RIO DE JANEIRO , RJ, E BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A Receita Federal no governo Jair Bolsonaro (PL) não incluiu o caso dos acessos sem justificativa legal feitos em dados de desafetos do ex-presidente quando enviou ao TCU (Tribunal de Contas da União) uma lista de investigações internas sobre possíveis consultas irregulares de informações fiscais de contribuintes.
A relação de casos foi entregue em abril de 2021 após pedido do tribunal, que apurava procedimentos da Receita para proteger dados dos cidadãos, em especial de pessoas politicamente expostas (conhecidas pela sigla PEPs).
A lista relaciona investigações contra oito servidores por supostos acessos ilegais, mas não inclui o caso de Ricardo Pereira Feitosa --coordenador-geral de Pesquisa e Investigação da Receita em 2019. À época, ele era alvo de uma sindicância investigativa no Fisco.
Como a Folha de S.Paulo revelou na segunda-feira (27), Feitosa, chefe da inteligência da Receita Federal no início da gestão Bolsonaro, acessou e copiou em julho de 2019 dados fiscais sigilosos do coordenador das investigações sobre o suposto esquema da "rachadinha" no gabinete do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) --o então procurador-geral de Justiça do Rio de Janeiro Eduardo Gussem-- e de dois políticos que haviam rompido com a família presidencial: o empresário Paulo Marinho e o ex-ministro Gustavo Bebianno.
A defesa de Feitosa nega que ele tenha cometido violação de sigilo e, nesta quinta, divulgou nova manifestação afirmando considerar que "o vazamento seletivo e de um processo que corre sob sigilo legal é crime e promove uma violação à segurança do adequado andamento processual em curso".
"A defesa repudia a violação de sigilo legal do processo, confiado a quem deveria guardar, constituindo crime previsto no art. 325 do Código Penal, o que é um atentado à democracia e ao devido processo legal", afirma o advogado Marco Marrafon, que assina a nota.
Os acessos ilegais a dados da Receita entraram na mira do TCU em 2019 após a divulgação de uma apuração do Fisco sobre o ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), e de sua mulher, a advogada Guiomar Mendes.
Diferentemente dos acessos feitos por Feitosa, no caso de Gilmar a Receita negou ter havido consultas irregulares aos seus dados fiscais, afirmando que o ministro foi alvo de apuração preliminar interna que não evoluiu para um procedimento formal de fiscalização.
O TCU só abriu uma investigação sobre o acesso irregular a informações de desafetos da família Bolsonaro na quarta (1º), após pedido do Ministério Público junto ao órgão.
Pelas regras da Constituição e da administração pública, servidores devem seguir os princípios da impessoalidade e da motivação, o que só permite consulta e averiguação de dados sigilosos caso haja justificativa legal para tanto.
O descumprimento pode resultar em suspensão ou até demissão do serviço público, no âmbito administrativo.
A fim de apurar a proteção de dados de políticos, juízes e promotores, o TCU realizou uma auditoria na Receita. Um dos passos foi questionar o Fisco sobre a ocorrência de acessos indevidos e como esses casos foram tratados.
Em abril de 2021, o órgão enviou uma listagem de oito PADs (processos administrativos disciplinares) instaurados entre 2018 e 2020. Não consta na lista o caso de Feitosa.
A apuração preliminar contra o ex-chefe da inteligência foi aberta em março de 2020. Na data do envio dos dados ao TCU, ela ainda era a chamada sindicância investigativa, procedimento que, após o prosseguimento das apurações, pode ser convertido em PAD --o estágio mais avançado.
Foi o que ocorreu no caso de Feitosa em maio de 2021, mês seguinte ao envio do ofício ao tribunal.
A resposta ao TCU foi produzida pelo então corregedor da Receita José Pereira de Barros Neto e encaminhada pelo então secretário do Fisco José Barroso Tostes Neto.
À época, ambos eram alvo do clã Bolsonaro, que afirmava haver uma articulação política dentro da Receita com o intuito de prejudicar o presidente e familiares politicamente. O mandato de Barros Neto na corregedoria se encerrou em julho de 2021. Tostes foi exonerado da chefia da Receita em dezembro daquele ano, em meio à pressão bolsonarista.
Tostes afirmou à Folha de S.Paulo que o caso de Feitosa não foi enviado ao TCU em abril de 2021 porque, muito provavelmente, estava ainda em fase de investigação. A reportagem não conseguiu contato com Barros Neto.
No ofício ao TCU, o Fisco informou que dos 8 processos abertos, 6 se referiam a acessos ilegais a dados de pessoas politicamente expostas. Do total, apenas quatro estavam concluídos, todos com pena de suspensão para o servidor envolvido.
A auditoria do TCU concluiu haver falhas na prevenção no acesso imotivado a dados fiscais de contribuintes, incluindo pessoas politicamente expostas.
"Não há mecanismos automatizados (além do controle de perfis) que previnam tais acessos indevidos, ou que garantam que a Corregedoria do órgão apure e puna eventuais abusos de auditores fiscais", afirma acórdão aprovado no fim do ano passado.
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