SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Envolta em suspeitas de desvio e atrasos de salário, a fundação responsável pela TV Alesp acaba de garantir a permanência na Assembleia Legislativa de São Paulo em um processo licitatório que teve a participação de empresas próximas entre si.

A Fundac (Fundação para o Desenvolvimento das Artes e da Comunicação), que está há mais de uma década na comunicação da Alesp, venceu pregão em fevereiro para contrato de cerca de R$ 31 milhões por 30 meses.

Conforme a Folha de S.Paulo mostrou, neste mês, Ricardo dos Santos Castilho apresentou carta de renúncia da presidência da fundação, em meio a suspeitas de desvio de verbas dos cofres da entidade estimados em R$ 3,5 milhões por meio de uma empresa "laranja".

A Fundac mantém contrato com Alesp, TSE (Tribunal Superior Eleitoral), TV Câmara e Prefeitura de São Paulo. No caso da Assembleia, o pregão para a contratação da gestora da TV Alesp teve 13 participantes, dos quais só 7 ofereceram lances.

Durante o certame, embora o sistema não permita identificar na hora quem está concorrendo, uma das empresas chegou a comentar no chat a existência de "muitos aventureiros inexperientes".

Entre as participantes, a reportagem encontrou empresas que têm ou tiveram ligações com a Fundac ou seus funcionários.

Uma delas é o IPCOM (Instituto Paulista de Comunicação e Cidadania), entidade que, no site da Receita Federal, tem como presidente Roberto Reinhardt Júnior, diretor financeiro da própria Fundac. O instituto afirma que a informação no site está equivocada e será corrigida.

Segundo a entidade, Reinhardt Júnior era diretor financeiro até renunciar em novembro de 2022 --posto que, no site do IPCOM, mantinha até esta segunda-feira (3) e foi alterado após contato da reportagem. O instituto diz que o site estava desatualizado e apresentou renúncia datada do ano passado, mas afirmou que não há necessidade de registro em cartório para esse tipo de carta.

Além do instituto, a empresa Marcelo Ott Braga Produções de Áudio e Vídeo também entrou no certame, mas não fez lance. O proprietário é Marcelo Ottoni Braga, supervisor de operações da Fundac, e a sede da empresa na verdade é uma residência de familiares dele na zona leste da capital paulista.

Outra empresa que atuou no pregão foi a Rentalcine, que já foi subcontratada da Fundac na Alesp e atua com aluguel de equipamentos cinematográficos. Neste ano, Giovane Favieri, dono da Rentalcine, virou sócio da GDMais, contratada pela Alesp para fornecer equipamentos que são usados pela Fundac na TV.

Quem deu o melhor lance foi a empresa Take 1 Imagens, mas, como não apresentou oficialmente a proposta comercial, a Fundac levou.

O contrato fechado foi apenas R$ 1,6 milhão mais barato que o máximo previsto no edital, ou seja, 4,9% de desconto.

Empresários que participam de licitações do tipo ouvidos informalmente dizem que a presença de empresas com proximidade entre si pode ajudar a manter falsa aparência de competitividade e funciona como uma espécie de seguro contra uma zebra, ou seja, se a favorita perder.

No caso deste contrato, a reportagem ainda ouviu uma avaliação de que a conta entre as exigências e o valor só fecharia se, na prática, não houvesse fiscalização de seu cumprimento.

Especialistas veem a necessidade de apuração.

"As licitações públicas visam, através da competitividade entre os licitantes, obter a proposta mais vantajosa por tratamento igualitário entre os participantes. Na medida em que há relações entre as empresas licitantes, é preciso investigar se não estamos diante de uma prática anticompetitiva, em prejuízo do melhor preço", diz Pedro Estevam Serrano, professor de direito constitucional da PUC-SP.

O advogado Anderson Medeiros Bonfim, que atua na área de direito administrativo e é doutorando pela PUC-SP, diz que a ideia é inibir combinações.

"É tão lesiva à licitação a existência de relações entre licitantes que, corrigindo uma omissão da lei de licitações de 1993, a nova lei vedou participar de certames, concorrendo entre si, empresas controladoras, controladas ou coligadas. Há uma lógica que inspira a previsão legislativa: inibir combinações", diz.

Para este ano, há previsão de alta com a verba para divulgação dos trabalhos legislativos na Alesp, que inclui a TV. O valor, de R$ 42 milhões, é quase o dobro do que foi gasto no ano passado, de R$ 24 milhões.

Apesar de ser uma das maiores despesas da Casa, funcionários da TV Alesp relatam frequentes atrasos nos pagamentos de salários e benefícios.

Além disso, neste mês a Fundac foi chacoalhada por outro assunto, a renúncia do presidente da entidade, Ricardo Castilho.

O caso ocorre em meio a suspeitas apresentadas à Polícia Civil paulista pelo presidente do Conselho Curador, Danilo Alexandre Mayriques, após um levantamento interno. Segundo o boletim de ocorrência, o possível desvio ocorreu por meio de notas fiscais emitidas em nome da empresa que pertence a suposto funcionário da fundação ligado a Castilho.

OUTRO LADO: FUNDAÇÃO DIZ SEGUIR ÉTICA E LEGALIDADE

A Alesp, hoje presidida por André do Prado (PL), afirmou que o contrato foi assinado na gestão anterior e que cabe à Casa "fiscalizar a obediência do contrato e a execução dos serviços".

A assessoria do ex-presidente Carlão Pignatari (PSDB) afirmou que o atual contrato foi firmado antes de suspeitas de irregularidades internas sobre a Fundac serem apresentadas à polícia e que a licitação cumpriu, "rigorosamente, todos os requisitos previstos na lei nº 8.666, com total transparência, bem como atuação dos servidores técnicos efetivos da Casa, sem qualquer questionamento".

A assessoria afirmou ainda que a empresa apresentou a menor proposta e que a fiscalização do contrato cabe ao Departamento de Comunicação.

A Fundac afirmou que "atua regularmente e segue padrões de ética e legalidade". "Todas as licitações são públicas e constam no portal da transparência dos órgãos, desta forma a fundação desconhece qualquer irregularidade. O procedimento licitatório é público e qualquer interessado poderá se manifestar e fiscalizar, não sendo esse o papel da fundação", diz.

Marcelo Braga afirmou que entrou na licitação apenas para acompanhá-la. Já Roberto Reinhardt confirmou a informação sobre a renúncia passada pelo IPCOM.

O IPCOM ainda afirmou que não há qualquer irregularidade. "Primeiro, porque a pessoa jurídica não se confunde com as pessoas físicas que dele participam. Segundo, porque o IPCOM não cobriu nenhum lance da Fundac, não tendo havido, portanto, competição entre essas instituições."

Giovane Favieri, da Rentalcine, afirmou que a empresa tem "experiencia e qualificação para gerir qualquer emissora de TV pública ou privada" e que no sistema não é possível saber quem está concorrendo nos pregões.


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