BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O voto de Alexandre de Moraes para aceitar a denúncia contra os cem primeiros acusados pelos ataques golpistas de 8 de janeiro sinaliza como o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) organiza a investida que fará contra Jair Bolsonaro (PL).

O ex-presidente deve prestar depoimento nesta quarta-feira (26) no inquérito aberto pela Polícia Federal para apurar as invasões e depredações aos prédios dos três Poderes. Ele é alvo de 1 das 4 investigações abertas, a que mira os autores intelectuais dos ataques.

Moraes foi o primeiro a votar, no dia 18, pela aceitação das denúncias oferecidas pela Procuradoria-Geral da República --o julgamento está com maioria formada, por 8 votos a 0, e vai até segunda-feira (24).

No voto, Moraes aponta para relação entre as provas reunidas sobre os autores intelectuais dos ataques de janeiro com as coletadas nos últimos anos em duas investigações relatadas por ele: os inquéritos das fake news e das milícias digitais.

O ministro chega a citar que essas investigações já miram parentes de Bolsonaro, como seus filhos Eduardo e Flávio e aliados como Bia Kicis (PL-DF), Carla Zambelli (PL-SP) e Otoni de Paula (MDB-RJ).

Ao indicar a relação dos casos, em especial com o inquérito das milícias digitais, Moraes sinaliza que, para apontar Bolsonaro como um dos autores intelectuais dos ataques do começo do ano, vai se valer de todas as provas colhidas desde 2019.

Na prática, o ministro coloca o 8 de janeiro como mais um dos eventos atrelados à organização criminosa investigada no inquérito das milícias.

O inquérito, chamado originalmente de atos antidemocráticos, reúne todas as investidas golpistas de Bolsonaro contra as instituições e sua atuação na disseminação de fake news e desinformação.

Dessa forma, o 8 de janeiro passa a figurar ao lado de outras investidas golpistas, como a live de 29 de julho de 2021 com falas contra o sistema eleitoral; o vazamento do inquérito sobre o ataque ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral); a difusão de desinformação sobre vacinas; e os preparativos para o 7 de Setembro de 2021, quando o presidente ofendeu Moraes e também fez manifestações de cunho golpista.

O entendimento da PF desde a abertura do inquérito das milícias é que cada um desses episódios é um evento realizado pela mesma suposta organização criminosa investigada pela delegada Denisse Ribeiro, e que passou a ser alvo do delegado Fabio Shor.

No caso da live de julho de 2021, a PF colocou Bolsonaro como figura central e incentivador das investidas golpistas contra as urnas e da disseminação de desinformação.

Como mostrou a Folha de S.Paulo em maio de 2022, o inquérito das milícias já era visto na PF como um anteparo contra as investidas golpistas de Bolsonaro, entre elas, uma possível ação como a invasão do Capitólio, nos Estados Unidos, em 6 de janeiro de 2021.

A interpretação na PF ainda naquela época era a de que Bolsonaro, caso perdesse a eleição, se valeria da difusão de desinformação para estimular seus apoiadores a fazerem algo nos moldes do que ocorreu após a derrota de Donald Trump.

As investidas golpistas de Bolsonaro não só foram mantidas durante o período eleitoral, como na tentativa de criar uma narrativa sobre uso da propaganda em rádios em favor de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), como aumentaram após a derrota.

Ainda no dia do segundo turno, a Polícia Rodoviária Federal descumpriu uma ordem de Moraes e ampliou a fiscalização de veículos de transporte de passageiros, em especial na região Nordeste, como revelou a Folha de S.Paulo.

O caso da PRF, por exemplo, foi utilizado por Moraes para manter na prisão o ex-ministro Anderson Torres, que chefiou a pasta da Justiça sob Bolsonaro.

Ele citou que depoimentos de testemunhas e apreensão de documentos apontam "fortes indícios da participação do requerente [Torres] na elaboração de uma suposta 'minuta golpista' e em uma 'operação golpista' da PRF para tentar subverter a legítima participação popular no segundo turno das eleições presidenciais de 2022".

Nos dias após a derrota, o presidente também manteve seus apoiadores em alerta, sem atuar para desmobilizar os acampamentos golpistas em frente a quartéis e os bloqueios em rodovias contra o resultado das eleições.

Nesse período, antes da posse de Lula, como mostrou a minuta apreendida na casa de Torres, o grupo do presidente teria aventado a decretação de estado de defesa no TSE para evitar a diplomação do petista.

No fim do ano, a escalada golpista ganhou corpo até desaguar nos ataques de 8 de janeiro.

No início de dezembro, bolsonaristas que estavam acampados em frente ao QG do Exército em Brasília tentaram invadir o prédio da PF e depredaram veículos na capital federal. Semanas depois, na véspera de Natal, um apoiador do presidente instalou uma bomba em um caminhão de combustíveis estacionado próximo ao aeroporto de Brasília.

Todas essas investidas golpistas e a escalada de violência culminaram nas cenas de destruição na praça dos Três Poderes e fizeram desmoronar o discurso público do ex-presidente e de seus aliados, que destacavam as manifestações como ordeiras e pacíficas e buscavam associar protestos violentos a grupos de esquerda.


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