BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Sob a influência de Kassio Nunes Marques, o presidente Jair Bolsonaro (PL) nomeou para o TST (Tribunal Superior do Trabalho) a juíza Liana Chaib, que pertence à família que contratou o hoje ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) por R$ 4 milhões em 2010.

Na época, Kassio era advogado e foi contratado para atuar em ação movida por servidores contra o Governo do Piauí. Sem assinar nenhuma petição no processo, ele terá direito a receber o valor.

A ação corria na Justiça desde 1987 e foi encerrada em 2014, com vitória dos funcionários públicos. O advogado da causa, Jorge Chaib, pai de Liana, passou a ter direito a ao menos R$ 25,5 milhões em precatório. Já falecido, o montante ficará como herança para a família.

Quando o precatório for liberado, parte dele terá que ser entregue a Kassio. Isso porque, em 2019, Liana protocolou no processo um documento, o primeiro no processo a constar o nome do ministro, em que a magistrada afirma que ele tem direito a parcela do valor da causa.

Na peça, ela diz que o atual ministro não assinou petições porque, naquela ocasião, era juiz do Tribunal Regional Eleitoral do Piauí. Não há nenhum impedimento para integrante de corte eleitoral oriundo da advocacia assinar petição nesse tipo de processo.

Além de Kassio, indicado por Bolsonaro ao STF no final de 2020, também não há no processo nenhuma petição assinada por algum advogado que integrava seu escritório à época.

Por meio de nota, o ministro afirmou que seu trabalho foi o de "consultor" e que "elaborou peças jurídicas".

"Por estratégia, o ingresso nos autos ocorreria apenas quando o processo mudasse de instância. No entanto, Nunes Marques se tornou desembargador federal em 2011 e deixou a profissão de advogado."

Liana, por sua vez, diz que, após a morte de seu pai, em 2010, "deu-se a contratação de outros advogados para prosseguimento do feito".

"Por força da morte do meu pai, Nunes Marques, que à época era advogado atuante e gozava da confiança dos meus familiares, sobretudo da minha, prestou assessoria jurídica à família."

Ela afirma que o atual ministro ingressaria nos autos em instâncias superiores, mas que isso não se concretizou porque ele foi indicado para ser juiz de segunda instância no TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região). Ela também diz que nunca atuou como advogada no processo e nega qualquer conflito de interesse.

O processo em questão foi movido em 1987 por servidores públicos do Piauí que reivindicavam na Justiça o direito a um acréscimo em seus vencimentos mensais com base na lei do gatilho salarial.

Isso ocorria porque, um ano antes, o então ministro da Fazenda, Dilson Funaro, estabeleceu reajuste automático nos salários sempre que a inflação alcançasse os 20% ao ano.

Jorge Chaib foi o responsável por atuar no processo em nome dos servidores, por isso passou a ter direito a parte do valor conquistado pelos funcionários do Governo do Piauí.

Liana é juíza do Trabalho desde 1990. Em 2001, ela foi promovida à segunda instância e passou a integrar o Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região, que fica no Piauí, mesma terra de Kassio.

Em setembro deste ano, ficou entre as três mais votadas no TST para ocupar a vaga do ministro Renato Paiva, que se aposentou. A lista tríplice foi enviada a Bolsonaro, que escolheu Liana.

Depois, seu nome foi aprovado pelo Senado. O ministro do Supremo, que mantém relação com a magistrada, foi um dos principais apoiadores da nomeação dela.

Após a derrota de Bolsonaro na eleição, senadores petistas chegaram a tentar adiar a sabatina de Liana e a votação para aprovar sua ida ao TST.

A negociação para referendar o nome de Liana entrou na mesma que a dos ministros do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Messod Azulay e Paulo Sergio Domingues.

Caso não fossem aprovados até o fim do ano, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) poderia retirar a indicação dos nomes e escolher os outros que compunham as listas enviadas pelos tribunais.

No entanto, o movimento não teve força suficiente e os três acabaram aprovados, tanto para o STJ quanto para o TST. Prevaleceu a articulação de Kassio, que trabalhou pela aprovação deles.

O ministro se tornou um dos nomes mais influentes junto a Bolsonaro e foi decisivo em diversas escolhas do presidente para postos importantes do Judiciário.

A relação de Kassio e Liana não ficou evidente apenas na atuação no processo que renderá ao menos R$ 4 milhões ao ministro.

Em 2017, então no TRF-1, o magistrado recebeu a comenda da Ordem Piauiense do Mérito Judiciário do Trabalho por indicação dela. Em 2020, a magistrada era presidente do TRT-22 e emitiu uma nota para parabenizar a indicação de Kassio ao STF.

Ela disse que o "brilhantismo e a serenidade" marcam a carreira do ministro do STF. Segundo ela, a escolha representou "o reconhecimento à sua notória excelência como magistrado e jurista, bem como motivo de elevada honra para o estado do Piauí".

Na nota enviada à Folha, a magistrada negou que tenha sido escolhida para o TST por causa do apoio de Kassio. "A indicação do nome passa pelo exercício da discricionariedade, balizada por outros fatores múltiplos que vão desde a ilibada reputação e notável saber jurídico."

Ela disse ainda que, como candidata ao posto, teve "o apoio imprescindível e incondicional da bancada política do estado do Piauí, agregado a demais apoios". Liana também afirmou que não há nenhum conflito de interesse entre a contratação de Kassio e a atual indicação ao tribunal.

"Estamos em 2022 e à época, em 2010, como disse, Nunes Marques era advogado e, desculpe-me, penso que nem ele mesmo saberia que chegaria a ser desembargador do TRF-1, muito menos ministro do Supremo Tribunal Federal. Quanto a mim, também não poderia prever que tão futuramente viesse a concorrer à indicação de ministra do TST, interligando fatos de 2010 a 2022."


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