BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O terceiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vem patinando na tentativa de pautar uma agenda positiva e garantir um ambiente de normalidade na arrancada da nova gestão. Apesar de o próprio mandatário cobrar pressa para que o governo apresente medidas, as sucessivas crises nas duas primeiras semanas frustraram expectativas.
Aliados do presidente se queixam e passaram a ironizar o cenário turbulento afirmando que o ano ainda não começou. A avaliação entre esses auxiliares é que o governo está vivendo de apagar incêndios e precisa virar a página com urgência.
O ataque de golpistas ocorrido em Brasília no dia 8, que depredou a sede dos três Poderes, é uma demonstração disso. Ainda sob o impacto dos atos de vandalismo, o Palácio Planalto precisou lidar com a descoberta pela Polícia Federal de uma minuta de decreto para mudar o resultado das eleições presidenciais --a proposta estava na casa do ex-ministro da Justiça de Bolsonaro Anderson Torres, como revelado pela Folha de S.Paulo.
Os dois episódios, dizem auxiliares palacianos, acorrentam o governo Lula 3 na disputa eleitoral, que já era considerada superada, e impedem focar os trabalhos da forma esperada. A ordem tem sido retomar o clima de normalidade.
No dia seguinte aos atos, na tentativa de imprimir uma rotina à agenda, o presidente despachou desde cedo do Palácio do Planalto.
"Estamos superando os atentados do último domingo [dia 8] com uma resposta institucional rápida e forte que criou um ambiente no Executivo, Legislativo e Judiciário para aprofundar e punir veementemente os responsáveis por este crime contra a democracia e o patrimônio histórico e cultural do nosso país", afirma o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha.
O ministro lembra a reunião realizada logo no dia seguinte aos ataques, com os governadores e chefes dos Poderes. A ideia do encontro era sinalizar de forma clara que novos atentados não seriam tolerados.
"Além disso, 48 horas depois conseguimos a aprovação no Congresso Nacional da intervenção que foi decisiva para estancar o golpe de Estado que estava sendo engendrado no país."
Os golpistas quebraram no Planalto janelas, cadeiras, mesas, vasos, reviraram gavetas e destruíram obras de arte, especialmente no térreo, no segundo e no terceiro andar, onde o presidente despacha. Mas o local passou por uma limpeza a jato e, à tarde, funcionários e jornalistas já puderam trabalhar no prédio.
Como o gabinete do petista tem um esquema de segurança reforçado, ficou incólume no ataque.
Lula recebeu ministros, governadores, parlamentares e ministros do STF (Supremo Tribunal Federal). Também participou de reuniões de trabalho com titulares de ministérios. Camilo Santana (Educação) e Nísia Trindade (Saúde) estiveram com Lula para discutir as prioridades de suas pastas e ambos depois falaram com a imprensa.
Além disso, o Planalto foi aberto para realizar a cerimônia de posse de Anielle Franco (Igualdade Racial) e Sônia Guajajara (Povos Indígenas). Apesar dos reforços, os eventos ocorreram sob um cenário de pós-destruição, com tapumes substituindo janelas e portas quebradas.
O governo buscou ainda dar sinais iniciais de avanços na área econômica, quando o ministro Fernando Haddad (Fazenda) anunciou seu primeiro pacote de medidas, prometendo melhoria fiscal de R$ 242,7 bilhões nas contas públicas neste ano.
Devido à gravidade dos ataques, o núcleo de governo se viu obrigado a instaurar um gabinete de crise para gerenciar a situação. Na busca por culpados pelas falhas que contribuíram para os atos golpistas, tornaram-se evidentes disputas internas que vinham minando o primeiro escalão do ministério recém-formado.
Interlocutores de Lula passaram a criticar a atuação do ministro da Justiça, Flávio Dino, da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal e, especialmente, do titular da Defesa, José Múcio, no desenrolar dos eventos.
Múcio entrou na mira de aliados e sofreu críticas do próprio Lula, ao adotar uma postura mais moderada quanto aos acampamentos bolsonaristas em frente a instalações militares.
O episódio daquele domingo aumentou o desgaste de Múcio, levando a boatos sobre sua demissão. Por isso, em café com jornalistas, Lula teve de sair em sua defesa e dizer que o ministro continua no governo.
"Quem coloca ministro e tira ministro é o presidente da República. O Zé Múcio fui eu quem trouxe para cá, ele vai continuar sendo meu ministro, porque eu confio nele", afirmou.
Mesmo antes dos ataques golpistas, Lula vinha adotando o discurso de pressa para o governo apresentar resultados.
A governadores aliados o presidente pediu que indiquem três prioridades para cada estado, informando ainda o cronograma de obras e programas. A sugestão é que apontem os projetos mais avançados para que, em breve, sejam inaugurados.
Além de uma reunião geral, o mandatário já recebeu governadores individualmente. A Helder Barbalho (MDB-PA) sinalizou a disposição de adotar um modelo semelhante ao PAC, priorizando obras de infraestrutura em consonância com os estados.
"A prioridade zero é entrega. O governo tem que ter entrega, tem que ter agenda positiva. Essa é claramente a orientação de Lula aos ministros", disse Helder Barbalho, após café da manhã com Lula.
Em dezembro, em uma reunião do diretório nacional do PT, Lula disse que tem seis meses para apresentar resultados concretos ao eleitor. Do contrário, sofreria com protestos nas ruas.
Colaboradores de Lula afirmam que o presidente estabelece como meta realizar o equivalente a dois anos nos primeiros seis meses de governo.
O petista quer viajar para ao menos dois estados por mês e já apresentar algo novo --aliados dizem que ele pretende visitar todas as unidades da federação neste ano. Neste mês, por exemplo, vai ao Rio e à Bahia.
Antes de eclodirem os atos golpistas, o governo vinha enfrentando dificuldade para montar o seu segundo escalão e acomodar aliados e partidos da base. Inicialmente, a intenção era que o governo estivesse totalmente montado até o próximo dia 24.
Contudo, auxiliares palacianos veem o prazo como apertado para indicações partidárias. Já se fala em completá-las em fevereiro. Até lá, a Casa Civil, trabalha a todo vapor para conseguir emplacar o máximo de nomes, garantindo que a máquina não pare sem os nomeados.
Aliados apontam ainda, que medidas anunciadas por Lula no dia 1º, como a determinação para retirar as estatais do programa de privatizações e a suspensão de armas de uso restrito para CACs (caçadores, atiradores e colecionadores), acabaram ofuscadas pela própria posse presidencial --e que é preciso trazê-las de volta ao debate público.
Também na primeira semana, o governo buscou contornar crise envolvendo a indicação da ministra do Turismo, Daniela Carneiro (União Brasil), devido à revelação de elos com milicianos no Rio de Janeiro.
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