BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O corregedor da Receita Federal, João José Tafner, afirma ter sofrido no ano passado pressão do antigo comando do Fisco para arquivar processo disciplinar aberto contra o servidor que acessou de forma imotivada dados fiscais sigilosos de desafetos do clã Bolsonaro.

As afirmações, feitas internamente ao atual comando da Receita, resultaram na instauração de uma investigação pela Corregedoria do Ministério da Fazenda.

Como a Folha de S.Paulo revelou nesta segunda-feira (27), o chefe da inteligência da Receita Federal no início da gestão Jair Bolsonaro, Ricardo Feitosa, acessou e copiou em julho de 2019 dados fiscais sigilosos de desafetos do então presidente.

São eles o coordenador das investigações sobre o suposto esquema das "rachadinhas" --o então procurador-geral de Justiça do Rio Eduardo Gussem-- e dois políticos que haviam rompido com a família presidencial, o empresário Paulo Marinho e o ex-ministro Gustavo Bebianno.

De acordo com documentos internos e depoimentos de pessoas ligadas ao caso, Tafner acusou o então secretário da Receita Federal Julio Cesar Vieira Gomes e o então subsecretário-geral, José de Assis Ferraz Neto, de pressioná-lo no ano passado a arquivar o caso e não punir Feitosa.

Vieira Gomes e Ferraz Neto deixaram os cargos em dezembro, com o fim do governo Bolsonaro.

A Folha de S.Paulo confirmou com diferentes fontes de informação que o atual secretário da Receita, Robinson Barreirinhas, transcreveu as acusações de Tafner em uma ata e as enviou à corregedoria do Ministério da Fazenda, que já abriu investigação.

De acordo com esses relatos, Barreirinhas enxergou possível ato de prevaricação, uma vez que Tafner não teria denunciado o caso ou tomado providências à época das supostas pressões.

O novo chefe do Fisco não é auditor fiscal e chegou ao cargo pelas mãos do ministro Fernando Haddad (Fazenda), de quem foi secretário na Prefeitura de São Paulo.

Essa ata conteria ainda outra acusação de Tafner, feita contra o próprio Barreirinhas. O corregedor afirma também ter sofrido pressão do atual comando da Receita para renunciar ao seu mandato na corregedoria do Fisco, que termina só em janeiro de 2025.

Tafner participou de atos de campanha bolsonarista em 2018 e chegou a posar para fotos ao lado do então candidato a deputado Eduardo Bolsonaro usando camisa da seleção brasileira e adesivo de um outro candidato do PSL.

Ele chegou à função após uma longa campanha pública e de bastidores do clã Bolsonaro para emplacar na cadeira alguém alinhado, já que a família afirmava ser perseguida por meio de acessos ilegais de dados e vazamentos de informações sigilosas, em especial os de Flávio Bolsonaro (PL-RJ).

Desde 2020, os advogados do senador alegam que seu cliente teve os dados fiscais acessados ilegalmente pela Receita para fornecer informações ao relatório do Coaf, órgão de inteligência financeira que apontou as movimentações suspeitas de seu ex-assessor Fabrício Queiroz.

A corregedoria da Receita Federal não encontrou indícios de que o relatório do Coaf que trouxe à tona o escândalo das "rachadinhas" tenha envolvido ato ilegal de auditores fiscais do Rio de Janeiro.

Ainda de acordo com relatos de pessoas a par das investigações, o atual corregedor fez as afirmações sobre a suposta pressão que teria sofrido da gestão anterior em um contexto de sinalizar para o atual comando do Fisco que não é bolsonarista.

Tafner entregou a conclusão da investigação contra Feitosa com a recomendação de demissão do servidor. A decisão final cabe a Haddad.

Os documentos e informações obtidos pela Folha de S.Paulo mostram que o então chefe da inteligência da Receita, que ficou no posto só quatro meses --de maio a setembro de 2019--, acessou e extraiu cópia de Imposto de Renda de desafetos de Bolsonaro, relativos a vários anos, além de promover uma devassa em outros três sistemas de consulta de dados da Receita.

Não havia nenhuma investigação formal na Receita contra essas pessoas que justificasse essas consultas.

Feitosa diz que não vazou dados sigilosos e que sempre atuou no estrito cumprimento do dever legal.

OUTRO LADO

O ex-secretário da Receita Federal Julio Cesar Vieira Gomes negou ter exercido pressão sobre a corregedoria e disse que os pareceres do órgão sempre foram seguidos à risca em sua gestão.

"O gabinete da Receita na gestão anterior não sofreu nem exerceu qualquer pressão sobre a Corregedoria da Receita Federal no sentido de alterar os seus pareceres em processos disciplinares, todos integralmente acatados. A Corregedoria da Receita é um órgão técnico e exerce suas atribuições com autonomia", afirmou.

Julio Cesar comandou o Fisco de dezembro de 2021 a dezembro de 2022.

A Folha de S.Paulo não conseguiu contato com Ferraz Neto.

A reportagem enviou perguntas específicas a Tafner por meio da assessoria de imprensa da Receita e também diretamente a ele, em mensagem de texto, mas não obteve resposta.

Também procurado por meio da assessoria do Fisco, Barreirinhas não se manifestou.

Em resposta a perguntas sobre o caso, a Corregedoria do Ministério da Fazenda afirmou, em nota, que "eventuais procedimentos investigativos e processos correcionais não conclusos, que estejam em trâmite no âmbito desta Corregedoria, são de acesso restrito, não sendo permitida a divulgação de informações ou documentos a eles relacionados".


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