BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O Congresso colocou uma trava para impedir o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de fazer mudanças no destino dos quase R$ 10 bilhões que ficam sob comando do novo governo pelo acordo de redistribuição das extintas emendas de relator.
Após o STF (Supremo Tribunal Federal) declarar essas emendas inconstitucionais na última semana, a cúpula do Congresso negociou uma saída com o governo eleito para manter a influência dos parlamentares.
Pelo acerto, metade da verba, R$ 9,85 bilhões, foi incorporada às emendas individuais que cada congressista tem direito a fazer ao Orçamento da União. Os outros R$ 9,85 bilhões voltam para as mãos do governo.
Ocorre que deputados e senadores inseriram um dispositivo no Orçamento para que Lula precise de autorização do próprio Congresso para colocar a verba da sua parte em outras áreas que não sejam as definidas pelos parlamentares, como construção de estradas, compras de tratores e obras.
O presidente eleito não é obrigado a executar as obras, convênios e projetos, mas o dinheiro ficará nos ministérios de Lula, como Agricultura e Desenvolvimento Regional, de forma engessada.
Aliados de Lula chegaram a dizer que o governo eleito iria apresentar ao relator do Orçamento, senador Marcelo Castro (MDB-PI), uma proposta para a distribuição dos R$ 9,85 bilhões entre os ministérios do novo governo.
No entanto, líderes do centrão já afirmavam na terça-feira (20) que a prioridade é do Congresso, responsável pela aprovação do Orçamento. Por isso, mesmo a realocação da verba de Lula iria atender a projetos de interesse dos parlamentares, irrigando pastas e ações semelhantes que recebiam emendas de relator nos anos anteriores.
Nessa queda de braço, o centrão se sobressaiu. Com críticas de poucos deputados, como os do PSOL, o Orçamento aprovado foi com os R$ 9,85 bilhões divididos no mesmo modelo das emendas de relator e com a trava a Lula para alterações nessa verba. O PT não se opôs a isso no Congresso.
Na prática, apesar da decisão do STF, o Orçamento de 2023 mantém os recursos nas mesmas ações e projetos que já estavam previstos na semana passada em acordo político entre líderes do centrão. A diferença é o código, que sai do RP9 (emendas de relator) e entra no RP2 (recurso dos ministérios).
Líderes do centrão têm afirmado que, embora tenham perdido o poder de execução das emendas de relator, querem que os R$ 9,85 bilhões repassados para os ministérios sejam liberados seguindo indicações de parlamentares.
Para isso, deputados e senadores terão de negociar o envio dos recursos com os ministérios. Mas, no governo de Jair Bolsonaro (PL), também não havia a obrigação de os ministros executarem as emendas de relator -era uma negociação política.
Na semana passada, o Congresso já havia feito uma divisão das emendas, antes da decisão do STF.
O quadro previa recursos para algumas ações, como fomento ao setor agropecuário (compra de máquinas), qualificação viária (área de obras em rodovias), abastecimento de água do canal do sertão alagoano, entre outras.
Foram atendidos os ministérios da Agricultura, Saúde, Educação, do Desenvolvimento Regional (que será fatiado em dois) e da Cidadania (futuro Desenvolvimento Social).
Os ministérios desmembrados do Desenvolvimento Regional estão sendo negociados por Lula com o centrão, mas o grupo de partidos que aglutina muita força no Congresso não comandará as demais pastas. No caso da Agricultura, deve ir o senador Carlos Fávaro (PSD-MT), aliado de Lula e também do presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Por isso, a trava contra mudanças no destino dos R$ 10 bilhões teve amplo apoio na Câmara e no Senado.
O quadro da semana passada, antes da decisão do STF, previa R$ 40 milhões de emendas de relator para a implantação de sistemas adutores para abastecimento de água no canal do sertão alagoano, via Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Paranaíba).
Agora, mesmo com o fim das emendas, o relator chegou a ampliar para R$ 50 milhões o valor para essa mesma ação.
No caso da ação de fomento ao setor agropecuário, que financia compras de máquinas e tratores, havia a previsão de destinar R$ 600 milhões em emendas de relator na semana passada. O Orçamento aprovado colocou R$ 416 milhões nessa mesma área com recursos oriundos da parte de Lula no acordo de divisão da verba das emendas.
O centrão ainda conseguiu encontrar uma forma para destravar mais de R$ 7 bilhões em emendas de relator que estavam bloqueadas pelo governo Bolsonaro neste ano. O dinheiro deve ser descongelado após a aprovação da PEC da Gastança, que permite ao governo investir cerca de R$ 23 bilhões ainda neste ano.
Por acordo entre lideranças partidárias, o Congresso aprovou na quinta-feira (22) um projeto que transfere o valor das emendas de relator (classificadas como RP9) para o orçamento próprio dos ministérios.
A proposta ainda permite, "excepcionalmente", que o governo poderá destinar os recursos para transferência direta para estados e municípios. O acordo político, no entanto, prevê que os parlamentares terão o direito de indicar qual o destino do dinheiro --assim como era feito antes de o STF declarar as emendas de relator inconstitucionais.
Para dar segurança a essa execução do Orçamento a uma semana do fim do ano, a AGU (Advocacia-Geral da União) apresentou um pedido de esclarecimento ao STF.
No documento, o governo diz que a decisão do Supremo sobre as emendas de relator não foi clara sobre os recursos que ainda estão em execução, ou seja, já foram empenhados ou já tiveram parte dos repasses feitos.
A AGU defende que todo o dinheiro empenhado (primeira fase da execução) seja pago. "Além de coerente do ponto de vista sistemático, esse entendimento seria mais condizente com a necessidade de evitar que serviços, obras e compras já iniciados sejam abruptamente suspensos", afirma.
Lideranças do centrão ouvidas pela Folha esperavam que a AGU tivesse um entendimento consolidado sobre o alcance da decisão do Supremo até a última quinta-feira, para que os parlamentares pudessem sair de férias com a certeza de que os recursos seriam pagos conforme suas indicações.
Com as dúvidas da AGU, a expectativa agora é que o Supremo apresente uma resposta na próxima semana, para que os mais de R$ 7 bilhões possam ter uma destinação ainda neste ano, com pagamento previsto para 2023.
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