BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), defendeu nesta segunda-feira (21) que o Congresso Nacional não recue na discussão sobre as emendas de relator, consideradas por ele uma "prerrogativa" do Parlamento.
Em recado ao presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e ao STF (Supremo Tribunal Federal), Lira disse que os parlamentares devem avançar ainda mais sobre suas atribuições até o limite da Constituição.
"É errado retroceder. Nós avançamos um pouco nas prerrogativas que, ao longo dos anos, abrimos mão. Nossa luta em Brasília é para que essas prerrogativas cresçam, para que se chegue no limite constitucional e não se avance um milímetro nem se recue um milímetro", afirmou.
Ao longo da campanha eleitoral, Lula foi um feroz crítico dessas emendas, enquanto o STF se prepara para julgar a legalidade do mecanismo que dá mais poderes ao Congresso no Orçamento e que também é usado como moeda de troca com o Executivo.
A declaração de Lira foi feita no painel político do Encontro de Valor 2022, promovido pela Abad (Associação Brasileira de Atacadistas e Distribuidores).
Para o presidente da Câmara, as emendas de relator são "municipalistas, amplas e democráticas" porque, segundo Lira, o parlamentar conhece melhor as necessidades dos municípios do que o Executivo.
"[O ministro] ter que decidir sozinho se esse recurso vai para Coité do Nóia, em Alagoas, ou Alagoa Grande, na Paraíba ?e eu conheço muito o interior do Nordeste porque eu andava muito fazendo vaquejada. O ministro não tem essa sensibilidade", disse.
"Essa escolha é aleatória, pela pressão do parlamentar, que muitas vezes tinha que ficar 5, 6 horas na antessala do ministro, com a pasta debaixo do braço, e os pedidos para dizer 'o meu município precisa de saneamento, de uma estrada, de uma casa, de uma água, precisa de uma escola, uma creche'", completou.
O Congresso turbinou as emendas de relator em 2020 e passou a usar o mecanismo para negociações políticas com o governo Jair Bolsonaro (PL).
Por não serem impositivas, os parlamentares indicam, por meio do relator do Orçamento, quais municípios devem receber os recursos, e cabe ao governo liberar as verbas para o empenho das despesas.
No evento, Lira disse que a inovação causou uma "democratização" do Orçamento e não privilegiou o governo Bolsonaro.
O presidente da Câmara ainda defendeu que as emendas passem a ser impositivas ?ou seja, que o governo seja obrigado a pagar as despesas indicadas pelos parlamentares.
"[Em] todos os países mais evoluídos, o Orçamento é simplesmente impositivo na sua totalidade. Depois da discussão do Parlamento, o Executivo tem que cumprir as prioridades que foram discutidas pelo povo [...] Todos [no Congresso] representam parcela da população. Todos têm a legitimidade das urnas", afirmou.
Durante a campanha presidencial, Lula fez críticas às emendas de relator. "O Orçamento é chamado de secreto porque o destino desses recursos é mantido em segredo. Mas todo mundo sabe para onde esse dinheiro vai: fraudes e desvios de verbas", disse em um dos programas da propaganda na TV.
Eleito, Lula e aliados passaram a remodelar o discurso diante da possibilidade de o STF reverter o julgamento e decidir pela inconstitucionalidade do uso das emendas.
A avaliação é que uma mudança de posição do Supremo poderá atrapalhar a construção de apoio político do petista no Congresso em um cenário delicado, com a necessidade de aprovar a PEC da Transição às vésperas da votação do Orçamento de 2023.
Auxiliares de Lula já falam na possibilidade de essas emendas passarem por ajustes, mas não serem extintas.
Parlamentares aliados do petista sinalizaram à cúpula da Câmara e do Senado, por exemplo, que pode haver uma coordenação entre Executivo e Legislativo para priorizar programas nas áreas de habitação e saúde que podem atender a demandas das bases eleitorais dos parlamentares.
As emendas de relator somam R$ 16,5 bilhões no Orçamento deste ano. Para 2023, o valor previsto é ainda maior: R$ 19,4 bilhões.
Arthur Lira tem se movimentado nos bastidores para tentar se reeleger à presidência da Câmara. A avaliação da cúpula da Casa é que o deputado alagoano é o único concorrente de peso no momento.
Duas semanas após o segundo turno da eleição, Lira recebeu Lula na residência oficial da presidência da Câmara.
Participaram do encontro o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), e lideranças petistas, como Gleisi Hoffmann e Reginaldo Veras.
No encontro, Lula defendeu o diálogo com o centrão e prometeu não interferir nos processos de escolha dos novos presidentes do Congresso. A manifestação foi entendida como um aceno à reeleição de Lira no comando da Câmara.
Em troca, há uma expectativa de petistas que Lira trabalhe pela aprovação da PEC da Transição, medida essencial para que Lula acomode no Orçamento verbas para cumprir em 2023 algumas de suas principais promessas de campanha.
Em um segundo momento, afirmam petistas ouvidos pela reportagem, a ideia é que haja uma aliança formal entre Lira e Lula, o que daria ao presidente eleito parte do centrão e uma base muito mais sólida na Câmara do que se contasse apenas com a esquerda e com partidos de centro e de direita hoje independentes, como PSD e MDB.
De acordo com aliados de Lula, o presidente da Câmara se mostrou bastante receptivo à ideia de manter um entendimento com o PT, em troca do apoio ou da não interferência em sua campanha à reeleição ?apesar do histórico de divergências durante a campanha.
Mesmo com esses acenos, um grupo de aliados do presidente eleito tem defendido nos bastidores que o novo governo deveria construir uma candidatura alternativa a Lira ?que eles enxergam com desconfiança.
Esse plano dependeria da formação de uma base ampla no Congresso e de uma articulação entre os partidos governistas para o lançamento de um nome para enfrentar Lira na eleição.
Nos últimos dias, o atual presidente da Câmara avançou sobre partidos que devem integrar a coalizão de Lula, com o objetivo de esvaziar essa possibilidade. Lira reforçou o compromisso de apoio do PSD e de uma ala do MDB. Também abriu conversas para fechar uma aliança com parlamentares da União Brasil.
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