SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A nomeação de parentes em diferentes graus para cargos públicos (prática conhecida como nepotismo) é regulada pela legislação brasileira, mas há áreas cinzentas e formas de burlar as restrições jurídicas.

O tema ganhou evidência neste ano com cinco governadores preenchendo cargos de confiança com familiares ?casos de Paulo Dantas (MDB), em Alagoas; Fábio Mitidieri (PSD), em Sergipe; Marcos Rocha (União Brasil), em Rondônia; Antônio Denarium (PP), em Roraima; e Raquel Lyra (PSDB), em Pernambuco.

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), chegou a nomear um cunhado para sua gestão, mas depois recuou. Os demais governadores argumentam que as nomeações responderam a critérios técnicos e não são irregulares, já que os cargos são considerados de natureza política.

Entenda o que diz a lei sobre o nepotismo:

O QUE É NEPOTISMO E O QUE DIZ A LEGISLAÇÃO SOBRE O ASSUNTO?

O nepotismo, termo usado para definir o uso de um cargo, por um agente público, para nomear ou favorecer parentes, é proibido por lei desde 1990, quando foi vedada a indicação para cargos ou funções de confiança de cônjuge, companheiro ou parente até o segundo grau.

No direito brasileiro, a linha familiar tem duas formas de visualização ?vertical, olhando para os ascendentes, como pais, avós e bisavós, e horizontal, composta por irmãos, tios e sobrinho, por exemplo. Há também o grau de afinidade, considerando o cônjuge e seus parentes, ou então padrastos, madrastas e enteados.

O texto, porém, é genérico, e precisou ser definido mais estritamente pelo STF (Supremo Tribunal Federal), que o fez pela súmula vinculante de número 13, de 2008.

Segundo Matheus Herren, advogado e professor de direito na PUC-SP, mesmo que a nomeação de parentes não esteja coberta pelo aparato jurídico já existente, a prática pode levar à responsabilização de quem indicou o familiar ao cargo por improbidade administrativa.

QUAL FOI O ENTENDIMENTO DO STF?

O tribunal ampliou o grau de parentesco até o terceiro grau tanto na vertical quando na horizontal, incluindo também a afinidade.

A legislação foi interpretada pelo Supremo como nacional, ou seja, vigente para a União, os estados e os municípios. Isso significa que a regra vale tanto para o presidente da República, quanto para governadores e prefeitos.

Também houve a interpretação do princípio da eficiência da administração pública quando há casos de nepotismo ?além de ferir o princípio da impessoalidade, se a pessoa não for qualificada para o exercício do cargo, fere-se também a eficiência, outro fator-base para o funcionalismo público, segundo a Constituição.

Os princípios de legalidade e moralidade, também na Carta Magna, serão da mesma forma feridos, segundo a Corte, já que a indicação de familiares é ilegal.

EXISTEM OUTRAS REGULAMENTAÇÕES DO ASSUNTO?

Ainda há outras resoluções e leis sobre o assunto, para órgãos como o Ministério Público e para os servidores do Judiciário, em resolução do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

Em 2010, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) editou decreto estendendo o entendimento do Supremo para toda a administração pública, direta e indireta.

QUAIS AS FORMAS POR VEZES USADAS DE CONTORNAR AS RESTRIÇÕES JURÍDICAS?

Ainda há algumas questões que ficam a largo da legislação e jurisprudência, como o nepotismo cruzado, quando o agente público nomeia o parente de outro servidor, e este servidor nomeia um parente do primeiro agente.

Também há a tese que diferencia cargos públicos de natureza técnica e de natureza política ?enquanto o primeiro é criado por lei e compõe escalas inferiores da hierarquia administrativa, o segundo figura na Constituição e visa compor escalões superiores, como chefia de secretarias, planejando as ações de governo e auxiliando os chefes dos Poderes.

Apesar de não haver uma decisão estrita sobre esses dois tipos de cargos, o Supremo tem validado a interpretação e decidido favoravelmente a algumas indicações de familiares ?em 2009, por exemplo, a corte decidiu pela nomeação de Ivo Gomes, irmão do então governador do Ceará Cid Gomes (PDT), à chefia de gabinete.

HÁ ALGO EM CURSO PARA REGULAR MELHOR O TEMA?

Há um recurso interpelado no STF contra a inconstitucionalidade de uma lei sancionada em Tupã, cidade a 514 km da capital paulista. O texto não considerava a nomeação de parentes para cargos de natureza política como nepotismo.

A Corte decidiu que o caso terá repercussão geral, ou seja, servirá de parâmetro para julgamentos futuros do mesmo tema, e consolidará a interpretação da corte sobre a natureza das funções públicas.

QUAIS OS DESAFIOS QUE O NEPOTISMO IMPÕE À POLÍTICA?

O professor de direito administrativo da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) Onofre Alves Batista Jr. diz que o favorecimento de familiares não é problema exclusivo do Brasil, mas que é difícil enfrentar um problema moral com a legislação regulando de forma rígida uma questão fluída, com várias nuances políticas e sociais.

Batista Jr. cita também a necessidade de se criar exceções quando há competência do parente indicado para exercer a função, visualizando melhor o caso concreto para evitar, por exemplo, o cruzamento de benefícios entre famílias influentes na administração, como as de políticos, juízes, entre outros.


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