BRASÍLIA, DF, E RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e outros congressistas articulam a aprovação a jato de uma PEC (proposta de emenda à Constituição) que visa alterar as regras de escolha do comando dos tribunais de Justiça de São Paulo e do Rio de Janeiro, responsável pelo caso das "rachadinhas".

A mudança na Constituição busca permitir que presidentes desses dois TJs possam concorrer de novo ao cargo.

Um dos grandes interessados na mudança é o desembargador Luiz Zveiter, decano e ex-presidente do TJ-RJ (2009-2010), que tenta voltar ao cargo desde 2014.

O presidente do TJ-RJ também comanda o Órgão Especial do tribunal, colegiado que pode analisar a reabertura da investigação do caso das "rachadinhas" contra Flávio, arquivada após decisões do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e do STF (Supremo Tribunal Federal).

A discussão sobre a mudança no formato de eleição dos tribunais acontece há pelo menos 10 anos no Congresso.

Em 9 de novembro deste ano, porém, o plenário da Câmara votou a toque de caixa uma PEC apresentada oito dias antes pelo deputado Christino Áureo (PP-RJ), em tramitação acelerada que contou com a articulação do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

A versão final, votada após aprovação de um requerimento do deputado Juscelino Filho (União Brasil-MA), foi aprovada em dois turnos permitindo a recondução de presidentes em cortes com mais de 170 desembargadores. Ou seja, apenas São Paulo e Rio.

A eleição para o comando do TJ de São Paulo só ocorrerá no final de 2023. A do Rio está marcada para o próximo dia 12.

O deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) criticou a votação do texto. "Essa regra que fala em 170 é casuística, é para tratar o estado do Rio de Janeiro. É essa eleição que se está discutindo aqui. Uma votação de PEC com esse teor leva a crer que aquilo que está circulando nos corredores do Congresso Nacional, de que existe uma influência do senador Flávio Bolsonaro para a votação dessa matéria, é real", disse.

Zveiter nega ter feito lobby a favor da PEC e diz não ter nenhuma relação com Flávio Bolsonaro.

No Senado, o filho do presidente da República tenta obter apoio para a PEC, que, conforme os trâmites da Casa, precisaria passar pela CCJ antes de seguir para o plenário.

Apesar do esforço, aliados do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), avaliam que dificilmente a PEC será promulgada antes da eleição para o TJ do Rio.

Além de considerarem o texto casuístico, ressaltam que enquanto não mudar o governo textos que provoquem alterações estruturais não avançarão no Senado.

A reportagem questionou o deputado Christino Áureo e o senador Flávio Bolsonaro sobre por que aprovar uma PEC com efeitos restritos, mas eles não se manifestaram.

A PEC é refutada por associações de magistrados. Entre as principais queixas desses magistrados, estão a de que ela cria, sem justificativa plausível, uma regra exclusiva para 2 dos 27 tribunais do país, deixando de lado outras cortes consideradas de "grande porte" pelo Conselho Nacional da Justiça, como Rio Grande do Sul (170), Minas Gerais (150) e Paraná (145).

Retornar ao cargo é um desejo antigo de Zveiter. Em 2014, ele concorreu graças a uma liminar do ministro Luiz Fux, do STF, mas perdeu a disputa. Em 2016 venceu, mas o Supremo considerou inconstitucional a norma do tribunal que permitiu sua candidatura e impediu a nova posse.

O desembargador afirmou à reportagem que, caso a PEC seja aprovada, pretende concorrer de novo ao cargo. Mas negou que a proposta tenha sido direcionada a ele.

"Eu sou ex-presidente. Milton Fernandes é ex-presidente e também está em atividade. Se a PEC for aprovada, eu vou concorrer. Mas não é uma PEC específica para mim", disse o desembargador. Fernandes afirmou à Folha que não pretende se candidatar.

Zveiter também negou ter atuado junto a políticos em favor da PEC.

"Estão querendo criar um factoide e me vincular a um grupo político. Não tenho nada a ver com grupo político. O presidente do tribunal não atende a interesse de ninguém. Não sei nem se ele [Flávio Bolsonaro] tem interesse no tribunal."

Flávio Bolsonaro foi alvo de denúncia em novembro de 2020 sob acusação de liderar uma organização criminosa para recolher parte do salário de seus ex-funcionários em benefício próprio. Foram desviados, segundo o MP-RJ, R$ 6,1 milhões dos cofres públicos.

O senador responderia por organização criminosa, peculato, lavagem de dinheiro e apropriação indébita. Contudo, o Ministério Público do Rio de Janeiro pediu o arquivamento da denúncia após a anulação das provas determinadas em decisões do STF e do STJ.

Ao pedir o arquivamento, a Promotoria sinalizou com a possibilidade de obter de novo quebras de sigilo dos investigados, origem das principais provas do caso.

O eventual novo pedido pode ser decidido monocraticamente por 1 dos 25 desembargadores que compõem o Órgão Especial. O recebimento de uma possível nova denúncia, a partir das novas provas, seria decidida pelo colegiado, cuja pauta é comandada pelo presidente da Corte.

Zveiter afirma que o presidente do Órgão Especial não consegue influenciar as decisões de um colegiado deste porte.

"O Órgão Especial tem 25 desembargadores. Você acha que alguém tem influência em 25 cabeças? Tem 13 antigos e 12 eleitos de dois em dois anos. Como vai controlar um órgão desse? O presidente só preside a sessão. Pautar é o de menos. Estão querendo criar um fato político em cima de algo institucional."

Além de ter comandado o TJ-RJ, o desembargador presidiu também o TRE-RJ entre 2011 e 2013. Ele também foi alvo de PAD (Processo Administrativo Disciplinar) aberto pelo CNJ em razão de obras nos dois tribunais que comandou, sob suspeita de sobrepreço nos contratos. O processo foi arquivado. Além disso, foi alvo da delação do ex-governador Sérgio Cabral, arquivada pelo STF, sob acusação de receber propina na ampliação do TJ-RJ. Ele nega as acusações.

A família Zveiter é uma das mais influentes no meio jurídico do país. O patriarca, Waldemar, foi ministro do STJ. Além do desembargador, ele teve como filho Sérgio Zveiter, ex-deputado que comanda um grande escritório de advocacia que leva o nome da família.

Procurado por meio da assessoria, o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Ricardo Anafe, informou em nota que "é contrário à proposta" que foi aprovada na Câmara.

A reportagem também procurou o presidente do Tribunal de Justiça do Rio. Em nota, a corte disse que "não pode se manifestar sobre um projeto que está em curso".

A PEC foi criticada por entidades que representam magistrados estaduais no país. O Consepre (Conselho de Presidentes dos Tribunais de Justiça) manifestou descontentamento com o andamento da proposta, que classificou como "a toque de caixa".

"Estamos convencidos de que os Presidentes dos Tribunais devam ter voz ativa nesta discussão e, sem embargo dos esforços desta entidade para estabelecer um diálogo com os atores envolvidos, não se vê, lastimavelmente, a receptividade necessária por parte dos parlamentares no desígnio de encontrar a melhor solução", afirmou.

A entidade considera que uma proposta similar teria que ser feita pelo próprio Judiciário, a quem compete propor questões relativas à sua organização interna, e estuda acionar o STF contra a PEC.

A AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) disse que a matéria "não foi fruto de nenhum debate, tampouco de discussão qualificada ?não tendo sido objeto de apreciação sequer de uma Comissão Legislativa".


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