BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A divulgação das cerca de 160 horas de gravação das câmeras do circuito interno do Palácio do Planalto relativas ao dia 8 de janeiro mostram momentos de irritação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), conversas acaloradas entre ministros e uma sequência de falhas de segurança que permitiram uma ação desimpedida dos vândalos, por um longo período.
Embora algumas não tenham áudio, as imagens revelam diversos ministros, congressistas e outras autoridades em um estado de perplexidade na noite do dia 8, ao avaliar os estragos.
Em determinado momento, Lula passa em frente ao seu gabinete, em meio a uma comitiva de ministros e auxiliares, e gesticula muito diante dos sinais de vandalismo, demonstrando irritação.
A antessala de seu gabinete havia sido arrombada às 15h56, após um homem dar um chute na porta de vidro.
No vídeo, o homem aparenta desferir o chute mesmo percebendo que sua ação seria registrada por um repórter fotográfico da agência de notícias Reuters. No dia dos ataques, fotógrafos e jornalistas foram ameaçados e agredidos em vários pontos da Esplanada dos Ministérios, sendo que alguns foram obrigados a apagar seus registros.
As imagens indicam que os vândalos ficaram no terceiro andar do Planalto, onde fica o gabinete presidencial, por cerca de uma hora, das 15h20 às 16h30.
O gabinete de Lula, que estava trancado, não foi vandalizado, diferentemente de vários outros locais, entre eles a sala da primeira-dama, Rosângela da Silva, a Janja.
Os vídeos foram divulgados pelo Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, o GSI, após o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Morais retirar o sigilo sobre eles.
A decisão do magistrado ocorreu depois que a CNN Brasil divulgou algumas das imagens, mostrando que o então chefe do GSI, general Gonçalves Dias, circulava em meio aos manifestantes. GDias, como é chamado por sua equipe, acabou pedindo demissão.
Além da irritação de Lula, em um momento é possível ver uma acalorada conversa entre o ministro Flávio Dino (Justiça), que gesticula enfaticamente, e o ministro José Múcio (Defesa), que fala ao telefone.
As 33 câmeras do circuito de segurança interno da Presidência cobrem áreas que vão do estacionamento ao quarto andar, que não foi invadido.
De vários ângulos, é possível notar uma série de falhas de segurança e uma aparente desorientação dos poucos agentes no local, o que permitiu o acesso e o livre trânsito dos vândalos pelos andares e salas do Planalto.
A entrada principal do palácio chegou a ficar desguarnecida por 45 minutos após policiais e militares do BGP (Batalhão da Guarda Presidencial) recuarem o bloqueio no local.
Sem equipes de choque, vândalos bolsonaristas que já haviam entrado no Planalto por outros locais abriram a porta principal do prédio --o que facilitou o acesso dos golpistas e a depredação de vidraças, obras de arte e equipamento de segurança.
A ameaça à invasão ao Palácio do Planalto começou por volta de 15h, quando o Congresso Nacional já estava tomado pelos golpistas. Um grupo de vândalos enfrentou policiais militares no estacionamento do prédio.
Cerca de 20 policiais e militares do BGP fizeram, então, um bloqueio às 15h11 em frente ao portão principal que dá acesso ao palácio. Ao longe, bolsonaristas jogavam pedras, cones e extintores.
O homem que vandalizou o relógio de dom João 6º, por exemplo, usou extintores de incêndio para abrir caminho no Palácio do Planalto e acessar os andares superiores, mostram os vídeos.
Além da relíquia histórica, Antonio Claudio Alves Ferreira, 30, que no dia da invasão usava uma camisa com o rosto do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), danificou um caixa eletrônico e outro objeto usando a haste de uma bandeira, sem ser molestado em nenhum momento. Ele foi preso pela Polícia Federal em 23 de janeiro na cidade de Uberlândia (MG).
O major José Eduardo Natale de Paula Pereira, que estava como coordenador de segurança das instalações no Planalto, foi visto um intervalo de meia hora interagindo com manifestantes no andar do gabinete presidencial.
Pereira aparece nas imagens de câmeras do terceiro andar do Planalto conversando e dando água para os vândalos. Em outros momentos, circula ao telefone quando eles já haviam invadido salas do andar presidencial e testemunha um golpista furtando um extintor de incêndio.
Além da depredação, pelo menos um vândalo tentou arrombar um caixa eletrônico do Banco do Brasil, no Planalto, mas acabou desistindo após não conseguir.
Outros se sentiram à vontade para trocar mensagens por telefone, fumar, fazer selfies e lives enquanto participavam da invasão.
Alguns bolsonaristas chegaram a tirar fotos do relógio de dom João 6º após alguns deles terem colocado a relíquia, danificada, de volta à sua mesa. Pouco tempo depois ela foi novamente derrubada.
São poucos os momentos em que há ações incisivas dos homens do GSI na tentativa de proteger o local. Um deles mostra que dois vândalos foram barrados na tentativa de subir os andares do Planalto e fugiram após avistarem um agente do GSI de arma em punho.
Essas ações, porém, foram isoladas e não ocorreram mais após a invasão tomar corpo.
A suposta leniência das forças de segurança em proteger a sede dos três Poderes já resultou no afastamento provisório do governador Ibaneis Rocha (MDB) e na intervenção na segurança pública do Distrito Federal, medidas que já chegaram ao fim.
O presidente Lula também demonstrou insatisfação com o meio militar, fez trocas no GSI e afirmou defender que todos aqueles que tenham agido de forma irregular no dia dos ataques sejam punidos.
Apesar disso, o governo trabalhou contra a instalação de uma CPI no Congresso para apurar os ataques, diante da avaliação de que isso pode atrapalhar as suas prioridades econômicas, além de servir de palanque a teorias da conspiração bolsonaristas --a principal delas, a de que o governo estimulou os ataques.
Após as imagens que derrubaram o ministro do GSI, o governo passou a apoiar a comissão mista de deputados e senadores, que será criada na próxima semana, diante da constatação de que havia se tornado inviável politicamente segurá-la.
O intuito, agora, é tentar obter maioria na CPI para direcionar os trabalhos no sentido do que está sendo feito pelas investigações da Polícia Federal e outras instituições, que é a de identificar e punir não só os vândalos, mas os financiadores e os autores intelectuais dos grupos golpistas.
Neste domingo (23), a PF tomou o depoimento de nove militares que estavam trabalhando no dia 8 de janeiro. Todos eles saíram sem falar com a imprensa.
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