse homem pode ser perfeitamente ele.
Portanto, o presidente pode ser candidato mais vezes. Mas não é o desejo dele. Provavelmente Lula queira descansar.
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