CURITIBA, PR (FOLHAPRESS) - O Tribunal de Contas do Paraná ainda se adapta a uma situação inédita no órgão de controle. Respaldado por uma decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça), Maurício Requião voltou a ocupar 1 das 7 cadeiras de conselheiro há cerca de um mês --ele estava afastado do TCE desde 2009.

O afastamento havia ocorrido após ações populares contestarem na Justiça sua eleição. Agora ele diz que deve pedir os vencimentos relativos ao período em que permaneceu fora do cargo. Atualmente, o subsídio mensal de um conselheiro é de R$ 35.462,22

Maurício é irmão do ex-governador e ex-senador Roberto Requião (PT).

Em 2008, ele era secretário estadual da Educação na gestão do irmão quando foi eleito pela Assembleia Legislativa para uma vaga no TCE, aberta com a aposentadoria do conselheiro Henrique Naigeboren.

Na época, Roberto Requião foi quem assinou a nomeação após a votação dos deputados estaduais. Mas o caso foi parar na Justiça estadual.

Ações populares contestavam procedimentos adotados na eleição conduzida pela Assembleia -a votação foi aberta, e não secreta, por exemplo. Também se levantava a hipótese de nepotismo, vínculo entre o eleito ao TCE e o chefe do Executivo.

A partir daí, começou um imbróglio que só chegaria ao capítulo final em agosto passado, com a decisão do STJ.

Em 2009, quando Maurício já estava exercendo o cargo no TCE havia quase um ano, o ministro Ricardo Lewandowski, do STF (Supremo Tribunal Federal), suspendeu a posse do ex-secretário da Educação até o desfecho das ações populares. Elas foram julgadas improcedentes pelo Tribunal de Justiça do estado, mas os recursos se estenderam até 2018.

Antes disso, contudo, na esteira das contestações, a própria Assembleia resolveu em 2011 anular o processo de escolha. Naquele ano, Beto Richa (PSDB) iniciava seu primeiro mandato no Governo do Paraná e foi quem assinou um decreto revogando a nomeação de Maurício Requião.

A defesa buscou o TJ, mas o recurso foi rejeitado no ano de 2015, por 9 votos a 8, e o caso foi ao STJ.

Ainda em 2011, a Assembleia realizou uma nova eleição, vencida pelo então procurador-geral do estado, Ivan Bonilha. Ele até hoje exerce a função de conselheiro, mesmo após a decisão do STJ que em agosto modificou o entendimento da Justiça estadual e determinou que Maurício retornasse aos quadros do TCE.

Para os ministros da 2ª Turma do STJ, o governo não tinha poder para anular a nomeação por via administrativa, e foi determinando o retorno de Maurício na primeira vaga aberta e reservada a indicações da Assembleia. Mas Bonilha foi autorizado a permanecer no órgão.

Também em 2011, na função de procurador-geral do estado, foi Bonilha quem assinou, com Richa, o decreto que revogou a nomeação de Maurício.

Procurado, Bonilha preferiu não dar entrevista. Beto Richa também não quis comentar o caso.

Em Brasília, nem mesmo a defesa de Maurício chegou a reivindicar a cadeira ocupada por Bonilha há mais de uma década.

"Evidente que, a esta altura, anular a nomeação de Ivan Bonilha haveria provavelmente um prejuízo muito grande. Então, o que se pede aqui é permitir que Maurício Requião fique em disponibilidade até que se abra uma nova vaga", disse o advogado Eugênio Aragão, que representa o conselheiro, em defesa oral no STJ.

A vaga para Maurício, hoje com 68 anos, não demorou a surgir no TCE. No final de outubro, o conselheiro Artagão de Mattos Leão completou 75 anos de idade, se aposentando de forma compulsória.

Mas a decisão do STJ movimentou os bastidores da política no Paraná.

O retorno inesperado de Maurício após 13 anos pegou de surpresa aliados do atual governador, Ratinho Junior (PSD), que já trabalhavam pelo nome do secretário estadual do Desenvolvimento Urbano e Obras Públicas, o ex-deputado estadual Augustinho Zucchi, para ocupar a vaga de Mattos Leão.

O governo estadual chegou a apelar ao STF para tentar reverter a decisão favorável a Maurício, mas a liminar foi negada.

A Assembleia também entrou com uma medida judicial, mas recuou na sequência. Procurada pela reportagem, a Procuradoria-Geral do Estado afirmou que, por "estratégia processual", não irá se manifestar. A Assembleia também não se pronunciou.

No final de novembro, outro conselheiro, Nestor Baptista, resolveu antecipar sua aposentadoria, abrindo mais uma vaga no TCE --ele completa 75 anos apenas em julho de 2023. Assim, no último dia 6, Ratinho Junior encaminhou um ofício à Assembleia indicando o nome de Zucchi para a nova vaga. O aval saiu nesta quarta-feira (14).

Dentro do TCE, a decisão do STJ também rende desdobramentos. Maurício começou a participar das sessões do órgão no mês passado e, desde então, os conselheiros discutem sobre critérios de antiguidade.

O tempo de Casa é um fator que interfere em questões que vão desde a ordem de votação nas sessões colegiadas até a composição das câmaras do TCE. A maioria dos conselheiros sinaliza que o irmão do ex-governador deve ser considerado o integrante "mais novo" do colegiado.

A questão tem gerado animosidade entre os conselheiros. Maurício insiste no reconhecimento do período em que ficou afastado.

"Eu estou legitimamente empossado desde 10 de julho de 2008. Não posso aceitar que o fato histórico seja apagado. Eu acho que isso seria uma violência a mais dentro deste processo todo. Não tomei posse pela segunda vez. Eu simplesmente reassumi", disse ele a conselheiros, em fala registrada em vídeo.

À reportagem Maurício Requião disse que, se não conseguir o reconhecimento da antiguidade pela via administrativa, ele deve apelar ao Judiciário.


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