SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Edson Fachin derrubou na quarta-feira (26) censura ao documentário "Justiça Contaminada - O Teatro Lavajatista da Operação Calvário na Paraíba", lançado no ano passado pelos jornalistas Eduardo Reina e Camilo Toscano.

Os dois são alvo de processos movidos pelo desembargador Ricardo Vital de Almeida, devido ao documentário. Em 2022, o juiz Adhemar de Paula Leite Ferreira Néto, da 3ª Entrância, determinou a retirada do vídeo dos canais onde foram divulgados, sob risco de multa de R$ 500 por dia até o limite de R$ 30 mil.

A defesa dos jornalistas entrou com uma reclamação constitucional no STF por considerar que a decisão afronta a jurisprudência do tribunal.

Fachin concedeu liminar ao pedido. "A jurisprudência desta corte tem admitido, em sede de reclamação fundada no julgamento da ADPF [Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental ] 130, que se suspenda a eficácia ou até mesmo definitivamente sejam cassadas decisões judiciais que determinem a não veiculação de determinados temas em matérias jornalísticas", afirmou.

O ministro disse que a ADPF 130 reconheceu que a liberdade de imprensa tem importância maior para a democracia do país. Fachin diz também que "a sintética fundamentação adotada no ato reclamado, formulada em sede de cognição sumária, teve como objetivo evitar a propagação do conteúdo supostamente ofensivo do documentário sem, no entanto, discorrer, ainda que de forma sucinta, acerca de tal conteúdo".

No documentário, cita-se que o desembargador Ricardo Vital de Almeida e o promotor Octávio Paulo Neto, do Ministério Público (MP-PB), eram chamados pela imprensa local de "Moro e Dallagnol da Paraíba", numa comparação com o ex-juiz e hoje senador Sergio Moro (União Brasil) e o ex-procurador e hoje deputado federal Deltan Dallagnol (Podemos), que atuaram na Operação Lava Jato.

Na ação, o desembargador sustenta que o filme contém "diversas palavras ofensivas à sua imagem e à sua honra".

Ele pede pagamento de compensação por danos morais de 40 salários mínimos, que os jornalistas se abstenham de veicular qualquer comentário ofensivo à imagem do magistrado e que seja suspendida a veiculação do "ilícito vídeo".

O juiz Ferreira Néto rejeitou pedido para que os jornalistas se abstenham de comentários ofensivos ao magistrado, sob a justificativa de que se trataria de censura prévia. O mérito da ação principal ainda não foi julgado.

De acordo com o advogado dos jornalistas, Jonatas Moreth Mariano, correm na Justiça da Paraíba três ações contra os jornalistas. Duas delas são por danos morais e uma terceira se trata de uma interpelação judicial, afirmou.

O documentário tem tom crítico ao que classifica como lava-jatismo durante a Operação Calvário, deflagrada em 2019, que apontou o ex-governador paraibano Ricardo Coutinho (ex-PSB, hoje no PT) como líder de organização criminosa que arrecadava propina em contratos estaduais na área da Saúde.

O ex-governador tem dito que a operação foi uma armação com perseguição política.

Dividido em diversos episódios, o documentário que motivou a disputa judicial trata a Operação Calvário como um caso de lawfare, o uso do direito com objetivo de perseguir alguma pessoa ou grupos. No documentário, há relatos do uso das delações premiadas em moldes similares aos da Lava Jato.

Na ação contra os jornalistas, o magistrado afirma ser retratado como "juiz parcial, autoritário e aderente a conchavos".

Eduardo Reina disse à Folha de S.Paulo em março que tentou entrar em contato com o magistrado por email, via assessoria de imprensa, chefia de gabinete e ainda deu opções para resposta a perguntas por escrito.

A reportagem procurou o desembargador por email e mensagem no mês passado para comentar o caso, mas não obteve resposta. No fim da tarde desta quinta-feira (27), o magistrado voltou a ser procurado por esses canais.

Para entidades representativas de jornalistas, a ação e a censura constituem perseguição judicial contra Reina e Toscano.

"Todo o processo movido contra Eduardo Reina e Camilo Toscano é, na verdade, mais uma absurda e inaceitável tentativa de cerceamento à atividade jornalística", diz nota publicada pela Rede de Proteção de Jornalistas e Comunicadores, liderada pelo Instituto Vladimir Herzog e pela Artigo 19.

Durante a Operação Calvário, Ricardo Coutinho e outras pessoas chegaram a ser presas na ação que apurava um suposto desvio de R$ 134,2 milhões da área de saúde estadual.

No início de 2020, ele foi denunciado na Justiça estadual. A defesa conseguiu em 2021 decisão do STF para enviar o caso à Justiça Eleitoral paraibana, sob o argumento de que os fatos envolviam caixa de campanha.

Porém a corte eleitoral decidiu devolver o processo para a Justiça comum, por entender que a denúncia não especificava irregularidades eleitorais.

Em junho passado, novamente o ministro Gilmar Mendes declarou a incompetência da Justiça comum e reafirmou a atribuição da Justiça Eleitoral.


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