SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O ministério que cuidará do Bolsa Família, um dos espaços discutidos para abrigar Simone Tebet (MDB) no novo governo, dá certa visibilidade ao titular, mas o efeito eleitoral do posto é discutível, diante das variáveis políticas que estão em jogo e do histórico de candidaturas de ex-ministros.

A senadora, aliada de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no segundo turno, é cotada para assumir o Desenvolvimento Social, que gerencia o programa de transferência de renda. Parte do PT vê risco de entregar o cargo a Tebet e fortalecer uma rival para a disputa presidencial de 2026.

A relação entre o comando do ministério e o êxito eleitoral, entretanto, não é tão automática. Além disso, no caso da senadora que personificou a terceira via no embate entre Lula e Jair Bolsonaro (PL), a eventual passagem pelo cargo seria elemento relevante de sua trajetória, mas não o único.

Segundo analistas, até hoje o projeto rendeu dividendos eleitorais mais expressivos para presidentes da República --sobretudo do PT. Há a avaliação de que, para o ocupante da pasta ser reconhecido como essencial para o programa, seria necessária uma estratégia de comunicação potente.

A utilização do pagamento como plataforma de campanha é dificultada ainda pela crescente percepção dele como uma política de Estado, de perfil duradouro. Com isso, vem prevalecendo um entendimento popular de que o governo não faz mais do que a obrigação ao mantê-lo.

Tebet se tornou peça importante para a vitória de Lula no segundo turno por adicionar o apoio de setores de classe média e da elite que se entusiasmaram com seu discurso centrista, pregando responsabilidade fiscal e justiça social.

Apesar do atrativo de criar uma ponte com a camada mais pobre da população, predominante no eleitorado, a cadeira do ministério foi insuficiente para eleger seus ex-ocupantes que buscaram cargo no Executivo desde 2003, quando o benefício foi instituído, no primeiro governo Lula.

O petista Patrus Ananias, titular da pasta de 2004 a 2010, chegou a ser apresentado como "pai do Bolsa Família" em esforço para turbinar sua candidatura a prefeito de Belo Horizonte em 2012, mas saiu derrotado. Antes, perdeu em 2010 como vice na chapa para o Governo de Minas Gerais.

O "pé-frio" do ministério também vitimou a sucessora de Patrus, a petista Márcia Lopes, que concorreu à Prefeitura de Londrina (PR) em 2012 e ficou em terceiro lugar. Tereza Campello, responsável pela pasta nos governos Dilma Rousseff (PT), não tentou a sorte nas urnas.

O programa tampouco impulsionou voos de Osmar Terra (MDB), que foi ministro nas gestões Michel Temer (MDB) e Bolsonaro. Ele -reeleito deputado federal- tentou, mas não se viabilizou como candidato ao Governo do Rio Grande do Sul neste ano.

Onyx Lorenzoni, que sucedeu Terra no ministério, aglutinou o bolsonarismo no pleito gaúcho, mas também naufragou, perdendo no segundo turno. Ele explorou a associação com o Auxílio Brasil (nome atual do Bolsa Família) ao exaltar seu trabalho no Ministério da Cidadania, como foi rebatizada a pasta.

Vinculação mais explícita foi feita por João Roma, também ex-ministro de Bolsonaro, em sua malsucedida campanha a governador da Bahia. Ele, que ocupou a pasta por pouco mais de um ano, tentou colar sua imagem ao benefício e usou nas propagandas o codinome de "pai do Auxílio Brasil".

Apesar da coincidência, as derrotas envolveram outros aspectos além do programa social.

Na hipótese de Tebet assumir a pasta e postular a Presidência de novo daqui a quatro anos, as chances dela dependeriam de arranjos partidários, de um plano de governo atrativo para setores mais amplos da sociedade e da capacidade de virar um nome nacional, visto que ainda é pouco conhecida.

O presidente eleito indica que não disputará a reeleição e que ajudará a construir potenciais sucessores, mas a chance de apoiar alguém de fora do PT é uma incógnita. Alas do partido rejeitam a ideia. A eventual candidatura de Tebet seria uma se ela estivesse no campo de Lula, e outra com ela na oposição.

Mesmo que não seja presidenciável, o futuro titular do Desenvolvimento Social terá sob sua alçada uma vitrine do petismo. Por isso, dirigentes defendem alguém da legenda no comando. A aprovação da PEC da Transição faz parte do esforço para manter a ascendência sobre o projeto.

Também pesa contra Tebet a pressão de correntes partidárias e movimentos sociais que defendem a nomeação de algum quadro com maior afinidade com políticas de assistência social. A emedebista foi uma das coordenadoras do grupo técnico de desenvolvimento social no gabinete de transição.

Estudos sobre os efeitos eleitorais do Bolsa Família/Auxílio Brasil em eleições para o Planalto demonstram que até hoje os maiores beneficiados foram presidenciáveis do PT, segundo o cientista político Sérgio Simoni Júnior, que pesquisou o tema em seu doutorado na USP.

"Isso ocorre porque ele foi criado no governo do partido, mas sua influência não pode ser isolada de outros fatores", diz o professor de ciência política e políticas públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. "O programa por si só é insuficiente para determinar a vitória."

Para Simoni, o insucesso de ex-ministros que tentaram se apropriar da iniciativa pode ser explicado pela dificuldade de figurar como "dono" dela --papel que, no senso comum, pertence a Lula e, secundariamente, a Dilma.

"O Bolsa Família, ou Auxílio Brasil, é o que na teoria chamamos de política programática, aquela em que o gestor tem baixa margem de discricionariedade para direcionar os grupos da população que serão atendidos, por existirem critérios técnicos e universais."

É diferente, por exemplo, de obras feitas com emendas parlamentares, em que o deputado pode não só propagar a sua autoria como também aparecer na foto, compara Simoni.

Lula lançou mão de estratégia nessa linha ao transformar a então ministra Dilma em "mãe do PAC". Com a imagem atrelada ao Programa de Aceleração do Crescimento, posando em inaugurações país afora, ela virou presidente em 2010 sem nunca antes ter concorrido em eleições.

O programa de transferência de renda tem gestão compartilhada com prefeituras e, nos últimos 20 anos, foi tratado como ativo eleitoral dos presidentes em busca de reeleição. Bolsonaro manobrou um reajuste no valor (de R$ 400 para R$ 600) no ano do pleito, mas o reflexo não foi o esperado.

Levantamento da Folha de S.Paulo com base no resultado do primeiro turno mostrou a tendência de cidades com maior proporção de famílias beneficiadas pelo Auxílio Brasil darem vitória a Lula, em vez do rival.

Bolsonaro recebeu 24% dos votos nos municípios mais pobres do país, ante 71% do petista, considerando aqueles proporcionalmente mais atendidos pelo programa.

O padrão se repetiu nas diferentes regiões. Nas cidades menos contempladas, o atual presidente teve melhor desempenho, com em média 51% dos votos, contra 39% do petista.

A última pesquisa Datafolha do segundo turno, na véspera da votação, mostrou que a intenção de voto em Lula entre beneficiários do Auxílio Brasil chegava a 61%, enquanto em Bolsonaro era de 39%.


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