SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Na primeira semana à frente do Governo de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) se dedicou a contornar crises com secretários, estabelecer diálogo com o governo federal de Lula (PT), se aproximar do prefeito da capital, Ricardo Nunes (MDB), e até cometeu uma gafe.
Ao falar com jornalistas, na quinta-feira (5), sobre a parceria com a prefeitura em eventos na capital, o governador, que nasceu no Rio de Janeiro e construiu sua carreira em Brasília, mencionou o festival de música Rock in Rio, que acontece no Rio, em vez do Lollapalooza, que ocorre em São Paulo, e logo se corrigiu.
Aliados do governador classificaram a gafe como uma bobagem. Agora morador de São Paulo, Tarcísio já se mudou com a família para o Palácio dos Bandeirantes.
Neste início de gestão, o governador paulista enfrenta ainda pressão das bancadas na Assembleia Legislativa de São Paulo. A reclamação é a de que deputados estaduais aliados não foram contemplados com cargos na administração e ainda esperam ocupar postos de segundo escalão, estatais e autarquias sob pena de que Tarcísio não consiga formar uma base com maioria folgada.
Outras dores de cabeça nos primeiros dias foram causadas pelos secretários da Segurança, Capitão Derrite (PL), e da Educação, Renato Feder. O governador minimizou os episódios.
A polêmica com Derrite, que faz parte da cota bolsonarista do secretariado de Tarcísio, foi mais um capítulo da novela sobre as câmeras nas fardas de policiais militares que se arrasta desde a campanha.
Num aceno à base de direita radical, Tarcísio prometeu no ano passado retirar o aparelho, mas voltou atrás e disse que ouviria especialistas. A medida é elogiada pelos resultados positivos na redução das mortes de suspeitos e de policiais.
Na quarta-feira (4), Derrite declarou em entrevista a uma rádio de Sorocaba (SP) que a medida seria, sim, revista. No dia seguinte, após uma nota do Ministério dos Direitos Humanos demonstrando preocupação em relação à fala do secretário, o governador teve que esclarecer que manterá as câmeras.
Disse que não havia desentendimento entre ele e Derrite. Internamente, o assunto foi considerado encerrado.
"Estamos falando a mesma coisa. A grande questão é tempo, a questão temporal. Neste primeiro momento nada muda", disse Tarcísio, acrescentando que, com o tempo e com base em números e dados, irá rever todas as políticas públicas do governo.
Tarcísio também teve que responder a respeito do vínculo entre Feder e a empresa Multilaser, que tem contratos com a Secretaria de Educação. Feder afirma ter se afastado da administração da empresa e que não fará negócios com a firma em sua gestão, mas sua pasta é responsável por fiscalizar os contratos em andamento.
Além disso, o secretário mantém ações da companhia por meio de uma offshore. A informação foi revelada pelo site Metrópoles e confirmada pela Folha.
Assim como no caso de Derrite, Tarcísio colocou panos quentes e disse não ver conflito de interesses. "Está dentro da legalidade? Está", afirmou.
Nos bastidores, no entanto, auxiliares do governador afirmam que a situação exige atenção e transparência redobradas, para que a execução dos contratos não enseje mais suspeitas.
O governador também dedicou parte da sua agenda a desfazer um desgaste contratado no fim da transição, quando resolveu extinguir a Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência, foi alvo de críticas e recuou.
Na quinta, ele se reuniu com entidades da área e disse que a extinção da secretaria foi fruto de uma "visão equivocada".
O encontro com ativistas e a ida ao velório do Pelé em Santos (SP), na segunda-feira (2), foram exceções em uma semana dominada por compromissos internos. Também na segunda, Tarcísio realizou a tradicional reunião semanal do secretariado.
Depois do encontro, ele confirmou que irá sancionar o projeto que aumenta em 50% o próprio salário com efeito cascata nos vencimentos de 18 mil servidores. O impacto estimado é de R$ 1,5 bilhão por ano.
O governador buscou ainda estreitar laços com Nunes, com quem esteve no velório do Pelé e com quem se reuniu, junto de secretários, para definir ações conjuntas com a prefeitura, sobretudo na Cracolândia.
O grupo político de Nunes apoiou a reeleição de Rodrigo Garcia (PSDB), mas logo migrou para Tarcísio no segundo turno. O prefeito agora busca o apoio do governador na sua tentativa de reeleição em 2024.
Em relação ao governo Lula, de quem é opositor, Tarcísio escalou o secretário de Governo e presidente do PSD, Gilberto Kassab, para tratar de assuntos como a privatização do Porto de Santos, que o governador defende e a gestão federal rechaça, e para demonstrar disposição de diálogo e boa relação.
Já na articulação de Tarcísio na Assembleia, há pontas soltas. Deputados de partidos da coligação, como Republicanos, PL e PSD, cobram mais espaço para atender as bancadas, assim como parlamentares de siglas que aderiram ao governador no segundo turno, como PSDB, MDB e União Brasil.
Os deputados estaduais reivindicam que Tarcísio estabeleça logo um canal de diálogo com a Assembleia para atendê-los. Segundo membros do governo, os pleitos são legítimos e a ideia é ter uma relação próxima com os parlamentares.
A articulação política cabe a Kassab, que é reconhecido pela habilidade na negociação e foi padrinho de Tarcísio durante a campanha --tendo emplacado muito mais aliados no governo do que o patrocinador original da candidatura, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Aliados e opositores de Tarcísio esperam um governo com a cara de Kassab para os próximos quatro anos. O protagonismo do secretário ficou evidente no beija-mão na cerimônia de posse, no último dia 1º, e no tratamento que tem recebido dos pares.
Na quinta-feira, por exemplo, secretários estaduais e municipais esperavam pelo governador enquanto tomavam café num corredor do palácio. Quando Kassab se aproximou, as diferentes rodas de conversa imediatamente se dissiparam na medida em que um único círculo de políticos se formou ao redor do secretário.
A primeira semana de Tarcísio destoa da de João Doria, em 2019, que teve uma série de entrevistas para a imprensa e uma visita à obra de um hospital. Aliados do novo governador dizem que ele seguirá uma linha mais discreta.
Como o antecessor Rodrigo, Tarcísio despacha do gabinete dedicado ao governador, no segundo andar do palácio. Doria havia transferido seu escritório para dentro da área residencial e deixado o espaço original do governador para o então vice, Rodrigo --que se manteve ali ao assumir o cargo.
O gabinete do vice-governador fica imediatamente abaixo, no primeiro andar. A sala agora ocupada por Felicio Ramuth (PSD) era, na época de Doria, emprestada ao então secretário da Fazenda Henrique Meirelles.
Como mostrou a Folha em 2019, Doria pintou o palácio de cinza e preto, encobrindo piso e portas tradicionais de madeira, e alterou a decoração com móveis modernos e quadros de fotografias em preto e branco.
Meirelles, no entanto, não autorizou a reforma em sua sala, que hoje é a única preservada com o estilo original --que Felicio pretende manter.
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